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Inteligência Artificial e trabalho: de coadjuvante a protagonista
Kátia Barbosa Macêdo (SBPG)
Tecnologia pode ser compreendida como “um conjunto de processos, métodos, técnicas e ferramentas resultantes de conhecimento, com o objetivo de auxiliar nos processos de trabalho do ser humano”, ou seja, instrumentos para fornecer suporte às atividades humanas.
Desde a primeira Revolução Industrial, as alterações na tecnologia impactaram os trabalhadores. Estamos agora diante de uma nova realidade ao nos depararmos com a Inteligência Artificial. Classificada por sua capacidade de imitar características humanas, a Inteligência Artificial chegou ao terceiro estágio quando foi lançado pela Microsoft o CHATGPT, que em apenas algumas semanas alcançou a maior adesão de usuários da internet (100 milhões), segundo dados da BBC. Nessa nova configuração, as máquinas dotadas de inteligência artificial já podem desenvolver soluções criativas, e até superar a capacidade humana de memória e criatividade.
Temos observado cotidianamente a substituição de postos antes ocupados por trabalhadores por máquinas. Se a promessa idealizada de termos máquinas para fazer o trabalho parecia interessante em um primeiro momento – como na série Os Jetsons, da década de 1970 -, ao assistir aos resultados desse processo de informatização, as consequências agora parecem não ser tão promissoras. Estaríamos iniciando nossa entrada em um cenário mais assustador, como o previsto por Aldous Huxley (Admirável Mundo Novo) ou George Orwell (na obra 1984), onde as máquinas dotadas de IA dominariam o mundo e as pessoas se tornariam instrumentos para manter o sistema? Isso me faz lembrar também da trilogia Matrix, que quando lançada, gerou muita discussão. Agora, com o lançamento do Metaverso e dos óculos com realidade alterada Home Pod da Apple, o que há pouco tempo era considerado ficção, como os conteúdos dos episódios da série Black Mirror, já são uma realidade.
A princípio parece ser mais uma etapa da evolução tecnológica, porém o próprio Geoffrey Hinton, considerado o padrinho da inteligência artificial(, pediu demissão da Google alertando sobre os crescentes perigos da IA, em entrevista ao The New York Times após se demitir da Google, afirmou que agora se arrepende do seu trabalho, alertando que o uso dessa tecnologia em mãos erradas pode acarretar o fim da humanidade. Em consequência, já foram convocados cientistas para depor no Congresso Americano, e o próprio Sam Altman, da empresa que criou o CHATGPT, apoiou a regulamentação governamental da Inteligência Artificial no mundo.
São evidentes as consequências que a informatização gerou na produção material e no cotidiano, na esfera entre o público e o privado. Na sociedade contemporânea, observam-se: elevado nível de desenvolvimento econômico, associado a uma forte degradação do mercado de trabalho; grande fragilidade dos vínculos sociais, em particular no que se refere à sociabilidade familiar e às redes de auxílio privado; aumento do desemprego estrutural; surgimento de novas formas de relações de trabalho precarizadas, em que o trabalhador, para ser incluído no mercado de trabalho, muitas vezes tem de abrir mão de direitos trabalhistas conquistados a duras penas por séculos (Macêdo, 2016).
Se antes da IA as relações de trabalho já vinham sofrendo mudanças que colocavam em risco a saúde dos trabalhadores, agora a ameaça aumenta. O avanço do uso de tecnologias, o emprego intermediado pelas plataformas digitais, somado ao desemprego estrutural e à desigualdade de distribuição de renda, são alguns dos fatores que contribuem para o aumento da precarização das relações de trabalho, adoecimento e da violência social, resultantes do contexto social globalizado.
No Brasil, a Nova Legislação Trabalhista, aprovada em 2017, e a medida provisória MP 905/2019 contribuíram para a expansão da precarização das relações de trabalho ao regulamentar práticas de espoliação de direitos do trabalhador. Dados recentes do IBGE/PNAD – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Pesquisa Nacional por Amostra de domicílios contínua (2019, 2020) – indicam que 44% das pessoas ocupadas encontram-se na informalidade, 26% trabalhando por conta própria e 8% subocupados. Dados indicam que 3,8 milhões de brasileiros tinham no trabalho por aplicativo sua principal fonte de renda. Aproximadamente 17 milhões de pessoas obtêm seu rendimento por meio do trabalho por aplicativo no Brasil.
Em uma de suas últimas entrevistas, ao ser perguntado sobre o que seria recomendável para preservar a saúde mental, Freud respondeu que, além da pessoa ter uma vida emocional e sexual satisfatória, deveria desempenhar um trabalho com o qual se identificasse, já indicando a importância do trabalho no funcionamento psíquico da pessoa.
Desde Totem e Tabu até o Mal-estar da Civilização, Freud já indicava o papel fundamental do trabalho na constituição da civilização. A renúncia pulsional se apoia no pacto social. A pessoa abre mão da satisfação de certos impulsos e como recompensa será inserida em um grupo que a acolherá e protegerá.
O trabalho ocupa posição central na vida do ser humano, e desempenha várias funções: além da sobrevivência, a inclusão social, a constituição identitária e psíquica e a manutenção da saúde mental. O psicanalista francês Dejours afirma que o trabalho nunca é neutro; ou ele contribui para a saúde ou constitui fator de adoecimento, impactando diretamente na saúde mental dos trabalhadores (Dejours, 1992). E, naturalmente, a falta do trabalho também. Vários problemas sociais e psíquicos decorrem de situações ligadas à pobreza, ao desemprego e à angústia de não conseguir sobreviver.
Ao final do Futuro de uma Ilusão, Freud ainda tinha esperança de que a ciência ocuparia o lugar da religião, porém, no Mal-Estar na Civilização ele já sinalizava uma mudança em sua expectativa, indicando o risco da própria civilização vir a se extinguir. Estaríamos a passos largos nessa direção?
(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores)
Categoria: Política e Sociedade
Palavras-chave: Inteligência Artificial; trabalho ; desemprego ; saúde mental ; submissão.
Imagem: techslang.com
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