Observatório Psicanalítico – OP 369/2023 

Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo.

Um alívio, a pulsão de vida voltou!

Gustavo Gil Alarcão (SBPSP)

Salve 2023! Ao retomar o trabalho esse ano reparei a quantidade de pacientes que repetiram essa mesma frase: “nossa, Gustavo, estou aliviado, passou a eleição e parece que um monte de coisa voltou ao normal, que alívio”. Houve, de certo, alguns pacientes que não falaram de alívio, mas de preocupação, por discordarem do resultado do pleito. Foi interessante notar que mesmo entre os preocupados, certo clima de maior ponderação e sensatez parecia recolorir o ambiente. 

Presenciamos estarrecidos os atos de 8 de janeiro, repudiados pela imensa maioria da sociedade, bem como a insistência irracional e ilógica das massas que se amontoaram em quarteis país afora. É tempo de restaurar laços sociais e cuidar da coletividade, tão adoecida e maltratada durante os últimos anos. 

Como nunca antes visto na história da psicanálise em nosso país, psicanalistas de diferentes orientações teóricas e filiações institucionais se fizeram presentes no debate público. As pessoas estavam interessadas em escutar o que psicanalistas tinham a dizer, pois observavam que muitos fenômenos recentes poderiam ser bem compreendidos se nos utilizássemos de referenciais psicanalíticos, fosse na tentativa de compreender fenômenos sociais, fosse para ajudar no entendimento das relações pessoais mais íntimas.

É realmente um alívio notar que a civilidade, a democracia e o respeito à diferença voltaram o ocupar o lugar central que sempre deveriam ocupar. A radicalidade cega, as paixões ideológicas imunes ao debate e as ações gananciosas que não respeitam e nem se interessam pela coletividade saíram do armário e vieram para ficar. Precisaremos de paciência, autocrítica e criatividade para enfrentar tais problemas. 

A intenção de escrever esse texto é realçar, mais uma vez, a decisiva influência dos contextos sociais e coletivos na vida emocional e psíquica de cada pessoa. Ao constatar a recorrência do “alívio”, era fácil perceber de que não se tratava somente de felicidade com determinada vitória eleitoral. A onipresença de um clima onde proliferavam manifestações de ódio, hostilidade, mentira e agressões gratuitas literalmente pesou sobre muitos ombros, não só nos ombros dos adversários políticos do ex-presidente e de seu grupo, como também em alguns de seus apoiadores. A explicação não é difícil: o desligamento sistemático produzido pela pulsão de morte cobra muito caro pelo seu trabalho. Ela só deixa de cobrar quando já não há mais pulsão de vida de onde retira suas energias, o que acontece raríssimas vezes (como me diz um paciente: “eu me autorizo a ter ódio, ódio mesmo de pouquíssimas pessoas, como Hitler – ali não havia vida, só destruição). 

O alívio diz respeito à retomada da pulsão de vida como bússola dos rumos coletivos. A vida contém conflitos e diferenças, a vida não é um oceano de concordâncias e identificações. É justamente no enfrentamento não-tirânico, ou melhor, no enfrentamento democrático desses conflitos que seguimos nossas construções. Esse “alívio”, é, portanto, fundamental. É a recuperação da força da pulsão de vida, aquela que busca criativamente fazer ligações sem precisar exterminar a diferença. Algumas diferenças são mais do que apenas diferenças, e para elas existem as leis e o poder coercitivo do Estado.

Há uma semana do carnaval, o primeiro pós-pandemia, estamos desejosos de colocar nossos blocos na rua, com toda energia que temos direito. Sem esquecer que a rua é espaço de todos aqueles que cuidam e zelam por ela, não para aqueles que querem fazer seus cercadinhos (e eles existem aos montes, não só aquele famoso cercadinho, como outro$). O alívio prepara o terreno para a injeção libidinal indispensável para todos aqueles que buscam tempos melhores, é bom que se diga, melhores para todos, não só para alguns poucos. É tempo de um pouco de bem-estar na civilização, como bem diz a música de Sérgio Sampaio, “Eu quero é botar meu bloco na rua, brincar, botar pra gemer!” 

Como último lembrete, hoje, 11 de fevereiro é dia do bloco Unidos do Inconsciente, com suas paródias divertidíssimas, alegria contagiante e psicanalistas nas ruas! Uma das paródias diz assim “Freud não vai morrer, Freud não vai acabar, revelou o segredo do sonho, sacudiu o mal-estar”. A pulsão de vida está aí: aproveitemos! 

Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores)

Categoria:  Política e Sociedade 

Palavras-chave: Pulsão de vida, Pulsão de morte, Democracia, Psicanálise, Carnaval

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Tags: Carnaval | democracia | Psicanálise | pulsão de morte | Pulsão de vida
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