Observatório Psicanalítico – OP 370/2023

Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo.

Nossos órgãos dos sentidos como via de mão dupla

José Alberto Zusman (SPRJ)

Muito se enfatiza o quanto os órgãos dos sentidos nos colocam em contato com o mundo que nos cerca. Por mais que assim o seja há algo fundamental que é muito pouco ressaltado. Eles não funcionam como via única, nem fazem registros aleatórios e sem propósito. Caso assim o fosse não teríamos condição de registrar as infinitas informações que nos chegam de forma rotineira. 

Quase ou nada se fala que uma das principais funções dos órgãos dos sentidos é a de confirmar na realidade externa o mundo interno que mora dentro de nós. Ou seja, de buscarmos no mundo externo confirmações das nossas realidades internas, da história da vida que nos vive. É o nosso interesse e a nossa conexão com essa realidade interna que seleciona, de forma intencional mesmo que involuntariamente, o que registramos como realidade no mundo exterior. 

Checamos no mundo externo o que já temos construído internamente como modo de checar nossa verdade  emocional. Não nos deparamos entre o certo e o errado, e sim com o que se encaixa ou não com a história que carregamos dentro de nós. No fundo, montamos dentro de nós pedaços da realidade que, como peças de quebra-cabeça, se encaixam em uma realidade pré-existente. Dessa forma, uma mulher com dificuldade de engravidar pode andar angustiada pela rua só enxergando as grávidas que formam o grupo que tanto lhe interessa, e do qual se sente dolorosamente excluída. Como alguém que vai ao encontro de uma fórmula para realizar seu desejo. 

Mais do que uma série de fatos que nos chegam pelos sentidos, vemos o mundo que nossa história permite. Vemos o que procuramos ver. A vida nada mais é do que um conjunto potencial de possibilidades infindas. A maneira pela qual a percebemos definirá se ela se trata de ser uma experiência que vale mais ou menos ser vivida a cada momento. Talvez a vida nada mais seja do que uma projeção de um filme que continuamente passa em nossa tela interior do qual somos os autores do roteiro, e que conta uma história previamente escrita ao longo de todo o nosso desenvolvimento. Como um gigante supermercado bem suprido, há produtos para todos os gostos. Cada um escolhe o produto que vai ser mais doce ou amargo conforme sua receita originária. Daí vem parte da grande dificuldade da comunicação humana ao tomar os fenômenos registrados como fatos indiscutíveis. 

Os fatos serão sempre verdades parciais selecionadas que contam mais a nossa história do que acrescentam novos itens aleatórios advindos do mundo circundante. Do vício de nossas percepções surgem múltiplas histórias, todas verdadeiras e diferentes. Como diria Carlos Drumond de Andrade em sua prosa, A Verdade Dividida, ao fim cada um opta, conforme o seu capricho, sua ilusão, sua miopia.

(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores)

Categoria:  Política e Sociedade 

Palavras Chaves: os órgãos dos sentidos, alterações da percepção de mundo, os afetos enquanto elementos orientadores, identificações projetivas, construções da realidade.

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Tags: alterações da percepção de mundo | construções da realidade | identificações projetivas | os afetos enquanto elementos orientadores | os órgãos dos sentidos
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