Observatório Psicanalítico – OP 365/2023

Bom dia colegas 
 
Publicamos a seguir um ensaio sobre o evento destrutivo ocorrido no último dia 8 de Janeiro  em nossa capital brasileira. Agradecemos ao colega Javier-Garcia Castiñeiras, da APU (Associação Psicanalítica do Uruguai) pela oferta de sua elaboração sobre esse acontecimento.
 
Bem-vindo Javier em nosso grupo do OP.
 
 

Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo

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Javier Garcia, C. (APU) Associação Psicanalítica do Uruguai

Nos últimos tempos, escrevi três textos referindo-se ao ódio e à destruição: “Como combater o discurso de ódio? ou Pandemia de ódio”, “Por que a guerra?” e “Violência e diferença”.

É claro que as preocupações com essas características humanas, e não animais, não surgiram há alguns anos, mas nos acompanham ao longo da história da humanidade. Sei também que passei por momentos em que sofri, junto com muitos outros, os efeitos diretos da violência e crueldade do Estado. Estando tão próximo desses acontecimentos, não me foi possível escrever, como agora posso fazê-lo por não ser tomado tão diretamente, carnal e afetivamente, pela crueldade. 

Mas neste reconhecimento geral, vejo que nos últimos tempos tem havido um aumento na preocupação com a destruição humana, de outros humanos, da vida, das diferenças, das ideias e de outras criações, e que essas tendências se transformaram em fanáticos movimentos de massa em todo o mundo. Movimentos que são realizados com a paixão e radicalidade dos dogmas, com a desculpa de um amor ideal elevado à necessidade da exclusão total de ideias e afetos diversos, sob as diversas formas e caricaturas de um talibã ou de um judeu nacionalista extremista ultra ortodoxo como os Haredim, os Lev Tahor, ou os nacionalistas nazistas ucranianos do grupo Azov, assim como os nacionalismos extremistas de Trump, Bolsonaro, Erdogan, Putin, Le Pen, Meloni, Berlusconi, Milei, enfim, ou sem fim!  

Sabemos que taliban etimologicamente vem de ṭālib, ‘buscador de conhecimento’, mas também sabemos que o conhecimento pode ser usado para apoiar ideias dogmáticas, exclusivas e cruéis.  O termo haredí está associado ao medo e ao temor a Deus, a uma autoridade cruel a quem dedicar sua vida, exterminando aqueles que não a temem. 

Antiprogressismo, anticomunismo, antidiversidades sexuais, culturais, ideológicas, religiosas, étnicas, antipobres (aporofobia; Cortinas, 2017), sem-teto.  Pensamos infantilmente, ignorantes da história, que as conquistas progressistas se acumulariam e, uma vez alcançadas, permaneceriam. Mas a verdade é que é muito mais fácil e rápido destruí-las do que criá-las. Achávamos, inocentemente, que a força da razão, da afetividade, da hospitalidade e da solidariedade seriam capazes de sustentar mudanças progressistas, mas desconhecíamos a força do dinheiro, das armas, do poder e das paixões dogmáticas contra o diferente.

Achávamos que a razão estava do lado humano e progressista, que o mesmo acontecia com a inteligência e a criatividade, também a nível intelectual, inclusive apoiados em estudos científicos (Gordon Hodson e Michael A. Busseri; 2012).  No entanto, nada fizemos senão nos desassociar de um lado destrutivo nosso, colocá-lo de fora e desvalorizá-lo. A poetisa e ensaísta polonesa, Wisława Szymborska, já nos alertava de sua experiência de viver momentos de ódio e destruição quando sobreviveu ao nazismo, ao stalinismo e ao ceticismo, no seguinte poema:

O ódio, de Wisława Szymborska (1923-2012):

Vejam como ainda é eficiente,
como se mantém em forma
o ódio no nosso século.
Com que leveza transpõe altos obstáculos.
Como lhe é fácil – saltar, ultrapassar.

Não é como os outros sentimentos
a um tempo mais velhos e mais novos que ele.
Ele próprio gera as causas
que lhe dão vida.
Se adormece, nunca é um sono eterno.
A insônia não lhe tira as forças; aumenta.

Religião, não religião –
contanto que se ajoelhe para a largada
Pátria, não pátria –
contanto que se ponha a correr.
A Justiça também não se sai mal no começo.
Depois ele já corre sozinho.
O ódio. O ódio.
Seu rosto num esgar
de êxtase amoroso.

Ah, estes outros sentimentos –
fracotes e molengas.
Desde quando a fraternidade pode contar com a multidão?
Alguma vez a compaixão
chegou primeiro à meta?
Quantos a dúvida arrasta consigo?
Só ele, que sabe o que faz, arrasta.

Capaz, esperto, muito trabalhador.
Será preciso dizer quantas canções compôs?
Quantas páginas da história numerou?
Quantos tapetes humanos estendeu
em quantas praças, estádios?

Não nos enganemos:
ele sabe criar a beleza.
São esplêndidos seus clarões na noite escura.
Fantásticos os novelos das explosões na aurora rosada.
Difícil negar o páthos das ruínas
e o humor tosco
da coluna que sobressai vigorosamente sobre elas.

É um mestre do contraste
entre o estrondo e o silêncio,
entre o sangue vermelho e a neve branca.
E acima de tudo nunca o enfada
o tema do torturador impecável
sobre a vítima conspurcada.

Pronto para novas tarefas a cada instante.
Se tem que esperar, espera.
Dizem que é cego. Cego?
Tem a vista aguda de um atirador
e afoito olha o futuro
– só ele.

(Tradução para o espanhol: Abel Murcia e Gerardo Beltrán; Tradução para o português: Regina Przybycien).

O bárbaro bando religioso-nazista, que invadiu os centros simbólicos da democracia em Brasília, destruiu muitas obras de arte, mas basta dizer que esfaquearam 7 vezes “As mulatas” (1962), quadro do modernista carioca Emiliano Di Cavalcanti. Di pintou o povo brasileiro, a vida comum, a pobreza, e o mulato é aquela mistura entre o africano e o europeu que caracteriza o povo brasileiro. Sete facadas no mulato, nas mulatas e na sensibilidade de um grande pintor que investigou e representou os modos de vida da população brasileira mais pobre, identificando-se com a luta dos mais necessitados.

Do outro lado, que nada mais é do que o mesmo, 17 peruanos, em sua maioria de comunidades indígenas, morrem, são assassinados por forças policiais-militares do governo, em uma manifestação realizada no sul do Peru, em Juliaca, mas também em outras partes do país, em apoio ao presidente Castillo destituído pelo parlamento. Já são 47 pessoas mortas pela repressão do governo que atira para matar, e a violência continua.

O que vai acontecer no Brasil e no Peru? O que vai acontecer no Chile, na Argentina, na Venezuela, na Nicarágua? O que vai acontecer na Síria, na Líbia, na Palestina e Israel, no Saara, entre Marrocos e Argélia, na Ucrânia, Afeganistão, Somália, Moçambique, Haiti, Honduras, Equador, Bolívia, Guiné, Mali, Níger, Myamar, Chade, Sudão do Sul, Coréia do Norte e do Sul, Irã, Iraque, Arábia Saudita, Sérvia, China e Taiwan, Kosovo, Croácia, Bósnia, Herzegovina, Grécia e Turquia, Azerbaijão e Armênia, na violência interna no México, El Salvador e Colômbia?

É uma questão de todos, uma responsabilidade de todos, uma responsabilidade dos sujeitos sociais, e os psicanalistas não estão fora dessas cidadanias. Precisamos nos unir e falar, mesmo que não encontremos a palavra forte o suficiente para contrariar esta barbárie humana.

 “… O que está escrito é pouco, sempre pouco. Nossa fala é fraca, seus sons, de pronto, pobres. Procuro diligentemente ideias, procuro esta palavra – e não a encontro. Não a encontro.” (W. Szymborska, Procuro a palavra)

O destino não está em encontrar a palavra certa ou o texto completo, e sim pesquisar e fazer isso com outros.

CORTINA; Adele; (2017).  “Aporofobia: rejeição dos pobres”; Barcelona, Paidos.

Garcia C., J. (2019).  Violência e diferença.

Garcia C., J. (2021).  pandemia de ódio

Garcia C., J. (2022).  Por que a guerra?

Hodson e Busseri; 2012. Mentes Brilhantes e Atitudes Sombrias: Baixa Habilidade Cognitiva Prediz Maior Preconceito Através de Ideologia de Direita e Baixo Contato Intergrupal.  Ciência Psicológica. Volume 23, Edição 2. https://doi.org/10.1177/0956797611421206

Szymborska, W. 2 poemas: procuro a palavra e odeio.

(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores)

Categoria: Política e sociedade

Palavras-chave: Psicanálise e fascismo, Responsabilidade social dos psicanalistas.

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==== Texto em Espanhol ================================

Observatorio Psicoanalítico – OP 365/2023

Ensayos sobre acontecimientos sociopolíticos, culturales e institucionales en Brasil y en el Mundo

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Javier García C. (APU)

En los últimos tiempos, he escrito tres textos referidos al odio y a la destrucción:`¿Cómo combatir los discursos de odio? o Pandemia de odio´,` ¿Por qué la guerra? ´y` Violencia y diferencia´.

Es claro que las preocupaciones por estos rasgos humanos, no animales, no han surgido hace pocos años sino que nos han acompañado a través de la historia de la humanidad. También sé que transité por tiempos donde sufrí, junto a muchos otros, efectos de la violencia de estado y la crueldad en forma directa y no fue posible escribir tan cerca de los sucesos, como ahora puedo hacerlo al no ser tomado tan directamente, carnal y afectivamente, por la crueldad. 

Pero en este reconocimiento general veo que en los últimos tiempos ha habido un aumento de la preocupación por la destrucción humana, del mundo, de otros humanos, de la vida, de las diferencias, de las ideas y otras creaciones y, que estas tendencias se han transformado en movimientos de masas fanáticos en todo el mundo. 

Realizadas con la pasión y la radicalidad de los dogmas, con la excusa del amor ideal elevado a la necesidad de la exclusión total de ideas y afectos diferentes, bajo las diversas formas y caricaturas de un talibán o de un  judío nacionalista extremista ultraortodoxo como los jaredíes y los  Lev Tahor, o los nacionalistas nazis ucranianos del grupo Azov, así como los nacionalismos extremos de Trump, Bolsonaro, Erdogan, Putin, Le Pen, Meloni, Berlusconi, Milei, en fin o, sin fin. 

Sabemos que etimológicamente talibán viene de ṭālib ‘buscador de conocimiento’, pero también sabemos que el conocimiento puede ser usado para sostener ideas dogmáticas, excluyentes y crueles. El origen de jaredí es el miedo y el terror a Dios. Una autoridad cruel a la que dedicar la vida exterminando a quienes no le temen. Anti progresismo, anticomunismo, anti diversidades sexuales, culturales, ideológicas, religiosas, étnicas, anti pobres (aporofobia; Cortinas 2017), sin techo. Pensamos puerilmente, en desconocimiento de la historia, que los logros progresistas se irían acumulando y que, una vez logrados permanecerían. Pero lo cierto es que es mucho más sencillo y rápido destruirlos que crearlos. Pensamos inocentemente que la fuerza de la razón, la afectividad, la hospitalidad y la solidaridad serían capaces de sostener los cambios progresistas pero desconocimos la fuerzas del dinero, de las armas, del poder y de las pasiones dogmáticas contra el diferente.

Pensamos que la razón estaba del lado humano y progresista, que lo mismo sucedía con la inteligencia y la creatividad, también el nivel intelectual, apoyados incluso en estudios científicos (Gordon Hodson and Michael A. Busseri; 2012). Sin embargo no hacíamos sino desvincularnos de un lado  destructivo propio, colocarlo afuera y desvalorizarlo. Ya nos advertía la poeta y ensayista polaca Wisława Szymborska, que de vivir momentos de odio y destrucción tenía experiencia porque sobrevivió al nazismo, al stalinismo y al escepticismo; en el siguiente poema:

El odio, de Wisława Szymborska

Miren qué buena condición sigue teniendo
qué bien se conserva
en nuestro siglo el odio.
Con qué ligereza vence los grandes obstáculos.
Qué fácil para él saltar, atrapar.

No es como otros sentimientos.
Es al mismo tiempo más viejo y más joven.
Él mismo crea las causas
que lo despiertan a la vida.
Si duerme, no es nunca un sueño eterno.
El insomnio no le quita la fuerza, se la da.

Con religión o sin ella,
lo importante es arrodillarse en la línea de salida.
Con patria o sin ella,
lo importante es arrancarse a correr.
Lo bueno y lo justo al principio.
Después ya agarra vuelo.
El odio. El odio.

Su rostro lo deforma un gesto
de éxtasis amoroso.

Ay, esos otros sentimientos,
debiluchos y torpes.
¿Desde cuándo la hermandad
puede contar con multitudes?
¿Alguna vez la compasión
llegó primero a la meta?
¿Cuántos seguidores arrastra tras de sí la incertidumbre?
Arrastra solo el odio, que sabe lo suyo.

Talentoso, inteligente, muy trabajador.
¿Hace falta decir cuantas canciones ha compuesto?
¿Cuántas páginas de la historia ha numerado?
¿Cuántas alfombras de gente ha extendido,
en cuántas plazas, en cuántos estadios?

No nos engañemos,
sabe crear belleza:
espléndidos resplandores en la negrura de la noche.
Estupendas humaredas en el amanecer rosado. Difícil negarle patetismo a las ruinas
y cierto humor vulgar
a las columnas vigorosamente erectas entre ellas.

Es un maestro del contraste
entre el estruendo y el silencio,
entre la sangre roja y la blancura de la nieve.
Y ante todo, jamás le aburre
el motivo del torturador impecable
y su víctima deshonrada.

En todo momento, listo para nuevas tareas.
Si tiene que esperar, espera.
Dicen que es ciego. ¿Ciego? Tiene el ojo certero del francotirador
Y solamente él mira hacia el futuro
con confianza.

(Traducción de Abel Murcia y Gerardo Beltrán)

La banda religioso-nazi bárbara que irrumpió en los centros simbólicos de la democracia brasileña en Brasilia, destruyó muchas obras de arte, pero alcanzaría con decir que le dieron 7 puñaladas a Las mulatas (1962), pintura del carioca modernista Emiliano Di Cavalcanti. Di pintó la gente brasilera, la vida común, la pobreza, y el mulato es esa mixtura entre el africano y el europeo que caracteriza al pueblo brasilero. Siete puñaladas a lo mulato, a las mujeres mulatas y a la sensibilidad de un gran pintor que investigó y representó a los modos de vida  de la población brasilera más pobre, identificándose con la lucha de los más necesitados.

En la contracara, que no es sino el mismo cuerpo. 17 peruanos, mayoritariamente de comunidades indígenas, mueren, son asesinados por fuerzas policiales-militares gubernamentales,  en una manifestación realizada en el sur de Perú, en Juliaca,  pero también en otros lugares del país, en apoyo al presidente Castillo destituido por el parlamento. Ya van 47 personas muertas por la represión gubernamental que tira a matar y la violencia continua.  

¿Qué pasará en Brasil y Perú? ¿Qué pasará en Chile, en Argentina, Venezuela, Nicaragua? ¿Qué pasará en Siria, en Libia, en Palestina e Israel, en Sahara, entre Marruecos y Argelia, en Ucrania, Afganistán, Somalía, Mozambique, Haití, Honduras, Ecuador, Bolivia, Guinea, Malí, Niger, Myamar, Chad, Sudán del sur, Corea del Norte y del Sur, Irán, Irak, Arabia Saudita, Servia, China y Taiwan, Kosovo, Croacia, Bosnia, Herzegovina, Grecia y Turquía, Azerbaiyán y Armenia, en la violencia interna en México, El Salvador y Colombia?

Es un tema de todos, una responsabilidad de todos, una responsabilidad de sujetos sociales y los psicoanalistas no estamos fuera de esas ciudadanías. Unirnos y hablar, aunque no encontremos la palabra suficientemente fuerte para contrarrestar esa barbarie humana.

“… lo que se escribe,
resulta poco,
siempre poco.
Nuestra habla es endeble,
sus sonidos de pronto – pobres.
Con empeño busco ideas,
busco esta palabra –
y no la encuentro.
No la encuentro.”
W.  Szymborska (Busco la palabra)

El destino no está en encontrar la palabra justa ni el texto completo. El motivo es buscar y hacerlo con otros.

CORTINA; Adela;(2017). “Aporofobia: el rechazo al pobre”;. Barcelona, Paidós.

García C., J. (2019). Violencia y diferencia.

García C., J. (2021). Pandemia de odio

García C., J. (2022). ¿Porqué la guerra?

Hodson y Busseri; 2012. Bright Minds and Dark Attitudes: Lower Cognitive Ability Predicts Greater Prejudice Through Right-Wing Ideology and Low Intergroup Contact. Psychological Science. Volume 23, Issue 2. https://doi.org/10.1177/0956797611421206

Szymborska, W. 2 poemas: Busco la palabra y El odio. 

(Los textos publicados son responsabilidad de sus autores)

Categoría: Política y Sociedad

Palabras-clave: Psicoanálisis y fascismo. Responsabilidad social de los psicoanalistas.

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Tags: Psicanálise e fascismo | Responsabilidade social dos psicanalistas
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