Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo
200 Anos depois. Como estamos? A descolonização latino-americana no Observatório Psicanalítico Febrapsi
Ana Valeska Maia (SPFor), Beth Mori (SPBsb), Daniela Boianovsky (SPBsb), Rafaela Degani (SBPdePA), Renata Zambonelli (SBPSP)
Os países da América Latina têm comemorado seu bicentenário de independência após séculos de colonização e exploração europeia, caracterizadas pela submissão e dizimação dos povos originários (maias, astecas, incas, charruás, tupis, tapuias etc.) e pela escravização dos africanos. Portugueses, ingleses, espanhóis, franceses e holandeses por aqui aportaram com a finalidade de obter mão de obra para a extração de riquezas naturais da colônia para os grandes centros dos reinos europeus. O chamado Mundo Novo, assim, será marcado pelo latifúndio monocultor e exportador de base escravocrata.
As independências das colônias da América Latina aconteceram mais ou menos na mesma época, relacionadas a contextos similares, segundo a historiadora professora Gabriela Pellegrino Soares, especialista em História Contemporânea e coordenadora do Laboratório de Estudos da História das Américas, da Universidade de São Paulo (USP). Ela nos conta, no Podcast QSN – Quem Somos Nós? – publicado em novembro de 2021, que na segunda metade do século XVIII ocorreram mudanças administrativas nas monarquias ibéricas, para modernizar a relação do Império com as colônias. Processo que gerou ressentimentos e animosidades.
No Brasil – a chamada América Portuguesa – a internalização da metrópole confere-nos maior autonomia, com mudanças no campo cultural, econômico e até político. A abertura dos portos brasileiros encerra o monopólio comercial. A sociedade portuguesa reivindica o retorno do rei, mas as instituições trazidas durante o período imperial no país favorecem o estabelecimento de sua emancipação.
Na América Espanhola, os vice-reinos não reconhecem o novo rei francês imposto. As instituições políticas locais assumem temporariamente a administração regional dos vice-reinos, criando horizontes de independência.
Aos poucos, este processo foi sendo ressignificado e se transforma em projeto de emancipação política. A guerra de independência teve longa duração, custou vidas, levou à destruição de campos de lavoura e representou um trauma profundo para as sociedades coloniais desejosas de sua emancipação.
No âmbito dos países que compõem a FEPAL, o México e a Colômbia foram os primeiros a conquistarem sua independência, em 1810, seguidos por Paraguay e Venezuela (1811), Argentina (1816), Chile (1818), Peru (1821), Brasil (1822), Uruguay (1828) e por último, o Panamá, em 1903.
O processo de descolonização neste período aproximado de duzentos anos, distinto entre os países do continente, é marcado por guerras, crises econômicas, ambientais, políticas e institucionais, onde o que prevaleceu foi um acordo entre as elites das metrópoles e suas colônias. Como herança, temos a manutenção de privilégios, o recrudescimento do racismo e das desigualdades sociais. A estrutura do processo de colonização continua vigente: classes desfavorecidas submetidas ao poder econômico e político das elites nacionais, caracterizam os países de nosso continente.
Duzentos anos depois, estamos entre os piores índices mundiais de pobreza, desigualdade e violência.
Nossa colonização terá nos deixado um rasgo intransponível em nossa estrutura social? Como temos construído a nossa identidade latina, qual a força da influência dos valores das metrópoles europeias em nossa cultura? Ainda temos nas elites europeias um modelo de ideal a ser atingido? Até que ponto temos conseguido escutar e valorizar as nossas diferenças?
A psicanálise é um dos produtos culturais europeus assimilados pelas culturas das Américas. E mantém fortes características eurocêntricas apesar da presença de notáveis contribuições de autores latino-americanos. Haveria uma psicanálise original e própria na América Latina? Ou o colonialismo também está impregnado em nosso saber?
O Observatório Psicanalítico Febrapsi (OP), criado há mais de 5 anos pela Federação Brasileira de Psicanálise (FEBRAPSI), tem dirigido o olhar psicanalítico para os acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais, do Brasil e do mundo, por meio da escrita de ensaios e, mais recentemente, com o podcast Mirante, onde dialogamos com outros campos de saber. O dispositivo tem sido uma das contribuições da psicanálise brasileira implicada e engajada na realidade em que estamos inseridos.
Para inserir o OP no âmbito da FEPAL, propomos em seu 34º. Congresso, dar voz a este processo que visa a descolonização. Convidamos colegas psicanalistas, de diferentes países, para nos apresentarem suas ideias a partir da consigna: “Chegamos em 2022 tomados por transitoriedades e incertezas. Duzentos anos se passaram. Como estamos hoje? Quem somos nós?”
A Conversatória ocorrerá hoje dia 22/setembro às 17h, com Alejandro Beltrán (SPM), Dora Tognolli (SBPSP), Fernando Orduz (SoColP), Javier-Garcia Castañeiras (APU) e Jorge Bruce (SPP).
(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores)
Categoria: Cultura
Palavras-chave: América-latina, Psicanálise, FEPAL, Descolonização, Observatório Psicanalítico
Imagem: foto da instalação de Cildo Meireles, “Olvido”. Ossos, cédulas de dinheiro de países do continente americano, velas, tinta, carvão vegetal. Exposição “Entrevendo”, Sesc Pompeia. 2019-2020.
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