Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo
O colapso da maternidade romântica
Juliana Lang Lima (SBPdePA)
Todo ano, chega o mês de maio e com ele uma enxurrada de idealizações direcionadas para a figura das mães. Você pode escolher o adjetivo que mais lhe agradar: de rainha a musa, estarão todos lá, dispostos para serem usados indiscriminadamente. Dentre eles, preciso admitir que possuo um favorito às avessas – “diva”, não tanto pela irrealidade de seu emprego mas pela proximidade com nosso prezado divã, acessório dos mais parceiros para a boa condução de uma análise.
Antes que alguma dúvida possa surgir, é prudente esclarecer: por certo, as mães merecem todo tipo de homenagem e reconhecimento. Sabemos hoje, talvez com mais consciência do que nunca, das dificuldades encontradas no maternar, além da importância dessa relação para os primeiros momentos de vida do bebê, estendendo-se a influência da mãe por toda a vida psíquica do adulto.
Contudo, romantizar a maternidade não é exatamente um elogio, senão mais uma forma de opressão. Por trás das bem intencionadas qualidades atribuídas às mães, encontramos mulheres exaustas com tantos afazeres e responsabilidades. Não à toa, muitas de nós vêm debatendo e problematizando as atribuições maternas, inclusive dentro do movimento feminista, que percebeu com certo atraso que a busca por uma verdadeira igualdade precisa tocar nas pautas das tarefas domésticas e cuidado com os filhos.
Dia desses, escutei de uma mulher sem filhos que ela até teria gostado de tê-los, mas que não o faria jamais por se recusar a assinar o contrato social enviado às mulheres quando de sua transformação em mães. Sua ponderação me pareceu muito sagaz e fez lembrar de um dos mais perturbadores relatos do mundo materno, o das mães arrependidas.
Mas não precisamos ir tão longe a ponto de chocar os ouvidos mais moralistas. Em uma etapa intermediária, pode-se localizar a narrativa daquelas que relatam amar seus filhos mas não gostarem de ser mães. Não identificadas com o papel tradicional designado às mães, inconformadas com a totalização atribuída a essa experiência, ousam dessacralizar a posição que ocupam. Assim, afirmam com coragem desgostar de não poder se desvencilhar de tarefas cotidianas, como cuidados com higiene ou educação. Detestam participar dos grupos de WhatsApp da escola. Abominam a fofurice do termo “mamãe”, em contraponto ao peso com que desempenham essa função.
Talvez alguns pensem que seja o caso de nos perguntarmos o que acontece com as mulheres contemporâneas, que não mais se encaixam nos estereótipos tradicionais e rejeitam lugares outrora definidos como auspiciosos. A maternidade romântica, se alguma vez foi naturalizada, hoje entrou em colapso. É possível que uma interpretação mais apressada do tema sugira uma crise no caminho da feminilidade ou uma identificação com atributos ditos masculinos. Entre tantas, essas podem ser possibilidades. Mas, na passagem de diva para divã, podemos tornar mais complexa a questão. Ao não topar assinar as cláusulas subjacentes desse maternar, tais como dispostas hoje no laço social, as mulheres de agora estão reivindicando, como as do Salpêtrière, liberdade sobre seus corpos e seus desejos.
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