Observatório Psicanalítico – Editorial abril/2022

Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo. 

Sódepois 24

Abril/2022

Afinal, como foi o mês de abril? O que este tempo nos trouxe? E o que nos tirou? 

Institucionalmente, ganhamos. Foi possível ver e rever os pensamentos dos psicanalistas – e convidados de outros campos de saber – que circularam durante o XXVIII Congresso Brasileiro de Psicanálise, “Laços: o Eu e o Mundo”, realizado virtualmente, pela FEBRAPSI, na semana de 23 a 26 de março e com acesso disponível no site da Federação para os inscritos até o dia 22/4. 

Durante este mês de abril, o Congresso reverberou entre nós. Ocorreram muitas trocas sobre os encontros realizados. Aqui e acolá recebíamos mensagens de colegas nos indicando as potentes conversas que aconteceram nas mesas (e demais modalidades), além do bate-papo nos “chats”, onde respondíamos aos estímulos dos palestrantes que nos faziam pensar. Assim, o Congresso terminou efetivamente um mês depois de ter terminado! Coisas da tecnologia! Ficou a sensação de que estávamos sim saudosos de nosso encontro que costuma ocorrer bienalmente. Por causa da pandemia do Coronavírus, quase 3 anos se passaram depois do anterior, ocorrido em Belo Horizonte. Ficam os nossos agradecimentos aos organizadores e participantes do Congresso que nos ofereceram seus pensamentos, além do afeto “gostoso” que circulou entre nós. Seguimos com a expectativa de que o XXIX, a ser realizado em Recife, aconteça presencialmente para que possamos brindar nossa grupalidade, fecundada por essa rede do OP, que tem nos sustentado nestes tempos tão difíceis. 

Os 112 de anos de comemoração do nascimento da Associação Internacional de Psicanálise foi o outro acontecimento institucional que também nos mobilizou neste mês. Claudio Eizirik (SPPA), a convite, nos brindou com seu ensaio “IPA, 112 anos” (OP-309/2022), possibilitando que conhecêssemos um pouco mais da nossa história internacional desde 1910, quando Freud propôs a sua criação durante o Congresso de Nuremberg, até os dias atuais. Concordamos com Claudio que a IPA vem, de fato, se internacionalizando, afastando-se do modelo “colonizador-colonizado”, ainda persistente em muitas instituições que se dedicam à transmissão da psicanálise, ao insistirem somente no estudo de autores localizados em centros psicanalíticos tradicionais e hegemônicos. A criação da Federação Latino-Americana de Psicanálise (FEPAL) com suas dez federadas localizadas nos países Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México, Panamá, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela, tem contribuído no diálogo e na visibilidade da produção psicanalítica latino-americana.

Claudio, presidente na gestão de 2005 a 2009,  nos diz: “Penso que os fundamentos da IPA estão no trabalho árduo, diário e capaz de enfrentar as decepções, conflitos, limitações, e os ganhos possíveis na busca do cuidado e na aceitação de uma responsabilidade compartilhada pelo outro, sendo esse outro não só o paciente que nos procura para análise, mas o próprio objeto psicanalítico, em suas dimensões teóricas, clínicas, institucionais e de inserção na comunidade e na cultura.”

Quanto ao nosso mundo externo… Chegamos em abril ainda sofridos e nostálgicos. Cansados desta luta travada contra o Coronavírus nestes 2 anos de pandemia, com perdas e tristezas. Muitos de nossos amados se foram. Mas, afinal, a pandemia acabou? Não, diz a Organização Mundial da Saúde. Os números de mortos e contaminados mostram que se não está no fim, está quase lá. Agora é esperar para ver… O que vemos são os governos brasileiros (federal, estaduais e municipais) num movimento de “liberou geral” no uso das máscaras e, com isso, a vida na Polis voltou como se nada tivesse acontecido. Aprendemos alguma coisa com essa experiência? Fica a questão.

O que sabemos é que chegamos até aqui esgotados. “Não fomos feitos” para viver isolados. Precisamos do outro para nos constituirmos e seguirmos a vida. Entretanto, muitos desses outros atuam contra nós. Os acontecimentos sociopolíticos e culturais que nos atravessaram e mereceram destaques aqui no OP, durante este mês, apontam para a exacerbação da violência com diferentes expressões: a piadinha de mau gosto, o racismo, a violência contra as mulheres e crianças nas guerras, a manutenção da política do pandemônio brasileiro com a propagação de notícias falsas e o aumento do desmatamento das nossas florestas, dentre outros assuntos, insistem em nos manter angustiados. 

Iniciamos e terminamos o mês com dois ensaios do colega Gustavo Gil Alarcão (SBPSP). O primeiro, publicado no dia 10, intitulado “Violências: qual a mais sórdida?”, (OP-307/2022), refere-se ao tapa que o ator Will Smith deu no colega Chris Rock, durante a entrega do Oscar. “Visto por milhões de pessoas e comentado por quase todos.” Sim, Gustavo, concordamos que “Smith não precisa de defesa e nem de acusação. Ele sabe disso” E, também cabem as questões trazidas no ensaio: “Violência não, violências. Qual a mais condenável? Nosso tempo tem minimizado e aceitado violências simbólicas. Podemos melhorar. Mas é necessário reconhecer que o debate precisa avançar. Sim, sem tapas. Mas, e as humilhações? A graça-sem-graça, qual limite? Por que toleramos tão infantilmente esse humor estadunidense que desde os anos 1970 e com mais vigor anos 1980 afora tem se aproveitado da humilhação e da violência simbólica para fazer ofensa-piada?” 

No segundo ensaio – “Devaneio Premonitório” (OP-311/2022), publicado no dia 29, Gustavo problematiza o despreparo absoluto dos ocupantes do governo brasileiro: “Deputado que vai para Ucrânia zombar e humilhar mulheres, deputado que apalpa deputada em plena luz do dia, ministro de Estado que dá tiro em aeroporto, ministérios que viraram balcão de negócio barato, absoluta displicência e corrupção para lidar com a pandemia, a economia e todo resto do país. Enfim, novamente: a lista é longa, não percamos mais tempo”. E Gustavo conclui: “apesar disso, parece que a maior parte de nós, brasileiros, agora está consciente do estrago”. Esperamos que a fantasia do autor, em seu devaneio, se concretize. Podemos mudar o horror nas próximas eleições, já que o país não encontrou nenhuma forma legal para pôr fim no que vivemos, apesar dos evidentes ataques à democracia brasileira. Sabemos que motivos não faltaram. Não foi feito, porque o poder econômico assim não o quis. Simples assim.

Fernanda Soibelman Kilinski (SBPdePA) aceitou nosso convite para escrever sobre o evento racista praticado por uma escola militar contra uma menina de 13 anos, de origem negra, por conta de seu “Cabelo Inchado” (OP-310/2022). “Diante da reclamação da mãe, o funcionário sugeriu que ela alisasse o cabelo e mostrou uma foto do que seria o esperado pela instituição. A foto era de uma menina branca de cabelo liso.” E segue Fernanda: “A diferença, para a branquitude, não é complementar ou enriquecedora, é suporte para o desejo de submeter e trabalha lado a lado com a pulsão de morte. É usada sutilmente através de piadas, falta de representatividade, palavras que desqualificam e muitas outras estratégias que vão minando a autoestima do negro”.

Nossa colega Lina Schlachter Castro (SPFOR), em “Sobre guerras e bonsais” (OP-308/2022), ofertou ensaio a partir de sua reflexão sobre guerras que sempre nos atormentam. Lembra de Freud (1932), em sua carta para Einstein, ao nos “oferecer algumas explicações para a maldição da guerra. Ele descreve que nos tempos mais primitivos, era ‘a superioridade da força muscular que decidia quem tinha a posse das coisas ou quem fazia prevalecer a sua vontade’. A força muscular, aos poucos, deveria ter sido substituída pela intelectualidade – uma ideia, ele reconhece, que parece estar condenada ao fracasso, diante das guerras que tendem a se repetir ao longo dos anos. Há um desejo de agressão e destruição, inerente ao ser humano, que é contrário ao processo civilizatório.” O que vemos, segundo ela, são mulheres e crianças sendo tratadas como bonsais: “árvores que queriam crescer, mas que alguém mutilava para ficarem raquíticas, (…) humilhadas na sua grandeza perdida”, segundo Valter Hugo Mãe, lembrado por Lina: ‘Mulheres e crianças são alvos fáceis para atos perversos ao serem reduzidas a objetos, instrumentos que evidenciam a dominação e a subjugação de um povo. Mulheres e crianças que, em tempos de guerra, passam a ser extraídas e plantadas e podadas em territórios estranhos, por mãos hostis. Assim como bonsais.’”

A curadoria do OP realizou neste mês duas programações para o nosso podcast Mirante. “Há tempos temos observado a farta produção do fenômeno conhecido como fake news. Mentiras intencionais e perversas são produzidas com o objetivo de manipular e confundir a população desejosa por essa narrativa ilusória que lhe traga satisfação. Sofremos uma sobrecarga de informações sobre as quais temos dificuldades de reconhecer a veracidade. Grupos se juntam em torno de falsas certezas e excluem qualquer pensamento divergente. A busca excessiva pelo pertencimento acaba com a tolerância ao diferente.” Por isso, escolhemos para o quarto episódio o tema “Narcisismo e Fake News”, quando convidamos a nossa colega Cíntia Xavier Albuquerque (SPBsb) e a jornalista Jaqueline Sordi para conversarem sobre o assunto. 

Diante das preocupantes informações sobre a crise climática e as notícias do aumento do desmatamento de nossas florestas, a equipe de Curadoria decidiu convidar a colega psicanalista Malu Gastal (SPBsb) e ambientalista Nurit Bensusan para o quinto episódio do Mirante, quando conversamos sobre “Natureza e Cultura”. Na conversa, colocamos as seguintes questões: “Seria possível pensarmos essa relação entre natureza e cultura de um outro modo, tal como um corpo orgânico, integrado? O que outras culturas, que não a ocidental, ou mesmo outros pensadores da Psicanálise teriam a nos dizer para a compreensão e o enfrentamento do iminente risco de destruição da Terra? Como construir uma nova ética na relação entre a nossa dependência da natureza e a necessidade de controlá-la que inclua a aceitação urgente e necessária de nossos inexoráveis limites?”. Ouçam as reflexões preciosas de nossas convidadas, em ambos episódios, nas diversas plataformas de Podcast. 

A equipe do Instagran, composta por Rafaela Degani, Ian Favero Nathasje e Gabriela Seben (SBPdePA), trabalhou intensamente na divulgação dos ensaios publicados pelo Observatório Psicanalítico e entrevistas veiculadas nos episódios do Mirante. Alguns ensaios foram relembrados, ainda, nos #tbt (throw back thursday) e outros, recordados na nossa terça cultural.

Um bom início de mês a todex!

Um abraço fraterno,

Equipe de curadoria,

Beth Mori, Ana Valeska Maia, Daniela Boianovsky, Rafaela Degani e Renata Zambonelli

(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores)

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Categoria: Editoriais
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