Observatório Psicanalítico – OP 252/2021

Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo. 

Tornar-se psicanalista pela IPA

Ana Cláudia Zuanella (SPRPE)

No final dos anos 80, decidi que gostaria de me tornar psicanalista e, dentre as ótimas instituições na minha cidade, acabei me decidindo por uma filiada à IPA – Associação Internacional de Psicanálise -, talvez porque a chancela internacional tenha me remetido à seriedade que eu buscava. 

A formação começou quando entrei no Instituto de Psicanálise da SPRPE. Toda sociedade da FEBRAPSI – Federação Brasileira de Psicanálise – tem um instituto que realiza a formação dos pretendentes a psicanalistas pela IPA. Isso parece bastante óbvio, mas muitos não entendem o caminho que é preciso trilhar e atropelam os passos, por ignorância ou esperteza. Não se torna psicanalista sem terminar um processo formal e institucionalizado para tanto. O fato de estudar Freud não quer dizer que alguém esteja apto a analisar; ter feito análise, tampouco; atender pacientes em psicoterapia e ser supervisionado também não, nem mesmo frequentar cursos breves em instituições psicanalíticas autoriza alguém a ser analista pela IPA.

Nosso trabalho na clínica não é uma profissão formal, o chamamos de ofício, uma vez que não é regulamentado por órgãos governamentais. Uma formação psicanalítica é de responsabilidade e competência de cada instituição autonomamente, que, por esse motivo, precisa ser bastante rigorosa, coerente, sistemática, para que possa abalizar a qualidade dos psicanalistas que estará formando. Não existe um modelo único de formação, nem um órgão central que fiscalize o tipo de ensino que se está praticando. 

O fato de não ser regulamentada oficialmente por um Ministério do Trabalho ou da Educação, não significa que não haja critérios para um psicanalista se tornar como tal. Possivelmente, esses critérios sejam até mais rígidos, uma vez que a regulamentação é sustentada informalmente, entre pares.

Uma formação pela IPA leva no mínimo cinco anos, e para ser iniciada é preciso que a pessoa tenha concluído um curso universitário. Na verdade, dizemos que a formação nunca termina, pois estamos sempre nos aperfeiçoando e estudando. O fato dela ser continuada não implica que ela não seja marcada por um início e não tenha requisitos básicos e concretos para ser considerada concluída.

Nesses cinco ou mais anos, aquele que deseja tornar-se analista precisa assistir seminários teóricos semanais sobre a obra freudiana e autores contemporâneos; escrever trabalhos que serão avaliados semestralmente; atender ao menos dois pacientes após os anos iniciais de aulas teóricas, pelo período mínimo de dois anos que serão supervisionados por analistas experientes semanalmente; escrever relatórios sobre os casos acompanhados, os quais terão que ser aprovados pelo supervisor e outro analista; participar de discussões clínicas em grupo; fazer um trabalho de encerramento teórico clínico que será avaliado por uma comissão; e durante todo o tempo, se submeter à análise. Após concluídas estas etapas, então o membro do Instituto  será intitulado psicanalista. 

Descrevo o processo da minha instituição sabendo que há variações, o que não muda são as bases onde o processo se apoia: teoria, prática, supervisão e análise pessoal. 

Esse rigoroso processo parece estar sendo menosprezado por alguns lugares que ousam pretender efetivar uma formação em dois anos ou menos, alguns com aulas mensais. Não se forma minimamente um analista em tão pouco tempo. Propor tal coisa é o mesmo que alguém ofertar formar um engenheiro em 24 meses, um médico em 3 anos ou fornecer um título de doutorado em seis meses. Simplesmente não funciona. Uma formação leva tempo, exige empenho e dedicação. Não tem como fazer atalhos sem comprometer seriamente o resultado. 

Uma das exigências da formação é que o interessado em ser analista se submeta a um processo psicanalítico. Conhecer nosso próprio funcionamento interno é fundamental para podermos ouvir o outro sem nos misturar a eles, sem críticas e julgamentos. É necessário ter neutralidade. Vejo com extrema cautela os panfletos de propagandas de formação psicanalítica dirigidos a uma categoria de religiosos. Ser psicanalista não pode estar atrelado a uma ideologia ou crença. 

Psicanálise se baseia na liberdade para poder se conhecer e reconhecer, não há como ter tal condição básica quando o analista já inicia sua escuta contaminado por um pressuposto contundente. A psicanálise tem que estar isenta para poder ser bem exercida. 

Ser psicanalista parece ter se transformado num status muito atraente para alguns profissionais sem a qualificação adequada. Para que entidades sem a competência requerida não encontrem espaço entre os desavisados que queiram genuinamente ser psicanalistas,  fazem-se necessários esclarecimentos sobre no quê consiste uma formação psicanalítica nos moldes da IPA, quais as exigências e qual o percurso para alguém começar a prática da psicanálise. 

Caso essa prática enganosa persista, nosso ofício acabará perdendo sua respeitabilidade conquistada e mantida com muito empenho e esforço por aqueles que verdadeiramente se propõem a entender seu significado.

(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores) 

Imagem: Gustave Moreau, Édipo e a Esfinge (detalhe), 1864.

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