Observatório Psicanalítico – OP 250/2021

Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo. 

ESTAMOS OUVINDO: um ano de trabalho voluntário

Cristiane Paracampo Blaha e voluntários do E.O  (SBPRJ)

 

“Realmente eu vivo num tempo sombrio.

A inocente palavra é um despropósito. Uma fronte sem ruga

denota insensibilidade. Quem está rindo

é só porque não recebeu ainda

a notícia terrível.” (Bertold Brecht)

 

O dia  27 de abril de 2021 marcou o aniversário de um ano do “Estamos Ouvindo”, projeto da SBPRJ que reúne um grupo de psicanalistas voluntários, entre membros provisórios, associados e efetivos, oferecendo um atendimento gratuito, pontual e on-line para a população em geral.  Imaginávamos, no início da divulgação, que seríamos procurados por profissionais da saúde, mas tal não aconteceu.

No entanto, em pouco tempo o projeto foi abraçado por pessoas que jamais tinham tido acesso à psicanálise, e que puderam usufruir da gratuidade e acessibilidade do mesmo. Nossa maior demanda vem das zonas oeste e norte do Rio de Janeiro, aonde há bairros e comunidades menos favorecidos economicamente, da Baixada e interior do estado, mas também somos procurados por pessoas de outros estados do Brasil, notadamente a Bahia, e até brasileiros moradores de outros países.

Nem sempre a procura se dá por questões relativas à pandemia, mas a curva de atendimento mostra claramente o quanto ela é influenciada pelo pano de fundo – macabro, doloroso e cruel – do mundo em que estamos. Sim, porque estamos no Brasil: país onde a condução da pandemia tem sido marcada por um gritante descaso pela vida dos brasileiros, com direito a requintes perversos como a falta de oxigênio nos hospitais de Manaus.

Em abril de 2020 quando começamos, o número de casos de COVID-19 no Brasil era de 39.144 infectados e 2.462 mortos. Em junho de 2021 temos 17.454.861 infectados e 488.404 mortos.

Além disso, a já conhecida desigualdade social de nosso país se aprofundou, e a questão da fome, que acreditávamos pertencer ao passado, retornou ao cenário nacional.

E o que fazemos no Estamos Ouvindo? Trabalhamos, exercendo nosso ofício de analistas extramuros, oferecendo escuta psicanalítica num atendimento pontual de alguns atendimentos por paciente na frequência de uma vez por semana, num modelo que se aproxima do atendimento  oferecido nas clínicas gratuitas dos primórdios da psicanálise. Em nossas reuniões quinzenais discutimos os casos e estudamos, na contramão de tanta destruição, tentando construir algo, cimentando-nos  uns aos outros no amor à psicanálise e na necessidade de sobrevivermos, emocionalmente e profissionalmente, como psicanalistas.

No início do “Estamos Ouvindo” tínhamos uma média de 20 inscrições por semana; já em novembro de 2020, quando achávamos que a pandemia começava a ceder, tivemos uma média de 4 inscrições. No entanto, a partir de janeiro de 2021 a procura voltou a crescer chegando a 39 inscritos  no período de 13 a 23 de abril e se mantendo em torno de 10 pessoas por semana. Até o momento, 425 pessoas foram atendidas pelo projeto que conta com 24 psicanalistas voluntários.

Lamentamos profundamente tudo o que estamos vivendo. Mas não podemos deixar de nos orgulhar de sermos um grupo dentro de uma instituição que faz parte de outra instituição maior, a FEBRAPSI, que oferece uma ação voluntária, num gesto de oposição, resistência e vitalidade a tudo que somos obrigados a viver nesse momento que não passa, e que se estenderá sabe-se lá por quanto tempo.

Assim, nosso projeto, que imaginávamos ter duração limitada, estende-se.

Convocados em nosso balizamento ético de defesa da vida e da saúde, prosseguimos nos reinventando como cidadãos e psicanalistas.

 

(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores) 

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