O último dos Juma

Observatório Psicanalítico – OP 228/2021

Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo.

 

O último dos Juma

Mauro Campos Balieiro (SBPRP)

Cacique Aruká Juma, o último homem da etnia Juma, tinha entre 86 e 90 anos quando morreu no dia 17/02/2021 em decorrência de complicações causadas pela Covid-19. Seu corpo foi enterrado na aldeia Juma, na cidade de Canutama (AM), em uma cerimônia reservada à família e caciques de etnias próximas À Terra Indígena Juma. Deixou três filhas: Borehá, Maitá e Mandeí, que se casaram com índios da etnia Uru-Eu-Wau-Wau, falantes da mesma língua tupi kagwahiva, com o propósito de evitar o desaparecimento dos Jumas. 

Desde que soube da morte deste último homem, ao sentir-me impactado tanto pela dimensão da perda em si quanto por sua representação simbólica, pensei em compartilhar este obituário-denúncia com os colegas do OP. 

Neste domingo (28/02), ao ler o texto de Julián Fuks no canal Ecoa da Uol, senti-me novamente estimulado e voltei a escrever este ensaio. Fuks, na abertura de seu texto, diz: “Há em cada morto uma constelação de mortos. Em cada corpo que se apaga, apaga-se muito mais do que o indivíduo que o ocupava, muito mais do que sua interioridade. Com ele se esvai uma memória, uma história, uma linguagem, com ele se enterra uma cultura a um só tempo íntima e comunitária. Talvez por isso choremos a morte, mesmo quando ela não chega a nos privar de nada: choramos porque, em cada morte, morre uma parte da humanidade”. 

Antes de morrer, segundo a agência Amazônia Real, o Cacique Aruká recebeu o chamado “tratamento precoce” da Covid-19 no Hospital Sentinela de Humaitá, no sul do Amazonas, tratamento sem nenhuma comprovação científica que é preconizado pelo Governo Federal. 

Em nota conjunta divulgada pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazonia Brasileira (Coiab), pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e pelo Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas e de Recente Contato (Opi), a denúncia é clara: “O último homem sobrevivente do povo Juma está morto. Novamente, o governo brasileiro se mostrou criminosamente omisso e incompetente. O governo assassinou Aruká. Assim como assassinou seus antepassados, é uma perda indígena devastadora e irreparável”. 

Boaventura de Souza Santos, em seu livro, “A cruel pedagogia do vírus”, nos mostra a importância do neoliberalismo na crise atual. Ele argumenta que “à medida que o neoliberalismo foi se impondo como a versão dominante do capitalismo e este foi se sujeitando mais e mais à lógica do setor financeiro – o mundo tem vivido em permanente estado de crise”. A crise pode ser passageira e oportunidade de mudanças, mas à medida que ela se torna permanente, as coisas mudam. “Quando se torna permanente, a crise transforma-se na causa que explica todo o resto. Por exemplo, a crise financeira permanente é utilizada para explicar os cortes nas políticas sociais (saúde, educação, previdência social) ou a degradação dos salários. E, assim, impede que se perguntem as verdadeiras causas da crise. O objetivo da crise permanente é não ser resolvida. Mas qual é o objetivo desse objetivo? Basicamente, são dois: legitimar a escandalosa concentração de riqueza e impedir que se tomem medidas eficazes para impedir a iminente catástrofe ecológica”. 

Em “O amanhã não está à venda”, Krenak caminha na mesma direção afirmando que: “Governos burros acham que a economia não pode parar. Mas a economia é uma atividade que os humanos inventaram e que depende de nós. Se os humanos estão em risco, qualquer atividade humana deixa de ter importância. Dizer que a economia é mais importante é como dizer que o navio importa mais que a tripulação”. 

E em outro trecho, aprendemos com Krenak que “temos que abandonar o antropocentrismo; há muita vida além da gente, não fazemos falta na biodiversidade. Pelo contrário. Desde pequenos, aprendemos que há listas de espécies em extinção. Enquanto essas listas aumentam, os humanos proliferam, destruindo florestas, rios e animais. Somos piores que a Covid-19. Esse pacote chamado de humanidade vai sendo descolado de maneira absoluta desse organismo que é a Terra, vivendo numa abstração civilizatória que suprime a diversidade, nega a pluralidade das formas de vida, de existência e de hábitos”. 

Cacique Aruká Juma, o último homem da etnia Juma morreu, e com ele morremos todos nós, um pouco mais.

https://amazoniareal.com.br/morre-de-covid-19-o-guerreiro-aruka-juma/

https://brasil.elpais.com/brasil/2021-02-19/o-ultimo-anciao-juma-morre-de-covid-19-e-leva-para-o-tumulo-a-memoria-de-um-povo-aniquilado-no-brasil.html

https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2021/02/18/ultimo-homem-indigena-da-etnia-juma-morre-covid-19.htm

https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/julian-fuks/2021/02/27/morre-o-ultimo-homem-de-um-povo-e-com-ele-todos-morremos-um-pouco.htm

 

(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores)

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