Editorial – Observatório Psicanalítico – julho/2021

Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo. 

Editorial – Julho/2021

A vacinação avança (a passos lentos) e agosto começa com a notícia de que pela primeira vez desde janeiro temos uma média móvel abaixo de 1000 mortos/dia. Apesar disso, o mês de julho não nos poupou das más notícias: as mortes e contágio pelo coronavírus seguem em números que ainda nos deixam distantes da reta final dessa pandemia; os escândalos revelados pela CPI da COVID só provam o que já sabíamos: estamos diante de um governo corrupto, propositalmente omisso e inapto para lidar com uma das piores crises da história. 

As olímpiadas, que começaram no final do mês, trouxeram aquele pequeno e necessário fôlego que ajuda a renovar nossas esperanças. Um sopro de vida e alegria entre as trágicas notícias do dia-a-dia.  Brasil, que quase nada investe em esportes, tem feito bonito no surf, na ginástica, skate, judô, natação, tênis, boxe, entre outros. O feito de Rebeca Andrade, primeira mulher negra a subir no pódio, medalhista em duas categorias: salto feminino e individual geral da ginástica artística, é um exemplo de jovens  atletas com a cara e as cores desse Brasil que insiste em não desistir. 

Por aqui, nós, psicanalistas/escritores e insistentes, não desistimos das palavras e seguimos apostando nas trocas afetivas entre colegas. 

O primeiro ensaio publicado foi o da colega Helena Cunha Di Cerro (SBPSP), com o título “Extremamente alto, incrivelmente perto”. Ensaio que emocionou muitos colegas. Um texto escrito com alma, pondo em pauta um questionamento que temos feito com frequência: “Por onde recomeçaremos e com que esperança reconstruiremos o que sobrou? Como voltar a sonhar em tempos em que nos anestesiamos diariamente para dar conta de sobreviver?”. Helena costura, lindamente, vivencias pessoais com música, poesia e psicanálise na tentativa de elaborar o indizível dos tempos atuais. 

Na sequência, tivemos o texto de Marion Minerbo (SBPSP) intitulado “A corrupção no divã”, abordando um tema que, infelizmente, nunca deixa de estar no foco: a corrupção endêmica na nossa cultura. A autora propõe que: “A corrupção pode ser entendida como um fenômeno que se produz no entrecruzamento de três espaços psíquicos distintos: individual, marcado por um funcionamento mental paranoico; intersubjetivo, no qual a pessoa que tem poder “enlouquece” com a ajuda das pessoas com quem convive; e cultural/institucional, em que a corrupção se tornou uma instituição/cultura”. Marion se questiona se é possível mudar uma cultura, nos responde que sim, mas não sem suor, sangue e lágrimas. 

Durante o mês de julho, tivemos a notícia de que a FUNARTE negou verba pública para o Festival de Jazz do Capão, evento que acontece há mais de uma década. O colega Celso Gutfrieind (SBPdePA), com sua habilidade de poeta, nos presenteou com o texto “Arte e Psicanálise: do episódio ao pensamento”. Pegando o gancho do lamentável caso ocorrido na FUNARTE, o autor discorre sobre a importância da arte na psicanálise, mas principalmente na vida. “Arte sim, que a vida não basta”, escreve Celso, e enfatiza: “ (…) Mas, do fascismo e de outras moléstias violentas demasiadamente humanas e infelizmente atuais, quando Deus estiver dormindo ou mesmo morto, conforme o diagnóstico de Nietzsche, só a arte poderá nos salvar.”

Ney Couto Marinho (SBPRJ), sempre atento aos acontecimentos culturais não só aqui no Brasil, como no mundo, nos chama atenção para o silenciamento que se fez diante da situação atual de Cuba. Com o ensaio “Pela Paz, pela América Latina e … por Cuba”, o colega escreve com paixão sobre a ilha onde foi, juntamente com outros colegas, muito bem recebido. Entre boas lembranças e citações de Pandura, Ney propõe novas formas de relação entre os países, mais solidárias e humanitárias, a partir da seguinte ideia: “como hoje em dia sabemos, pelos desenvolvimentos da história e da epistemologia e do próprio conceito de ciência, o que é atraente em qualquer ciência são… suas promessas! No caso da psicanálise: uma possibilidade de pensarmos outras formas de relacionamento humano, o respeito pela diferença, o fim dos preconceitos nacionais (lembremos dos Pogroms), a igualdade dos sexos, o respeito pela infância (tema de nosso atual congresso) e… a possibilidade de um mundo melhor.”  

É importante destacar que nesse mês tivemos o início do quinquagésimo segundo congresso da IPA: “O infantil e suas múltiplas dimensões”. A psicanálise segue vitalizada mundo afora. Por aqui tivemos a passagem interina da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Campinas e do Grupo de Estudos de Goiânia à Sociedade Provisória da IPA, sinal de constante crescimento e expansão da psicanálise em solo brasileiro. 

No dia 27, fomos informados da triste e inesperada notícia do falecimento do colega Júlio Campos, fundador da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre. Júlio deixa precocemente familiares, muitos amigos e analisandos queridos. O choque de sua partida comoveu imensamente aqueles que tiveram o privilégio de compartilhar da alegria, inteligência e vitalidade do psicanalista e amigo. Prestando uma homenagem, Celso Gutfriend, colega e analisando de Júlio, escreveu um texto emocionante, onde ele, generosamente, divide conosco um pouco da experiência que foi o encontro dos dois: “Foram 15 anos de análise, ou seja, de um encontro verdadeiro. Julio abria campos e não há como sintetizá-los; ele ensinando a ser firme (como a sua voz de fora e de dentro), em uma ternura encantada com a poesia. E mais algo nem de um nem de outro, porque de ambos, a terceira melodia, fruto único das duas primeiras, únicas também (…)

Psicanalista, sem deixar de ser mago, tal era a capacidade de acolher a sujeira e incentivar a pérola. Sempre foi claro: não era adepto de análises didáticas, mas de análises. Assim começamos. E, por mais que enfrentasse corajosamente as resistências, ele optava sempre pelo que, além delas, conseguia manter-se vivo, porque queria estar vivo”.

“Nos laços afetivos encontramos os andaimes em nossos pensamentos quando tudo parece despencar”, como escreveu Helena Cunha Di Ciero no primeiro ensaio publicado desse mês. O OP se propõem a ser um desses andaimes em nossos pensamentos. Que a produção literária entre colegas alimente nossa subjetividade e injete doses suficientes de vitalidade para seguirmos em frente, produtivos e pensantes. 

Gostaríamos de finalizar com palavras de esperança, para tanto escolhemos uma passagem do belo texto de Freud “Sobre a Transitoriedade” (1916): “O valor da transitoriedade é o valor da escassez do tempo. A limitação da possibilidade de uma fruição eleva o valor dessa fruição (…) Quanto à beleza da natureza, cada vez que é destruída pelo inverno, retorna no ano seguinte, de modo que, em relação à duração de nossas vidas, ela pode de fato ser considerada eterna.” 

Um bom início de agosto, e que a destruição desse eterno inverno que estamos vivendo logo passe e dê lugar à fertilidade e à beleza da primavera. Um abraço afetuoso. 

Equipe Curadoria

Beth Mori, Daniela Boianovsky, Ludmila Frateschi e Rafaela Degani. 

(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores). 

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Categoria: Editoriais
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