Observatório Psicanalítico 45/2018

Ensaios sobre acontecimentos sociais, culturais e políticos do Brasil e do mundo 

Temporalidades e vínculos – desafios da clínica contemporânea

Gleda Brandão Araújo

Coordenadora científica da Fepal

 

“Quando a luz dos olhos meus

E a luz dos olhos teus

Resolvem se encontrar

Ai, que bom que isso é meu Deus

Que frio que me dá

O encontro desse olhar”

(Tom Jobim)

“Longa é a arte, tão breve a vida”

(Tom Jobim)

As palavras líricas do poeta expressam as mais importantes questões diante das quais nos deparamos desde o nascimento até a morte, e com as quais, nós, seres humanos aprendemos ou não a lidar: os vínculos e a passagem do tempo. O poeta traduz por meio de sua poesia o êxtase e o arroubo que temos pelo objeto amado e desejado, de quem esperamos a satisfação dos nossos mais profundos anseios e necessidades. Expressam também as diferentes temporalidades que funcionam ao mesmo tempo em nossa mente.

O indivíduo ao nascer, por ser imaturo e incapaz de prover sua própria sobrevivência, precisa da presença de alguém que possa assumir os cuidados necessários para seu crescimento, criando desde cedo a noção de fragilidade e a consequente necessidade de outro ser humano para atender as demandas vindas do interior e para lidar com as solicitações ou ameaças provenientes do exterior.

Por outro lado, existe a incontornável passagem dos tempos: do tempo cronológico, que nos impõe a finitude da vida, o fim das coisas, e do tempo subjetivo, o tempo do inconsciente, que é o tempo que não passa, que não conhece a finitude, que tem outra lógica. “No inconsciente, cada um de nós está convicto de sua imortalidade” (S. Freud). Vivemos tempos diferentes, tempos múltiplos, que se somam, se subtraem, mas que, cada um a seu modo, imprimem sua marca em nossos corpos e em nossas mentes.

Temporalidades e vínculos, com toda a sua gama de possibilidades, com suas infinitas tramas e variações, recheiam o material que é trazido para os nossos consultórios, e tem sido assim desde sempre.

No entanto, o mundo vem passando por profundas transformações desde a segunda metade do séc. XX e que se intensificaram no início desse século: os grandes avanços científicos, tecnológicos, políticos e sociais, mas também, o fracasso das grandes ideologias, sociedades multifacetadas, crises de valores, descrença nas instituições. Ou seja, por um lado, se essas transformações refletem o progresso, por outro nos fazem ver o mundo moderno com cores sombrias e fortes pinceladas de desesperança e desalento. Soma-se a isto, a revolução eletrônica personificada pela Internet que, com seu ilimitado tráfego de imagens e textos, alterou por completo o nosso cotidiano, rompeu barreiras e espaços, criou uma nova linguagem e novas formas de comunicação, modificou a maneira de nos relacionarmos e de lidarmos com o mundo.

Mas como e de que forma todos esses avanços e transformações implicam em nossa maneira de nos vincularmos? Em nossa maneira de lidar com o tempo? Em nossa noção da morte e da nossa transitoriedade e das coisas que nos rodeiam? E sobretudo, como tudo isso se reflete na clínica psicanalítica?

Para debater temas tão instigantes a Fepal está propondo, nos dias 02 e 03 de março, em São Paulo, um diálogo clínico interfederativo com a presença de colegas das diferentes regiões da IPA, que irão trocar experiências e refletir sobre suas ideias e práticas clínicas, e sobretudo conversar sobre como lidam com estes desafios da atualidade.

(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores).

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