Observatório Psicanalítico 02/2017
Ensaios sobre acontecimentos sociais, culturais e políticos do Brasil e do mundo.
Suicídio na adolescência – espelho de um narcisismo despedaçado
Daniela Prieto
O suicídio envolve um sofrimento psíquico extremo, percebido como insuportável, em que a morte é vislumbrada como única solução para cessá-lo. Os processos mentais associados ao suicídio são vivências depressivas intensas, afetos de desespero e ódio e uma autoimagem desqualificada, em que o eu dirige contra si sua agressividade. A percepção de si e do outro ficam borradas por intensas emoções, o que dificulta um pedido de ajuda.
O processo suicida ocorre muitas vezes silenciosamente sem revelar indicadores externos do que está se passando com o sujeito. Inicia-se com a contemplação de que seria melhor estar morto, depois podem surgir ideias e planos suicidas. Caso o sofrimento psíquico se intensifique e não sejam construídas outras saídas, a verbalização de ideias suicidas ou tentativas de suicídio podem ocorrer, marcando o aumento do risco. A contemplação da morte, o pensamento suicida e a tentativa de suicídio alertam para a necessidade premente de uma escuta qualificada e profissional que possa ajudar o sujeito a encontrar caminhos que lhe possibilitem uma religação com a vida.
O suicídio é a uma das principais causas de morte entre adolescentes e jovens (15 a 29 anos) em todo o mundo. O adolescente tem um aparelho mental menos desenvolvido em termos de recursos para lidar com as experiências, em que algo os atinge e há pouco espaço de elaboração. Sua pele psíquica é mais fina e permeável, próxima a da criança, o que os torna mais susceptíveis ao impacto do que vem de fora, como mudanças das condições de vida, perda de laços afetivos, lutos, migrações, violência. Suas dificuldades de encontrar palavras para expressar seus sentimentos podem inviabilizar um pedido de socorro em situações de aumento de sofrimento. Dessa forma, o impulso vem e pode dar passagem ao ato sem muita reflexão. Sem muito filtro frente ao que vem de fora, a saída pode ser uma ação suicida para lidar com os conflitos e desafios da vida. Aqueles que tiveram o desenvolvimento emocional na infância e adolescência marcado pelo não investimento afetivo de seus cuidadores ou por situações de violência (verbal, física, sexual) tendem a formar uma autoimagem desqualificada, em que vivenciam dificuldade de experimentar amor por si mesmos, sendo mais vulneráveis frente a situações adversas. Por outro lado, práticas educativas que não colocam limites para suas crianças não as ajuda a aprender a lidar com a frustração que podem ser vividas como insuportáveis e intoleráveis, já que o eu não desenvolveu recursos para lidar com elas.
Os adolescentes e jovens enfrentam o desafio de ingressar na vida adulta em um mundo contemporâneo cada vez mais complexo e exigente, em que predominam relações de competição, onde não encontram refúgio para lidar com o sofrimento. A aceleração do cotidiano na Sociedade do Desempenho, em que as pessoas se assolam de atividades, empobrece as redes de solidariedade que poderiam oferecer um espaço de acolhimento e trocas afetivas para lidar com as adversidades.
Os adolescentes e jovens buscam construir uma imagem de si que ainda é muito instável e dependente do olhar do outro. A cultura contemporânea, com a espetacularização da vida privada, muitas vezes os tornam reféns de uma imagem especular que tentam construir de si mesmos nas mídias sociais. Ficam mais vulneráveis a situações de desqualificação que podem tomar proporções devastadora na sociedade atual, nas quais ferramentas de comunicação são utilizadas para potencializar insultos, como no cyberbulling. As situações de humilhação e violência podem intensificar vivências depressivas, sentimentos de solidão e desconexão com o outro e ativar um processo suicida em pessoas vulneráveis.
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