Observatório Psicanalítico-OP-Editorial abril/2025

Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo

Sódepois 60  

Abril/2025

Abril, o quarto mês do ano, tem uma simbologia associada à abertura das flores, pois, na metade do planeta que está acima da Linha do Equador, agora é primavera.

É conhecido o impacto estético que Freud teve diante da beleza das flores e de sua efemeridade. Em seu texto “A Transitoriedade”, ele afirma que a brevidade da duração de uma flor não diminui seu valor, ainda que ela floresça apenas uma noite. Ao contrário, é essa lampejante qualidade que torna a beleza preciosa. “Valor de transitoriedade é valor de raridade no tempo”, diz Freud.

No sábado, 26 de abril, durante a última apresentação em São Paulo da turnê “Tempo Rei” — a despedida de Gilberto Gil dos grandes shows — a chegada surpresa de Preta Gil, sua filha, após um período de internação hospitalar, para juntos cantarem “Drão”, teve a força de um momento único e raro, repleto de beleza, capaz de fazer chover em nossos olhos e brotar sorrisos ao mesmo tempo.

No telão, fluíam imagens de álbuns da família Gil. Preta estava vestida de branco, enquanto Gil usava uma calça branca e uma túnica vermelha bordada em formato de flores solares. Naquele encontro, também vicejou um instante de primavera, que salpicou sementes em quem se emocionou com o espetáculo afetivo.

Afinal, o amor da gente é como um grão.

Com as aragens poéticas de Freud e Gilberto Gil, iniciamos o nosso editorial, “Sódepois”, referente ao mês de abril de 2025.

A morte do Papa Francisco foi um dos principais acontecimentos do mês que passou. Pensamos na importância do papado de Francisco não somente como o líder da Igreja Católica, mas também como uma forte liderança política, que articulou e assumiu posições acerca de temas cruciais como justiça social, meio ambiente, paz e diálogo inter-religioso. Em um mundo cada vez mais polarizado, atravessado por guerras e ameaçado por emergências climáticas, a postura política de Francisco certamente fará falta.

A etimologia da palavra “religião” remonta ao latim e é associada aos sentidos de “religare” e “relegere”, respectivamente “ligar outra vez” e “revisitar”. Para os mais ortodoxos, talvez a religação com o sagrado esteja atrelada a doutrinas, tradições e ritos. Para os que concebem a religação em uma perspectiva complexa e ecológica, é a reconexão com a natureza que restabelece as pontes com o sagrado. Não à toa, uma das principais influências do Papa Francisco foi São Francisco de Assis, que, por suas ideias em relação ao meio ambiente e à vida animal, é considerado, por muitos, “o pai da ecologia” e o precursor do movimento ambientalista. 

Em abril, o apagão de doze horas em Portugal e Espanha, provavelmente ocasionado por uma sobrecarga na rede elétrica, reacendeu um alerta para a nossa desconexão e despreparo acerca de como proceder em situações de crise e mudança. Diante dos prognósticos de um futuro cada vez mais confrontado pelas emergências climáticas, o que poderá vincular os humanos mais firmemente à teia complexa da vida coletiva? 

“Construir pontes e não muros”, dizia o Papa Francisco. Em uma época em que se erguem fronteiras cada vez mais rígidas, como temos acompanhado na condução nacionalista de Donald Trump e suas medidas violentas para restringir a imigração, entre outras ações pétreas, agir com a maleabilidade do discernimento fará a diferença.

A capacidade de discernir é um dos pontos centrais do ensaio “Papa Francisco: discernimento e diálogo” (OP 577/2025), de Bruno Profeta Guimarães Figueira, da SBPSP. O autor enfatiza que o discernimento é uma boa chave para ouvirmos Francisco. Todavia, o que exatamente é discernir? “(…) é um ato de escolha a cada passo, a cada decisão, um exercício que envolve conhecer-se a si mesmo e mobiliza memória, inteligência, perícia, vontade, afetos e desejo”, ressalta Bruno.

Esperamos que no Conclave, que iniciará em 07 de maio, o discernimento esteja vivo durante o processo de escolha do próximo Papa. A Igreja do breve futuro será mais aberta, representativa e inclusiva, ou estará mais atrelada ao conservadorismo e a uma visão dogmática? Sob as vistas aéreas dos afrescos de Michelangelo no teto da Capela Sistina, por entre os painéis de Botticelli e Perugino, e perante o painel do Juízo Final de Michelangelo, sentados em cadeiras de cerejeira com seus nomes gravados, os 133 cardeais votantes escolherão o sucessor de Francisco.

Em nossa Instituição Psicanalítica, também vivenciamos um período de eleições para a escolha de nossos representantes latino-americanos para atuarem junto ao Board. Aqui no OP, desde março, colhemos a fertilidade do pensamento dos 9 concorrentes: Dalia Guzik, Daniel Delouya, Gabriela Goldstein, Magdalena Filgueira, Margareta Hargitay, Maria Pia Costa, Monica Vorchheimer, Olga Santamaria e Sérgio Nick em ensaios publicados no Observatório. O prazo para votar nos representantes no Board findou em 30 de abril.

Em abril, publicamos o ensaio “Sobre o Modelo Uruguaio de ‘Transmissão em Psicanálise’”, de Gladys Franco – APU (OP 574/2025). Sobre o modelo uruguaio, a autora destaca que um dos principais objetivos foi eliminar a figura do “analista didata”, que acumulava as três funções: análise “didática”, docência nos seminários e supervisão curricular. O texto de Gladys, ao explicitar as minúcias do modelo uruguaio, propicia um quadro comparativo com outros modelos adotados em nossas instituições psicanalíticas. Como na “Instituição-Igreja”, em nossas Instituições Psicanalíticas, é possível deparar-se com conduções mais conservadoras e rígidas ou mais flexíveis e abertas ao novo. De todo modo, nossos modelos de formação em um mundo em mutação constituem sempre um convite ao debate de ideias.

O que fica quando alguém que amamos não está mais aqui? É possível extrair beleza da tristeza? Ana Valeska Maia Magalhães, da SPFOR, relata no ensaio “A consciência da beleza” (OP 575/2025) a experiência da leitura do livro “O que enxerguei quando seus olhos ficaram opacos”, da psicanalista e escritora Helena Cunha Di Ciero, leitura que aconteceu durante o processo de luto pela morte da mãe da autora do ensaio. Entre a visão de vasos floridos e a narrativa de um sonho, a beleza se manifesta também pela tecelagem das histórias compartilhadas. O que é único e raro é também universal.

Como seres inscritos no tempo, à medida que duramos, teremos que lidar com perdas e vivenciar a morte. Mas algo tem mudado nos rituais fúnebres? “Comecei a observar mudanças nas emoções e no comportamento durante as cerimônias de despedida”, é o que Carmen Maria Souto de Oliveira, da SPBsb, afirma no começo do ensaio “Os reencontros nos funerais” (OP 576/2025). Quase como uma antropóloga, a autora perscruta como grupos se formam e conversas animadas surgem no interjogo ritualístico da despedida do morto e do reencontro dos viventes. Por fim, diz que “apesar da triste circunstância, penso que os encontros nos velórios, enterros ou cremações são gratificantes e chegam a ser apaziguadores; afinal, de certa forma, o fato de estarmos vivos reforça que ainda não foi nossa vez.”

No último ensaio publicado em abril, Sylvain N. Levy, da SPBsb, desenvolve uma reflexão sobre o caráter libidinal da manifestação das massas, tomando de empréstimo um termo cunhado pelo jornalista Élio Gáspari. Em “A exploração do ‘andar de baixo’ ou o aluguel dos desejos” (OP 578/2025), o autor relaciona dois acontecimentos: a criação da Guarda Rural Indígena, em 1970, e o perfil dos acusados pela participação na tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023, enfatizando em seu texto como se dá a sensação libidinal de realização, de consumação de ato e de completude nos fenômenos de massa.

Em abril, entrou no ar mais um episódio do podcast Mirante. Estamos no 17º episódio da 4ª Temporada, “O sexual na polis”. Dessa vez, recebemos a psicanalista Dora Tognolli (SBPSP) e o doutor em Psicologia do desenvolvimento infanto-juvenil Gary Barker. A conversa dos dois, mediada por Beth Mori, foi fértil, densa e, ao mesmo tempo, delicada e sensível. O tema “A tal masculinidade, hoje” abriu possibilidades de pensarmos, entre outros pontos, a masculinidade como abertura de conexão e não somente como violência, em suas manifestações tóxicas e extremas. Gary e Dora enfatizaram que precisamos de mais ternura, de termos em nós uma memória afetiva que nos sustenta.

Por aqui, com ternura, anunciamos a chegada da colega Cris Mota Takata, da SBPSP, para compor o grupo de curadoria do Observatório Psicanalítico.

Na beleza do vão composto pela interseção de morte e vida, pelo o que floresce e no que fenesce, nas alegrias e tristezas, encerramos o nosso Sódepois. 

“Se o amor da gente é como um grão

Morrenasce trigo

Vivemorre, pão” 

Um forte abraço da equipe de curadoria.

Beth Mori (SPBsb), Ana Valeska Maia (SPFOR), Gabriela Seben (SBPDEPA), Giuliana Chiapin (SBPDEPA), Lina Schlachter (SPFOR), Vanessa Corrêa (SBPSP).

(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores)

Imagem: Gilberto Gil e Preta Gil no último show da Turnê Tempo Rei, no sábado, 26 de abril de 2025, em São Paulo.  

Categoria temática: Editorial  

Palavras-chave: Formação Psicanalítica, Papa Francisco, beleza, morte, amor.

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Categoria: Editoriais
Tags: Amor | beleza | Formação Psicanalítica | Morte | Papa Francisco
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