Observatório Psicanalítico OP 579/2025 

Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo

De suposições cruzadas…

Avelino F. Machado Neto – SPBsb

Prefiro o vértice e o modelo horizontal para pensar as questões da vida, inclusive as institucionais, em vez do modelo vertical. Explico: o olhar vertical, por sustentar-se em um único ponto, é frágil. Não possui a resiliência do bambu, que nossos indígenas e primos asiáticos e africanos aprenderam a usar, observando como ele resiste aos abalos sísmicos. O modelo vertical é ainda mais frágil quando se constitui pelo ferro e cimento das supostas certezas.

Uma ponte que cruza rodovias, rios ou mares, mesmo sendo feita de ferro e cimento, precisa ter o bambu como modelo de construção. Caso contrário, desaba com facilidade, causando tragédias. É verdade que não dá para usar pinguelas em amplidões — sejam elas materiais ou psíquicas. No entanto, quem já atravessou um riacho em uma pinguela sabe do equilíbrio necessário para não cair. E, se cair, nem sempre se afoga; às vezes, pode-se contar com a companhia de alguém para estender a mão.

No modelo horizontal, há passos; não adrenalizantes escaladas, onde o objetivo é sobreviver “por cima”. O caminhar horizontal é passo a passo, sem a busca por uma posição superior. No vertical, vejo algo semelhante às brincadeiras do meu netinho de seis anos, Felipe, com super-heróis e vilões. Ele, no entanto, já sabe distinguir entre ser e fazer de conta que é. Uau! E, até hoje, nunca fez um dia sequer de psicanálise. Se um dia optar por isso, espero que tenha a mesma sorte que tive com meus dois analistas: pessoas que souberam não ser omissas, sem, no entanto, serem intrusivas. Essa é a sorte que desejo para ele, caso decida se aprofundar nessa área. E que seja acolhido em uma casa diferente da Casa Tomada, de Julio Cortázar.

Caminhando na horizontalidade das causas e coisas institucionais, o percurso é o caminhar passo a passo. Espera-se que não haja atropelos deslizantes nem postergações que inibam o crescimento natural. O início acontece de alguma forma: em qualquer escola, com ou sem CNPJ, alguém bate à porta e alguém da casa a abre. Nesse ato, surgem dois estranhamentos: o de quem bate e o de quem abre.

Diante do estranhamento, há dois caminhos: ou se conhece o estranho, ou se evita. Caso optem pelo conhecimento, ambos — quem chega e quem recebe — estabelecem uma parceria. E, ao caminhar no chão, com humildade (lembrando que humildade vem de húmus, o “pé no chão” natural), essa parceria se fortalece. Quem chega percorre um caminho inicial semelhante ao de quem o recebe, que, por sua vez, já trilhou esse percurso e segue adiante. Aos poucos, aquele que adentra a casa é reconhecido como alguém mais preparado do que quando iniciou sua formação. Esse aprendizado envolve lidar com as emoções despertadas no processo, algo muitas vezes chamado de contratransferência.

Nem todos permanecem. Alguns desistem, por diferentes motivos e motivações. Os que continuam, mesmo que às vezes rasguem os pés no caminho, chegam ao momento em que a casa os reconhece: “Agora, você é daqui.” E assim seguem, passo a passo, aprendendo com as vicissitudes, até alcançar um nome, um título — e depois outro, e outro, sempre na horizontalidade do caminhar.

A verticalidade, por outro lado, subverte a realidade. Sua base estreita faz com que aqueles que se percebem no topo se considerem superiores aos demais. Essa suposição de superioridade cria falsas hierarquias e reforça a ideia de inferioridade em quem não está nesse suposto pico. O perigo dessas suposições é que, repetidas e intensas, podem adquirir o estatuto de verdade e passar a reger comportamentos — nem sempre desejáveis ou esperados, especialmente entre analistas e formadores de analistas.

Disputas de poder por apoderamento ou desapoderamento ocorrem, muitas vezes mascaradas por debates que, na verdade, encobrem dores e defesas. Entre elas, a principal é o contra-ataque ao que se percebe como ataque — mesmo que nem sempre alucinado ou delirante, mas suficientemente real para quem o vivencia.

Imagino um amigo, colega de caminhada, argumentando que o modelo oblíquo poderia ser mais adequado para tratar das questões institucionais. Pode ser. Contudo, a obliquidade requer sustentação horizontal — estacas no chão. Pés descalços no chão, sem botas artificiais. É ali, no solo firme, que se constrói o verdadeiro caminhar.

(Os textos publicados são de responsabilidade dos autores) 

Categoria: Instituições psicanalíticas 

Palavras-chave: Formação, Suposições, Mitos, Horizontalidade, Verticalidade

Imagem: Imagem: Piet Mondrian. Composição em vermelho, amarelo e azul. 1921.

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Tags: formação | Horizontalidade | Mitos | Suposições | Verticalidade
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