Observatório Psicanalítico OP 555/2025

Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo

Apocalipse now

Julio Hirschhorn Gheller – SBPSP

Em março de 2021 lancei no OP um ensaio intitulado de “Desgraça pouca é bobagem”. Eu me referia, fundamentalmente, aos desatinos provocados pelo governo brasileiro de então, com ênfase no negacionismo na esfera da saúde pública, que contribuiu para a impressionante estatística de 700.000 mortes por covid. Também me interrogava sobre o tipo de gente que poderia estar apoiando uma figura tão nefasta quanto a do presidente de plantão, com seu indiscutível histórico de desprezo pela democracia.

Pelo jeito, nada é tão ruim que não possa piorar. Agora estamos às voltas com as ameaças representadas pela posse de Donald Trump como presidente dos EUA. Confesso não ter nenhuma vontade de pesquisar algo mais aprofundado a respeito dele. Sinto preguiça e desânimo. De fato, me falta a vontade de empregar tempo para coletar dados sobre esta personalidade grotesca em físico de brutamontes. Sendo assim, vou me basear somente nas minhas impressões e lembranças.

Trump, enquanto suposto empresário de sucesso, é um engodo. Ele é herdeiro da fortuna construída pelo seu pai no ramo da construção civil e é daí que vem o seu dinheiro. Parece que alguns de seus empreendimentos fracassaram e já foi constatado que ele chegou a driblar o fisco americano para não pagar impostos. Na campanha de 2016 – quando perdeu de Hillary Clinton no voto popular, mas acabou vencendo no Colégio Eleitoral – veio à tona uma conversa vadia travada em um vestiário esportivo em que ele comentava que “mulher a gente pega pela vulva”. Machismo e misoginia já eram manifestações evidentes de um caráter abjeto.

Durante a sua primeira presidência corriam boatos de que ele era distraído e esquecido. Assessores mais sensatos retiravam de sua frente alguns projetos de planos bizarros, de modo que certos absurdos não viessem a se concretizar. É digno de nota que em 2025 ele está se cercando de gente muito mais alinhada ao seu pensamento reacionário.

Donald é o primeiro candidato a presidente condenado por crimes, que se elege apesar das condenações. Agora, praticamente absolvido de todas as acusações, ele assume com o apoio expresso dos bilionários das Big Techs. Lá estavam prestigiando sua posse:  Elon Musk da Tesla e do X (nomeado chefe do “Departamento de Eficiência Governamental”), Mark Zukerberg, CEO da Meta (que retirou o sistema de verificação de fatos de suas plataformas Whats App, Facebook e Instagram), Jeff Bezos da Amazon e Tim Cook da Apple. Todos genuinamente focados em algo que deve estar bem distante dos interesses democráticos e visando mais lucro. Nas falas de Trump, desde a véspera até o dia da posse, há inúmeros despautérios, ratificando o que já dissera em campanha. Insiste na mentira de que países como a Venezuela e o Congo desovavam seus doentes mentais e bandidos nos EUA.

Entre os decretos ou ordens que ele assinou consta a anistia para os indivíduos presos pela invasão do Capitólio em 06/01/2021, uma tentativa violenta de reverter a derrota para Biden. Derrota que ele nunca reconheceu, afirmando sem provas que houve fraude eleitoral a favor de seu oponente. Qualquer semelhança com o nosso 08/01/2023 não é mera coincidência. Intempestivamente, retirou o país da OMS e saiu do acordo de Paris sobre o clima. Vai promover o estímulo à exploração de combustíveis fósseis, retirando incentivos para carros elétricos. Não está nem aí para as questões de emergência climática. Nem parece que Los Angeles está queimando em pleno inverno.

Decidiu que para sua política de governo só há dois sexos, os sexos biológicos masculino e feminino, em total desrespeito à população LGBTQIA+. Portanto, diz ele, mulheres trans não poderão participar de competições esportivas femininas. Não custa lembrar que o amigão Musk renegou sua filha transgênero. Considerou seu filho como morto após ele ter se submetido a uma cirurgia de redesignação de gênero.

Donald referiu-se ao Brasil e à América Latina de modo debochado e arrogante: “Nós não precisamos de vocês. Vocês é que precisam mais de nós. Aliás, todos precisam de nós”.

Um sujeito truculento e autoritário comandará a maior potência econômica e militar do mundo, confirmando a assustadora expansão do radicalismo de ultradireita em diversos países. Não posso deixar de lembrar do filme “O ovo da Serpente”, única incursão de Ingmar Bergman no cinema de Hollywood. A história se passa na Alemanha de 1923, em séria crise econômica depois da derrota na Primeira Grande Guerra Mundial de 1914-1918. Um sentimento de humilhação esmagava o povo alemão, acarretando um ressentimento disseminado, que seria usado e manipulado pelos nazistas. As convulsões sociais e a eclosão do antissemitismo já prenunciavam o que viria mais tarde com a ascensão de Hitler ao poder e a instalação do Terceiro Reich. A metáfora do ovo da serpente indica que o mal precisa ser cortado pela raiz. Caso contrário, as consequências se tornam incontroláveis. No caso da Alemanha os resultados foram funestos.

É de se salientar que Musk, chamado a se pronunciar pelo presidente, fez um gesto que emula, inequivocamente, a saudação nazista. Aliás, ele já manifestou, recentemente, seu apoio ao AFD (Alternativa para a Alemanha), partido de extrema-direita.

As falas de Trump incluem uma coleção de sandices, eventualmente bravatas, que possivelmente não se realizarão.  Neste sentido ele menciona a compra da Groenlândia junto à Dinamarca, a intervenção com subsequente controle do Canal do Panamá e a anexação do Canadá como um novo estado americano. Mesmo que sejam apenas bravatas, demonstram a estupidez e grosseria de quem ostenta tais disparates sem o menor constrangimento.

Outra medida vai ser a implantação do maior esquema de deportação de imigrantes ilegais. Acrescente-se que ele propõe a revogação da cidadania de indivíduos nascidos nos EUA que sejam filhos de imigrantes não legalizados. Isto, certamente, acarretará uma infinidade de ações judiciais daqueles que lutarão para defender um direito adquirido.

Uma bispa de Washington, em sermão durante cerimônia religiosa que fazia parte dos eventos relativos à posse, apelou para que Trump tivesse misericórdia com os imigrantes e as pessoas LGBT. Confiar no seu espírito misericordioso para quê? Trump rapidamente desconsiderou a bispa e disse em sua rede social que se tratava de uma radical de esquerda, uma hater de sua pessoa.  

E por falar em arrogância não posso esquecer o quanto Biden colaborou com esta situação deprimente. Caberia a ele não ter insistido por uma reeleição. Neste caso, o partido Democrata poderia buscar uma alternativa diferente com a devida antecedência para preparar uma campanha com maiores chances de sucesso. Talvez encontrassem outro candidato que não a vice-presidente Kamala Harris, que teve pouquíssima visibilidade durante toda a gestão Biden. Este, um idoso fragilizado, expunha déficits cognitivos que tornaram sua candidatura inviável. Assim mesmo, ele não quis “largar o osso”, apegando-se com unhas e dentes a uma candidatura fadada irremediavelmente ao fracasso. Arrogantemente, só veio a renunciar quando já era tarde demais, dando espaço para Trump impor sua narrativa retrógrada, em que Kamala, entre outras coisas, foi rotulada como comunista. A denominação de “comunista” volta a ser empregada com a finalidade de encontrar eco em uma parcela da população desejosa de encontrar culpados para seus problemas. Acusações falsas geram soluções simplistas, acatadas por mentes estreitas.

O predomínio da posição paranoide aliada à ignorância parece nos remeter ao século passado, tempos da guerra fria, em lamentável retrocesso civilizatório. Nuvens cinzentas se aproximam. O perigo de graves conflitos mundiais passa a figurar como decorrência possível do panorama atual, pois o lema Make America Great Again sugere a forte guinada imperialista conduzida por Trump. Ele funcionará como um rolo compressor, disposto a passar por cima de quem queira contrariar seus interesses. Não existe equilíbrio nem diálogo ou negociação, apenas a opção pelos extremos.

Salve-se quem puder!

(Os textos publicados são de responsabilidade dos autores)

Categoria: Política e sociedade

Palavras-chave: arrogância, estupidez, posição paranoide

Imagem: foto do então candidato republicano à presidência dos Estados Unidos, Donald Trump, em campanha no estado de New Hampshire 17/07/2015 (Dominick Reuter/Reuters)

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Tags: arrogância | estupidez | posição paranoide
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