Observatório Psicanalítico OP 554/2025

Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo 

Macondo, entre a solidão e o esquecimento

Fernando Orduz (SCP) – Sociedade Colombiana de Psicanálise 

Macondo é uma matriz, um espaço que nos faz ser: nas-cer, cres-cer, permane-cer, desapare-cer.

Poderíamos pensar que, além das disputas e dos conflitos familiares que nos determinam segundo a visão edípica de nossa condição humana, existe uma matriz onde se forja nosso destino. Além de Édipo está Tebas. Além de Freud está a Viena do início do século XX, onde a modernidade encontrou seu berço.

A cidade que se serviu de nós como se fôssemos sua flora, que nos envolveu em conflitos que eram dela e que equivocadamente acreditamos serem nossos. A frase é de Lawrence Durrell, mas poderia muito bem se aplicar a Macondo como matriz de nossos destinos.

Pensado dessa forma, o ser humano seria analisado como um epifenômeno da paisagem, da realidade que o contém. O personagem de García Márquez seria Macondo, apresentado em uma infinidade de José Arcadios e Aurelianos.

Macondo é um espaço condenado à solidão e ao esquecimento, como nossa própria existência, por mais que nossos narcisismos delirem em mares de egolatria eterna. Mas, antes que sua história seja condenada ao esquecimento, Macondo nos envolve na exuberância transitória de suas paixões, nos nutre com suas imagos tropicais, com as histórias de nossas incessantes batalhas fratricidas, com as pestes que, de diversas formas, habitam ao longo de sua história, com a morte que reside em cada canto de seu território.

O território construído por García Márquez é um espaço onde a violência dos amores e dos ódios é cozida em caldeirões alimentados por lenhas e ossos de antigos cadáveres, onde os homens encontram a crosta de suas misérias mais íntimas e a vaidade de suas paixões mais concupiscentes.

O primeiro romance que García Márquez pensou em escrever se chamaria A Casa. Isso porque, para o escritor colombiano, a casa dos avós onde passou os primeiros anos era um hospício de fantasmas; não se podia transitar por ela sem tropeçar em alguma lembrança. Um lar habitado por memórias de mortos. Como diria alguém cujo nome não consigo lembrar: os fantasmas são cadáveres insepultos que transitam por nossas histórias.

A origem de Macondo é marcada pelo assassinato de Prudencio Aguilar. Como em muitas outras mitologias, o fratricídio parece estar em nossa origem, de Caim até 2001: Uma Odisseia no Espaço. Fugindo daquele crime, José Arcadio Buendía toma sua esposa, sua prima Úrsula Iguarán, pela mão e realiza o sonho de fundar um novo povoado.

Eis aí outra tragédia, ou peste, ou compulsão repetitiva que persegue os macondianos: essa tendência letal ao incesto, à erotização de nossas relações mais próximas. Em Macondo, a peste da endogamia é endêmica, e a consequência dessa peste não é o parricídio, mas o nascimento de um ser com rabo de porco, algo que, de certa forma, será associado ao fatídico fim da linhagem dos Buendía.

Mas, enquanto o fatídico final não se concretiza, as paixões insuflam ilusões de vida. Os personagens em Cem Anos de Solidão ou fazem a guerra ou fazem amor. O amor impróprio entre Aureliano Segundo e Petra Cotes acaba sendo aceito pela esposa dele, porque, sempre que o marido estava com a concubina, o patrimônio familiar se multiplicava incalculavelmente — exatamente o oposto do que acontecia quando ele estava com ela.

Esse exemplo é apenas um entre os inúmeros amores que habitam o romance. Nas páginas do romance, podemos encontrar muitos outros relatos libidinais: ler como os irmãos Buendía se iniciaram nas artes amorosas entre as pernas da mesma mulher (Pilar Ternera), ou sobre a rivalidade amorosa de duas irmãs pelo professor de música italiano (Pietro Crespi), o suicídio deste pelo desamor de Amaranta, ou ainda a paixão recorrente dos sobrinhos pelas tias. A força invencível que habita o mundo não são os amores felizes, mas os contrariados, diria García Márquez. No final do romance, ao relatar a consequência fatídica do amor entre os primos, ele dirá: “o sangue apaixonado de Amaranta Úrsula era insensível a qualquer artifício distinto do amor”. (p.347)

Haverá algo diferente da cura pelo amor?

Mas o amor é efêmero, e sua lembrança não passa de um mero espelhamento que, como as páginas amareladas do papel, facilmente se desfarão entre as traças e o fogo do esquecimento.

A psicanálise é uma técnica que pretende lutar contra esse destino fatídico que atravessa Cem Anos de Solidão, essa praga fatal do esquecimento, que fez sua primeira grande aparição quando chegou ao povoado a peste da insônia, e, como consequência, seus habitantes começaram a esquecer tudo.

Não sei se nossa técnica conseguirá vencer o esquecimento que seremos. Talvez nossa techné seja apenas uma tentativa banal de sobreviver transitoriamente, uma invenção de um vienense preocupado em recuperar os arquivos perdidos da memória. Uma técnica que, como em Cem Anos de Solidão, habita a solidão fantasmagórica de um quarto povoado por espectros e fantasias.

No romance de García Márquez, há dois personagens que tentam trazer instrumentos da modernidade para Macondo. Um deles é Melquíades, que oferece aos Buendía os descobrimentos que ocorrem do outro lado do mar: o gelo, o ímã, a alquimia e o sânscrito. O outro é um personagem real da vida de García Márquez, o catalão Ramón Vinyes, que trazia os livros.

Em Alexandria, perderam-se milhares de páginas. Em Macondo, sua história será “banida da memória dos homens”. As bibliotecas e os livros são como as pegadas mnêmicas da civilização, mas a peste do Alzheimer e da Solidão parece nos condenar eternamente ao pó e ao esquecimento.

Isso parece ser antecipado pelo sábio catalão, que alerta os jovens de Macondo — Gabo, Germán, Alfonso e Álvaro: “que, onde quer que estivessem, sempre se lembrassem de que o passado era uma mentira, que a memória não tinha caminhos de volta e que toda a primavera antiga era irrecuperável”. (p.p. 339)

Mas a modernidade também traz outra peste a Macondo: a peste do banana, ou melhor, a peste do desenvolvimento do capitalismo selvagem. A terra natal de García Márquez se chama Aracataca, uma região do país que viveu (e ainda vive) uma bonança com a produção bananeira promovida pela United Fruit Company no início do século XX. A bonança do capitalismo bananeiro transformou-se na fúria do capitalismo selvagem, que devastou a praça do povoado sob os tiros de metralhadoras, matando três mil trabalhadores rurais que se rebelaram para defender seus direitos. Após o massacre, veio um dilúvio ordenado por Mr. Brown (fiel à política do Big Stick de Roosevelt), que durou quatro anos, onze meses e dois dias. Depois disso, veio o esquecimento da matança.

Esse universo de íntima solidão que habita Macondo durante sua existência transitória é, para García Márquez, um traço que tem acompanhado nossos povos. Povos que se afundam em matanças fratricidas, distantes de laços solidários. Anos de solidão, que parecem ser o antônimo dos laços de solidariedade, em uma América Latina onde cada povo parece se contentar em observar as linhas e os desvios de seu próprio umbigo.

Na obra de Gabo, há um personagem, o coronel Aureliano Buendía, que parece representar a pele de tantos homens que lutaram pela liberdade em nossos povos. Participou de trinta e duas insurreições armadas e perdeu todas, sobreviveu a catorze atentados e setenta e três emboscadas, recusou a pensão vitalícia e viveu sua velhice fabricando peixinhos de ouro em seu ateliê de ourivesaria. O único legado que ficou dele foi uma rua com seu nome em Macondo. É o personagem que inicia a obra de García Márquez, lembrando uma cena de sua infância diante de um pelotão de fuzilamento. No entanto, ele morre velho e esquecido, à sombra de um castanheiro onde seu pai morreu envolto na loucura.

Octavio Paz pensa a solidão como um labirinto, enquanto García Márquez a entende a partir da dimensão do tempo. Mas, seja como povos ou como indivíduos, como espaço ou como tempo, o certo é que as estirpes condenadas à solidão não terão uma segunda oportunidade sobre a terra (p.p. 351).

(Todas as citações referenciadas do romance foram extraídas da segunda edição publicada pela Editorial Sudamericana, cuja capa foi desenhada por Vicente Rojo. Uma capa que não chegou a tempo do México a Buenos Aires para a publicação da primeira edição).

(Os textos publicados são de responsabilidade dos autores)

Categoria: Cultura

Palavras-chave: memória, solidão, esquecimento, amor, morte

Imagem: Árvore original do romance. Casa da infância de Garbo localizada em Aracataca (Macondo), Colômbia. Foto de Fernando Orduz. 

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Texto original en español

Observatorio Psicoanalítico OP 554/2025

Ensayos sobre acontecimientos sociopolíticos, culturales e institucionales de Brasil y del Mundo

Macondo, entre la soledad y el olvido.

Fernando Orduz – APC

Macondo es una matriz, un espacio que nos hace ser: na-ser, cre-ser, permane-ser, desapare-ser.

Cabría pensar que mas allá de las trifulcas y los conflictos familiares que nos determinan según la visión Edípica de nuestra condición humana, hay una matriz donde se cocina nuestro destino. Más allá de Edipo esta Tebas. Mas allá de Freud está la Viena de principios del siglo XX donde la modernidad anidó.

La ciudad que se sirvió de nosotros como si fuéramos su flora, que nos envolvió en conflictos que eran suyos y que creímos equivocadamente nuestros. La frase es de Lawrence Durell, pero bien podría aplicarse a Macondo como matriz de nuestros destinos. 

Pensado de esta forma el ser humano sería analizado como un epifenómeno del paisaje, de la realidad que lo contiene. El personaje  de García Marquez sería Macondo presentado en un sinnúmero de Jose Arcadios y Aurelianos. 

Macondo es un espacio condenado a la soledad y al olvido, como nuestra existencia, por mas que nuestros narcisismos deliren en mares de egolatría eterna. Pero antes de que su historia quede condenada al olvido, Macondo nos envuelve en la exuberancia transitoria de sus pasiones, nos nutre con sus imagos tropicales, con las historias de nuestras incesantes batallas fratricidas, con las pestes que de diversa forma habitan a lo largo de su historia, con la muerte que habita en cada rincón de su territorio

El territorio que construye Garcia Marquez es un espacio donde la violencia de los amores y de los odios se cocinan en calderos alimentados con leños y huesos de antiguos cadáveres, donde los hombres encuentran la costra de sus miserias mas íntimas, y la veleidad de sus pasiones mas conscupiscentes.

La primera novela que pensó escribir García Marquez se iba a llamar La Casa. Esto porque para el novelista colombiano la casa de los abuelos donde habitó sus primeros años, era un hospicio de fantasmas, no se podía transitar por ella sin tropezarse con algún recuerdo. Un hogar habitado de memorias de muertos, como diría alguien de cuyo nombre no puedo acordarme: los fantasmas son cadáveres insepultos que transitan nuestras historias. 

El origen de Macondo está determinado por el asesinato de Prudencio Aguilar, como muchas otras mitologías, el fratricidio pareciera estar en nuestro origen, desde Cainhasta 2001 Odisea en el espacio. Huyendo de aquel crimen Jose Arcadio Buendía toma de la mano a su esposa, su prima Ursula Iguarán, y realiza el sueño de fundar un nuevo pueblo. 

He ahí la otra tragedia, o peste, o compulsión repetitiva que persigue a los Macondianos, esa letal tendencia al incesto, a la erotización de nuestras relaciones mas cercanas. En Macondo la peste de la endogamia es endémica y la consecuencia de esa peste no es el parricidio,  es que algún día nacerá un engendro con cola de cerdo y de alguna forma este hecho se asociará al fatídico final del linaje de los Buendía. 

Pero mientras el fatídico final hace su aparición las pasiones insuflan ilusiones de vida. Los personajes en Cien años de soledad, o hacen la guerra o hacen el amor. El amor indebido entre Aureliano Segundo y Petra Cotes, termina siendo aceptado por la esposa del primero, porque cada vez que su marido estaba con la concubina el patrimonio familiar se reproducía inconmensurablemente, todo lo contrario a cuando estaba con ella. 

Ese recuento es tan solo un ejemplo de los innumerables amores que habitan la novela. En las páginas de la novela podemos  encontrar muchos outros relatos libidinales, leer como los hermanos Buendía se iniciaron en las lides amorosas entre las piernas de la misma mujer (Pilar Ternera), o la rivalidad amorosa de dos hermanas por el profesor de música italiano (Pietro Crespi), el suicidio de este por el desamor de Amaranta, o  la reiterada pasión de los sobrinos por las tías. La fuerza invencible que habita al mundo no son los amores felices sino los contrariados, diría García Marquez.  Al final de la novela, relatando la consecuencia fatídica del amor entre los primos, dirá de ella: “la sangre apasionada de Amaranta Ursula era insensible a todo artificio distinto del amor”.(p,p 347)

¿Habrá algo diferente a la cura por amor? 

Pero  el amor es efímero, y su recuerdo no es mas que un espejismo que como las páginas amarillentas del papel fácilmente se desharán entre las polillas  y el fuego del olvido

El psicoanálisis es una técnica que pretende luchar contra ese fatídico destino que atraviesa cien años de soledad, esa plaga fatal del olvido que hizo su primera gran aparición cuando al pueblo llegó la peste del insomnio y como consecuencia de ello sus habitantes empezaron a olvidarlo todo. 

No se si nuestra técnica logre vencer el olvido que seremos, talvez  nuestra tecné sea un intento banal de sobrevivir transitoriamente, un invento de un vienés preocupado por recuperar los archivos perdidos de la memoria, técnica que como en cien años se habita en la soledad fantasmal de una habitación que se puebla de esperpentos y fantasmagorías. 

En la novela garciamarquina hay un par de personajes que intentan traer instrumentos de la modernidad a Macondo, uno es Melquiades, quien ofrece a los Buendía los descubrimientos que suceden al otro lado del mar: el hielo, el imán, la alquimia y el sánscrito. El otro es un personaje real de la vida de García Marquez, el catalán Ramon Vinyes, quien traía los libros. 

En Alejandría se perdieron miles de folios, en Macondo su historia será “desterrada de la memoria de los hombres”.  Las bibliotecas y los libros son como las huellas mnémicas de la civilización pero la peste del Alzheimer y la Soledad pareciera que nos condenan eternamente al polvo y al olvido.

Eso pareciera anticipar el sabio catalán quien previene a los muchachos jóvenes de Macondo, a Gabo, a German, a Alfonso y a Alvaro: “que en cualquier lugar en que estuvieran recordaran siempre que el pasado era mentira, que la memoria no tenía caminos de regreso, y que toda la primavera antigua era irrecuperable”. (p.p 339)

Pero la modernidad también trae otra peste a Macondo, la peste del banano, por no decir la peste del desarrollo del capitalismo salvaje. La patria chica de García Marquez se llama Aracataca, una zona del país que vivió (y aún vive) una bonanza de la producción bananera con la United Fruit Company a principios del siglo XX. La bonanza del capitalismo bananero devino en una furia del capitalismo salvaje que arrasó en la plaza del pueblo, bajo el fusil de metralla, a tres mil obreros campesinos que se rebelaron por defender sus derechos. Luego de la matanza cayó un diluvio ordenado por Mr Brown (fiel a la política del Big Stick de Roosevelt) que duró cuatro años, once meses y dos días, y luego vino el olvido de la matanza. 

Ese universo de íntima soledad que habita Macondo durante su existencia transitoria es para Garcia Marquezun carácter que ha acompañado a nuestros pueblos. Pueblos que se hunden en matanzas fratricidas lejos de lazos solidarios. Años de soledad, que pareciera ser el antónimo de los lazos de solidaridad, en  una América latina donde pareciera que cada pueblo se complace en observar las líneas y vericuetos de su propio ombligo.

En la obra de Gabo hay un personaje, el coronel Aureliano Buendía, el cual pareciera ser la piel de tantos hombres que han luchado por la libertad en nuestros pueblos. Estuvo en treinta y dos levantamientos armados y los perdió todos, sobrevivió a catorce atentados y setenta y tres emboscadas, declino la pensión vitalicia y vivió la vejez haciendo pescaditos de oro en su taller de orfebrería. Lo único que quedó como recuerdo de él, fue una calle con su nombre en Macondo. Es el personaje que inicia la obra de Garcia Marquez, recordando una escena de niñez frente a un pelotón de fusilamiento, pero muere de viejo y en el olvido a la sombra de un castaño donde su padre murió envuelto en la locura.

Octavio Paz piensa la soledad como un laberinto mientras García Marquez lo piensa desde la dimensión del tiempo, pero ya sea como pueblos o como individuos, como espacio o como tiempo, lo cierto es que las estirpes condenadas a la soledad no tendrán una segunda oportunidad sobre la tierra (p.p 351)

(Todas las citas referenciadas de la novela están extraídas de la segunda edición publicada por la editorial sudamericana, cuya portada fue diseñada por Vicente Rojo. Portada que no alcanzó a llegar desde México a Buenos Aires para publicar la primer edición).

(Los textos publicados son responsabilidad de los autores)

Categoría: Cultura

Palabras claves: memoria, soledad, olvido, amor, muerte

Imagen: Árbol original del romance: Casa de la infancia de Gabo ubicada en Aracataca (Macondo), Colombia. Foto de Fernando Orduz.

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Categoria: Cultura
Tags: Amor | esquecimento | Memória | Morte | Solidão
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