Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo
Nada justifica o terror!
Ruggero Levy – SPPA
Confesso que escrevo este texto com dificuldade, pois estou – como todos – chocado, entristecido, preocupado e assustado com o que teremos pela frente. O terror conseguiu o seu intento, não apenas de massacrar mais de mil civis indefesos, bebês, crianças, adolescentes, homens e mulheres, como espalhar o medo e o horror por todas as latitudes.
Recebi hoje uma mensagem que dizia o seguinte: “fomos massacrados e expulsos da terra de Israel pelos romanos no ano 70 DC, eles acabaram; e nós, os judeus, seguimos aqui. Fomos perseguidos e mortos pela Santa Inquisição, ela terminou; e nós seguimos aqui. Fomos perseguidos e assassinados pelo nazismo, aos milhões, ele acabou; e nós seguimos aqui. Fomos brutalmente atacados e assassinados pelo Hamas, eles serão aniquilados e nós seguiremos aqui.”
Cito essa mensagem para contextualizar a quem não é judeu que este atentado brutal acontece contra o povo judeu que traz consigo há milênios as marcas traumáticas do terror e do antissemitismo. Algumas foram vividas pelos nossos ancestrais e transmitidas através das gerações e outras foram vividas pelos nossos avós, pais e por nós mesmos. Eu, por exemplo, sou um judeu refugiado que teve que abandonar o Egito em 1957 praticamente com a roupa do corpo e meu pai com 100 dólares no bolso, sendo mandado – felizmente – a um país tropical desconhecido, o Brasil, e instalado inicialmente na zona de prostituição de Porto Alegre.
É importante que se entenda que depois das desumanas perseguições e chacinas antissemitas da Europa Oriental, na Polônia e outros países daquela região, no início do século XX, iniciou-se entre os judeus o sentimento de que tinham direito à autodeterminação e à construção de uma nação própria. A Segunda Guerra Mundial e a catástrofe do nazismo reforçou essa necessidade de existir um Estado Judeu que defendesse o seu povo para que aquela execução passiva de milhões pessoas nunca mais voltasse a ocorrer. Esse direito foi reconhecido pela ONU em 1948 em Assembléia presidida pelo brasileiro Oswaldo Aranha, como todos sabem. É sabido também que na mesma ocasião foi decidido que o povo palestino tinha também direito a ter um estado próprio, o que é totalmente legítimo, justo e necessário. Lamentavelmente os países árabes não aceitaram aquela decisão naquele momento, mesmo sendo considerável o território que caberia aos palestinos.
Mas quero afirmar desde já – e todo judeu progressista sente-se no dever de se posicionar neste sentido – que sou totalmente favorável à soberania do povo palestino, a que tenham sua própria nação com governantes democraticamente eleitos, tudo o que o Hamas não quer. O Hamas não representa o legítimo direito do povo palestino. O objetivo do Hamas é destruir Israel e matar os judeus e todos aqueles que não forem muçulmanos fundamentalistas. E para isso submete os palestinos de Gaza a uma ditadura cruel e divulga uma narrativa que seu terror se justifica pela política israelense. Mas nada justifica o terror! E, de novo, o único objetivo desta organização terrorista é derramar sangue, seja judeu, cristão, ou muçulmano não fundamentalista.
Ter um Estado Palestino democraticamente eleito é a única maneira de haver paz no Oriente Médio. Inclusive, segundo vários analistas, é muito provável que o atentado do dia 07 de outubro tenha sido praticado para impedir a progressão do acordo de paz entre Israel e Arábia Saudita, que poderia beneficiar os palestinos inclusive. Mas como remodelaria algumas relações no Oriente Médio e o acordo estava sendo encaminhado pelos Estados Unidos, não interessava ao Irã, certamente.
Há todo um contexto geopolítico internacional que também determina o que acontece no estratégico Oriente Médio, fortemente influenciado pelas necessidades estratégicas das grandes potências militares e econômicas do mundo, mas hoje não gostaria de entrar nessa análise porque quero enfocar no impacto que representa ao povo judeu este atentado e também porque essas questões já foram brilhantemente analisadas pelo Bernardo Tanis (SBPSP) em seu texto para o OP.
Desde do Holocausto nazista este é o maior massacre sofrido pelo povo judeu. O passado traumático retornou da pior maneira possível. O que era para ser o “Nunca mais”, aconteceu. E aconteceu da forma mais brutal que se poderia imaginar, ao estilo do Estado Islâmico, com mulheres e crianças sendo humilhadas e maltratadas nas ruas de Gaza e os cadáveres sendo seviciados. Uma das marcas da civilização foi a sacralização da morte. Dessacralizá-la é uma regressão civilizatória profundamente condenável.
Ademais, este atentado feriu profundamente o sentimento de segurança que o Estado de Israel conferia não apenas aos cidadãos israelenses, mas a todo o povo judeu espalhado pelo mundo. Depois do genocídio nazista, Israel passou a ser uma referência de segurança aos judeus. Seriam protegidos e nunca mais seriam chacinados sem terem como se defender. Mas, lamentavelmente, isso ocorreu. Ocorreu um atentado sangrento, infame, forçando Israel a reagir provavelmente para tentar tornar o Hamas inoperante ou destruí-lo e, claro, tentar resgatar a centena de reféns e proteger seu território de mais ataques.
O Estado de Israel não poderia ficar passivo frente a uma tentativa de genocídio de seu povo, objetivo do Hamas. Mas o que é lamentável é o sofrimento a que estará exposto novamente o povo palestino submetido ao Hamas e usado como escudo vivo pelo mesmo. Isso é profundamente lamentável. Esperemos que o exército israelense não seja comandado pelo ódio, mas sim pela inteligência militar e pela sua tecnologia, e poupe a vida de civis palestinos inocentes, coisa que o Hamas não se preocupou quando provocou a reação de Israel.
Uma última consideração que gostaria de fazer. Depois da Guerra de Yom Kipur de 1973, em que Israel foi também pego desprevenido e que morreram milhares de soldados israelenses, a direita mais radical foi ganhando espaço na política do Estado Israelense. O seu ápice foi com as últimas décadas do governo de Netanyahu que acenou com a militarização e os assentamentos na Cisjordânia como forma de garantir a segurança de Israel. Essa política só acirrou os ânimos e o ódio na região. Sem falar de seu último mandato que, para escapar dos processos de corrupção, Netanyahu se elegeu apoiado pelo que há de mais conservador, retrógrado e fundamentalista em Israel, que só dividiu o povo israelense e fragilizou o país.
Por outro lado, desde a década de 1970 existe um movimento progressista, pacifista, em Israel, que se chama “Paz é segurança”. Ou seja, que a segurança de Israel e de um futuro Estado Palestino só existirá quando ocorrer a paz no Oriente Médio. Embora isso pareça um sonho inalcançável, lideranças de Israel e da Palestina, Izchak Rabin e Yasser Arafat, assinaram um acordo de paz em 1992, o famoso acordo de Oslo. E em 1994 ganharam o Prêmio Nobel da Paz. Infelizmente a extrema direita radical israelense assassinou friamente Rabin em 1995.
Por isso, devemos evitar o binarismo esquizo-paranóide que dissocia os bons e os maus, que seria israelenses bons x palestinos maus; ou palestinos bons x israelenses maus. E poder diferenciar o Hamas dos palestinos; o governo de Netanyahu dos israelenses e do Estado de Israel. A polaridade, na minha opinião, é entre os que querem a resolução do conflito através de negociações de paz que reconheçam o direito à soberania do povo judeu e do povo palestino e, no lado oposto, aqueles que acreditam que a solução será através da destruição do outro.
Ou, como diz Yuval Harari, “a síndrome do século XXI é o choque entre fanáticos de todas as cores e o resto de nós.” Sabemos através de Bion, que o fanático não aprende com a experiência e seu pensamento é pautado pela onipotência, pela arrogância e pela estupidez. Mas, mesmo assim, temos que cuidar para não equiparar todos os fanáticos, pois no caso do Hamas, o fanatismo é pautado pelo terror, pelo sadismo, pela crueldade e pela idealização perversa da morte.
(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores)
Categoria: Política e Sociedade
Palavras-chave: conflito no Oriente Médio, terrorismo, paz, fanatismo
Imagem: Esperança de um novo dia. Nascer do Sol no Rio Negro (AM)
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