Observatório Psicanalítico – OP 432/2023

 

Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo

Antissemitismo estrutural

Marion Minerbo (SBPSP)

Tenho estado quieta aqui no meu canto lendo as mensagens do Grupo do Observatório Psicanalítico, escutando podcasts, me informando. Não queria que o fato de ter família em Israel interferisse no que eu pudesse dizer. Nem o passado da minha família – alguns mandados de Corfu para Auschwitz em 1943, outros expulsos do Egito em 1956 por serem judeus. Sim, sou filha de refugiados. Sorte que o Brasil, ao contrário de tantos países, os acolheu. Eram muito gratos por isso.  

Me animei a escrever quando ouvi um podcast chamado “E Eu com Isso?” do Instituto Brasil Israel (no Spotify). Não tem nada a ver com o tema do nosso Congresso Brasileiro, que ocorrerá no próximo mês em Campinas, [cujo tema é “O Eu com Isso”], embora o entrevistado, o sociólogo Daniel Douek, pense como um psicanalista. Ele faz uma análise tão fina, tão clara, que me deu vontade de compartilhar algumas ideias que me ajudaram a pensar. 

Entre outras coisas, ele afirma que a relação entre Israel e os Palestinos é ao mesmo tempo simétrica e assimétrica, e que esses registros podem ser confundidos. 

• Simétrica porque os dois povos aspiram de forma absolutamente legítima à mesma coisa: O DIREITO DE EXISTIR e de autodeterminação num Estado próprio.

• E assimétrica porque o poderio militar de Israel em relação aos Palestinos é muito maior.

Diz ainda que a confusão entre esses dois registros pode ser explorada intencionalmente, como se a assimetria das posições automaticamente destituísse Israel de sua aspiração legítima – e de seu direito – de existir. Confundir os registros simétrico e assimétrico conduz a impasses na solução do conflito. 

Ele dá um exemplo analisando o slogan “Palestina Livre”. Tanto a palavra Palestina, quanto Livre, são polissêmicas. Podem ser entendidas de maneiras diferentes.

• Palestina pode se referir aos territórios de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém oriental (o que é legítimo). OU pode se referir à totalidade do território que hoje é Israel (o que é inaceitável). 

• Livre pode se referir a “Livre de ocupação militar israelense” (o que é legítimo). OU pode significar “Livre de judeus” (o que é inaceitável). Hitler também queria uma Europa livre de judeus. Como não tinham para onde ir, foram para os fornos crematórios – aqui sou eu que falo, não Douek.

É preciso tomar cuidado, pois a polissemia permite que cada um entenda o que quer. Um brasileiro de esquerda progressista que apoia “Palestina Livre” está se referindo a quê, exatamente? 

Alguém perguntou ao Douek quando a crítica a Israel se torna expressão de antissemitismo. Ele respondeu o seguinte: Se quem faz a crítica não for judeu, tem que tomar um cuidado permanente com a possibilidade de estar sendo antissemita, assim como um homem tem que tomar cuidado para não ser machista, e um branco para não ser racista.

Isso porque essas três condições atravessam as culturas há milênios e são estruturais. Nós, aqui do OP, nos lembramos da polêmica em torno da “tirinha” que, para exemplificar o que é um ato falho, aproximou “portas abertas” de “pernas abertas”. E daquela outra longa conversa que rolou aqui sobre racismo (Vidas negras importam). Sendo estruturais, machismo, racismo e antissemitismo podem ser involuntários e inconscientes, o que não impede que sejam vividos como ataques pelos grupos vulneráveis. 

E tem mais, diz Douek: Ninguém se autoproclama machista, racista ou antissemita. Todos encontram alguma forma de racionalização para poder verbalizar seu preconceito, sem que pareça preconceito. A crítica a Israel pode perfeitamente ser legítima. Mas ela pode também ser uma racionalização para o antissemitismo.

E aqui vem uma conclusão que me pareceu muito psicanalítica. Não dá para decidir “de fora par dentro” se uma crítica a Israel é ou não antissemita. Em princípio, uma crítica dura à política israelense pode não ser expressão de antissemitismo, enquanto um comentário do tipo “Também, né? Queriam o quê?” pode sê-lo. Assim como estamos todos (ou deveríamos estar) nos questionando sobre nosso racismo e machismo (inclusive as mulheres), cabe a cada um pensar sobre seu próprio antissemitismo. É uma questão de foro íntimo que, no entanto, tem consequências reais e concretas na vida das pessoas. 

Como sabemos, palavras curam, mas palavras também matam. 

(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores)

Referência

https://open.spotify.com/episode/3XdrZQpeEo83bhdTq5XT1D

Categoria: Política e Sociedade

Palavras-chave: antissemitismo estrutural, direito de existir, polissemia das palavras 

Imagem: Instalação da artista israelense Martha Rieger

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Tags: antissemitismo estrutural | direito de existir | polissemia das palavras
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