Observatório Psicanalítico – OP 427/2023

Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo 

O “Quarto Eixo” da Psicanálise: este caminho, espero, sem volta.

Carmen Prado (SBPdePA)

Ao entrarmos em uma sociedade ligada à IPA em busca de uma formação analítica, vamos nos defrontar com todo um vocabulário relativo a estas instituições. É como entrar em uma cultura diferente, onde temos que aprender as expressões, as siglas, os nomes e datas faladas ao acaso em cada conversa. Frente a tudo, talvez nos sintamos como um estrangeiro – é IPSO, OCAL, FEPAL, FEBRAPSI, AMI (no caso da minha sociedade), o Freud da primeira tópica, o Freud da segunda tópica, antes ou depois do texto do Narcisismo de 14, então aquele Moisés (não era algo da religião, o que faz aqui?, nos perguntamos…). Somos acolhidos por todas estas instituições que compõem esta grande família institucional que nos precede. E este é só o começo deste mundo novo.

Dentro deste mundo novo há um lugar que desde o início parecia ser muito importante. Chama-se Quarto Eixo. Seria algo como entrar ali e mergulhar de cabeça. É topar ser vereador, deputado, chefe de serviço, ou motoboy, ou também economista, administrador de empresas, revisor de textos, e mais que tudo, topar se banhar em pessoas. Muitas pessoas. Algumas, às vezes muitas, se tornam amigos de vida. Quando tudo vai bem, o que não é fácil, não há inimigos. Diferentes, mas não inimigos. Daí também a tolerância se faz necessária – muitas visões de mundo são possíveis nesta psicanálise. Espera-se que todas encontrem lugar na busca de uma melhor clínica para nossos pacientes.

Do que se trata enfim este Quarto Eixo? Sempre ouvimos sobre os três eixos dos pilares da formação analítica: análise pessoal, seminários e supervisões. Mas, já há algum tempo, atenção tem sido dada a este espaço de convivência institucional, e à importância que ele traz para nossa formação como psicanalistas. Daí o nome – Quarto Eixo. 

Quando entrei – tardiamente,  aos 58 anos – na SBPdePA para finalmente realizar este desejo escondido (proibido?..) de me tornar psicanalista, não conhecia o termo, nem as oportunidades que ele me traria. Talvez eu tenha chegado em um momento também bastante especial para nossa Brasileira (como chamamos a SBPdePA), já que nossa colega Ane Marlise Port Rodrigues havia ganho um prêmio da IPA por seu trabalho que abordava este tema (“Liberdade e singularidade na transmissão da psicanálise –interminável desafio”). O tema, assim, estava muito presente nas conversas dos seminários e dos corredores da instituição. 

Aterrizando neste momento, percebi este mundo que vai além do famoso tripé. Para mim, um deslumbramento. Logo me inseri na Comissão da Comunidade, interessada que sou pela ampliação da psicanálise porta afora, para as a ruas, praças, escolas, lugares outros, enfim. Não saí mais, por três gestões sigo tentando contribuir com meu melhor. Também pedi licença e participei da nossa AMI (Associação dos Membros do Instituto), por duas gestões. Me cerquei de gente querida que quero ter na minha vida daqui para frente, sempre que possível, para o que der e vier. Agora, já finalizando minha formação, aceitei participar da organização da nossa jornada de 2023.

Buscar um caminho para nos tornarmos psicanalistas é entrar neste planeta novo, é percorrer caminhos que nunca terminam, enfrentar perguntas que em geral não têm respostas. A psicanálise é assim, esta estrutura que não se ensina, que se transmite e se recebe nestes vários rituais, que incluem leituras – várias, de Freud a todos os outros e mais alguns, e se for boa, de muita literatura, cinema, teatro e música. E de muito olhar, de muita troca com todos que seguem este caminho conosco. Antes, durante e depois.

Neste percurso único, a transmissão intergeracional é rica e importante. Os que estão há mais tempo nos acolhem, e os novos trazem sempre os questionamentos e a cultura que está sempre em eterna transformação. Que haja sempre respeito pelo percorrido dos mestres, e muita abertura para o novo nestas trocas!

Assim, após mais um percorrido neste mergulho institucional, neste domingo chuvoso de setembro em Porto Alegre, descanso ao final de mais uma jornada científica em nossa sociedade. Nela discutimos um tema complexo, difícil, e, até pouco tempo, não muito presente na psicanálise (Adicções e Dependências). Além de todas as palestras, mesas redondas e cursos, a arte, com balé e teatro, compuseram este amálgama psicanalítico.

Fazer parte de uma comissão organizadora é viver este Quarto Eixo de cabeça. É trilhar com colegas que, ao longo de mais de um ano, vamos conhecendo melhor, vamos acolhendo em nosso afeto, e, como irmãos e irmãs, vamos também discordando, debatendo, e bufando muito, às vezes – são muitas reuniões, muitas limitações para o que gostaríamos: falta tempo, falta verba, dá medo, muito medo… Vai dar prejuízo, vai ter público, vai ser valiosa, interessante? Nosso narcisismo (aquele de 14…) também vai sendo posto à prova. Ao mesmo tempo, também muito vibramos, dia a dia, com o aumento progressivo das inscrições, e com as ideias criativas de cada colega, abraçando cada sugestão, num empolgamento cada vez maior!

Nossa jornada foi um sucesso e nos encheu de orgulho. Além disso, o encontro ao vivo com tantos colegas rendeu muito afeto, com abraços, beijos e conversas em cada intervalo. Terminamos em festa!

E, embora pareça loucura, já vamos nos engatando em futuros projetos. Um jeito de seguirmos juntos. Este tal de Quarto Eixo nos pega de jeito…. espero que siga pegando de jeito também os novos colegas que chegam (cada vez mais!) à psicanálise. Este mergulho certamente vale a pena.

(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores)

Categoria: Instituições Psicanalíticas 

Palavras-chave: quarto eixo, psicanálise, formação analítica, transmissão, jornada científica

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Tags: formação analítica | jornada científica | Psicanálise | quarto eixo | transmissão
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