Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo
Sobre o Trabalho Psicanalítico com Casal e Família
Comissão de Psicanálise de Família e Casal da Febrapsi, composta por Andreia Lobo Melo (SBPGoiânia), Bruno S. Francisco Salésio (SPPel), Carmem E. Keidann (SPPA), Daniel Franco (Instituto de Ensino e Formação da SPFor), Denise Lea Moratelli (SBPRP), Eliane Cotrim Levcovitz (SBPRJ), FridaAtié (SBPRJ), Flavia C. Strauch (SBPRJ), Maria Jose Miguel (SPBsb), Marilia Macedo Botinha (SBPMG), Patricia Rivoire Menelli Goldfeld (SBPdePA), Regina Maria Rahmi (SBPSP) e Vera Lamanno Adamo (SBPCamp), sob a coordenação de Denise Zimpek (SBPdePA) e Lúcia Passarinho (SPBsb)
A passagem do vértice de psicanálise individual para a de família implica numa escuta específica. Se na análise individual o conflito intrapsíquico encarnado na transferência constitui o foco do analista, é a dinâmica interpsiquica e intersubjetiva que rege o intercâmbio entre os familiares e passa a ser o centro de interesse do terapeuta de família e casal.
A psicanálise de famílias e casais é realizada com os pais e filhos ou casal, respectivamente, e supõe uma metodologia fundamentada nos parâmetros psicanalíticos habituais: abstinência e atenção flutuante do analista, livre associação de ideias, o fenômeno inconsciente, transferência, contratransferência e interpretação.
A partir de conceitos provenientes da Teoria das Relações Objetais e da Teoria Vincular elaborada por Puget e Berenstein, o psicanalista de família e casal escuta os relatos dos diferentes membros da família ou do casal como uma cadeia associativa, permitindo ao analista uma compreensão dos mecanismos, funções e raízes dos distúrbios atuais e da estrutura inconsciente da família ou do casal. Ao mesmo tempo, trabalha-se o vínculo propiciando colocar em jogo a própria identidade, à medida que se é capaz de aceitar as significações provenientes de um outro real, gerador contínuo de subjetividade.
Quando se trata da psicanálise de casais e famílias, nos encontramos diante de fenômenos mais amplos que os da clínica individual. Deparamo-nos com as alianças inconscientes que sustentam o vínculo e garantem certa estabilidade, porém, a procura de tratamento indica uma tentativa de quebra de pactos inconscientes, onde o que predominava era a ilusão do ser “Um” e de se possuir uma homogeneidade de pensamento.
Nas famílias e casais as identificações e diferenças se entrelaçam, ao mesmo tempo que marcam as alteridades, sendo a ilusão constantemente colocada à prova. Defrontar-se com aquilo que é radicalmente diferente no outro é insuportável, pois representa a perda da completude narcísica.
Nosso trabalho é uma abertura às produções interfantasmáticas, mas não se reduz às somas dos fantasmas e fantasias inconscientes individuais, vai além, vai ao encontro da possibilidade de lidar com o diferente, com o antagônico. Os sujeitos do inconsciente e do vínculo constroem situações e cenas que têm o efeito de produzir marcas novas, curativas e reparadoras, ou tóxicas e alienantes. Entendemos que o processo analítico de casal e família possa criar e recriar o inesperado, trazendo novos sentidos para antigas histórias e um trabalho de elaboração que suporte e resgate o diverso e o cindido.
Vivemos a ascensão da política extremista em várias partes do mundo. Discursos de ódio e violência contra as minorias são reativados. Assistimos à banalização da violência, armas são expostas como símbolos fálicos. Símbolo de força e virilidade se contrapõem ao sentimento de impotência e invisibilidade. A violência policial contra negros acontece sem cerimônia, à luz do dia. Tempo de líderes messiânicos, “salvadores da pátria e dos bons costumes”. Para alguns, melhor segui-los a se identificar com os iguais, com os frágeis e desvalidos. Negação e defesas alienantes anestesiam, cegam, e minorias se tornam alvos fáceis.
Tempos caracterizados por misoginia, racismo, desprezo pelas minorias e pela vida humana. Os efeitos desse quadro desalentador nos assombram: feminicidio, famílias divididas por sentimentos de raiva, ressentimento e, sobretudo, intolerância.
Estar no lugar do diferente é, muitas vezes, insustentável. Não raro, observamos abuso do álcool, das drogas e a depressão. Esse passa a ser o “paciente identificado”, o “porta- dor” das identificações projetivas da família. Ainda nos dias de hoje, passados vários meses das últimas eleições presidenciais, muitas famílias se encontram separadas por convicções políticas e partidárias, assim como nos casais ainda sobram acusações pelo voto do parceiro e sua “ignorância” política e, mais grave ainda, identificando nele certas características do candidato escolhido.
Como psicanalistas de casais e famílias, nos perguntamos: que fenômenos poderosos são estes que adentram os lares?
Acostumados a trabalhar com a observação e articulação entre o intrapsíquico e o intersubjetivo, percebemos com nitidez a influência do meio familiar e da cultura na construção da subjetividade, seja para o bem ou para o adoecimento, já dizia Freud nas “Séries complementares”. O encontro das constelações individuais irá sempre ser afetado pelo vínculo, que pode convocar ou apagar as potencialidades de cada um.
(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores)
Categoria: Instituições Psicanalíticas
Palavras-chave: psicanálise, casal, família, cultura, alteridades
Imagem: A família. Tarsila do Amaral (1925). Reprodução fotográfica Romulo Fialdini, conforme site do Itaú Cultural.
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