Observatório Psicanalítico – OP 373/2023 

Bom dia colegas 

Hoje publicamos o ensaio do nosso colega Daniel Delouya (SBPSP), um dos candidatos do Brasil a nos representar no Board da IPA. Agradecemos Daniel por ter respondido prontamente ao nosso convite de escrever sobre um  acontecimento da atualidade para o OP.. 

Forte abraço, equipe de Curadoria 

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Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo.

Ser responsável como membro de uma associação psicanalítica

Daniel Delouya (SBPSP)

Surpreende o desconhecimento de muitos membros da IPA sobre o papel e o funcionamento da associação que os abriga. Mais ainda quando todos são cientes do esforço e dos investimentos de cada um para se tornar membro dessa associação. Não obstante, poucos são alheios ao cerne daquilo que constitui a razão de sua fundação e que diz respeito aos princípios que norteiam a formação analítica. 

Sabemos que essa associação foi inaugurada em 1910, e há aproximadamente cem anos, estabeleceram-se as regras da formação analítica para proteger a psicanálise dos charlatões. Que a alma é regida pelo inconsciente, que o acesso a este se dá pelo método inaugurado por Freud… eis, em resumo, os achados que justificaram o estabelecimento de um programa de formação analítica e que, no entanto, esta não para de inquietar, de ser questionada, criticada e de gerar querelas dentro de qualquer grupo de analistas.

Quais seriam as medidas que melhor favorecem a eficácia do acesso ao inconsciente no trabalho analítico? 

Essas medidas seriam de cunho empírico para atingir um universo de outra ordem: a relação entre a sala de análise, a disposição dos corpos, frequência dos encontros, etc, e o inconsciente. Em outras palavras, trata-se, afinal, da relação entre o mundo da percepção, dos chamados restos diurnos, de um lado, e do universo das representações inconscientes que se pretende atingir, de outro, movimentando-o a serviço do enriquecimento do eu. Recorro ao modelo inicial extremamente simplificado que se encontra na descoberta original de Freud, onde a frequência dos encontros tem um papel fundamental, já que propicia, à semelhança de condições controladas de um laboratório, adentrar um estado no qual se diminua a censura e a vigília, favorecendo a condição próxima a do sonho… 

Sim, é verdade, mas não toda a verdade, já que há outros fatores ainda mais preponderantes que estão em questão, como as defesas e resistências de cada um dos sujeitos do par analítico. Outro aspecto, relevante ao nosso tempo, é quanto à presença corporal, já que uma ligação epistolar, ou on-line, via câmera ou telefone, podem ser – e assim se provaram na pandemia – um tanto eficientes para esse campo da escuta, mantendo-se em mente a singularidade do feitio psíquico dos sujeitos envolvidos. Essas opções, com sua variabilidade, devem se submeter ao exame rigoroso da metapsicologia enquanto órgão e instrumento da observação clínica. E não como defesas paranoicas de nosso eu institucional, comprometendo o trabalho analítico. 

Prefiro me limitar, aqui, a poucos e essenciais aspectos, pois a questão principal se reporta à possibilidade da escuta enquanto via de reforma e de engendramento do sujeito, de sua cura. Esse eixo da escuta se colocou na mira da preocupação de Freud ao ficar atento às condições de vida no pós-guerra quando seus discípulos se apressaram em encontrar meios técnicos mais curtos, ativos de cura, solapando as condições necessárias da escuta. O mesmo ocorreu nas inúmeras tentativas após a Segunda Guerra, quando muitos dos discípulos enveredaram em opções diversas, fossem elas comportamentais ou existencialistas e humanistas, gerando inúmeras propostas e escolas que os afastaram da escuta psicanalítica. Essas tentativas continuam em nosso tempo, basta mencionar as terapias cognitivas comportamentais e as que estão em curso, que pretendem se valer de técnicas efetuadas por robôs e seus metaversos compostos de algoritmos sofisticados. 

Passo a considerar uma dimensão que me parece crucial para o nosso tema. 

Refiro-me ao universo das representações inconscientes que se pretende atingir no trabalho analítico. Esse está ancorado no universo cultural, sua história e sua estrutura, e que se alia ao mundo contemporâneo da cultura com o lugar que o sujeito ocupa na comunidade, no tecido social e no palco político. Lembro do imenso esforço que Freud dedicou desde a sua chamada primeira tópica e até o final de sua obra quanto aos efeitos da natureza da cultura, sua dinâmica e seus impactos sobre os sujeitos que a compõem e que nela atuam. Hoje, em 2023, estamos comemorando, junto à Febrapsi e seu próximo congresso, o centenário do livro de Freud “O eu e o isso.” Já no início do livro, Freud volta a tangenciar o momento inaugural de seu “Projeto de uma psicologia” de 1895, alegando que uma parte considerável do Eu é inconsciente, mas não recalcada. Se Freud assemelha o território do Eu a uma espécie de cemitério, de investimentos abandonados, recalcados, e portanto, residentes mnêmicos frutos de investimentos e identificações primárias e seus sucedâneos, esses acordam, como no “Projeto”, para dialogar com seus pares de percepção da vida da vigília, a serviço do pensar e do julgar, cumprindo representações, metas da ação para lidar com o cotidiano. 

O que seria, então, o não recalcado do Eu? Sua postulação subverteria todas as perspectivas do tratamento analítico, já que escaparia à “colaboração” na fábrica do sonho, entre percepções e representações mobilizadas no eixo da via da escuta, entre paciente e analista. E, de fato, o que é inconsciente e não recalcado talvez seja, bem provavelmente, reportado a essa nova ação psíquica, que Freud aponta em seu ensaio sobre o narcisismo e que recorta o eu dos outros, destacando-o, separando-o; ou seja, não é o estofo mnêmico, mas a constituição de suas bordas, suas fronteiras. No artigo de 1914, essa ação se deve ao amor ideal dos pais, à criança especular, que se perdeu aos olhos de seus próprios pais e que se tenta recuperar através do bebê, o que culmina num fracasso, na realidade da satisfação plena jamais passível de ser alcançada. Esse é o regime imaginário, do ideal, cerne do supereu, onde o sujeito se esforça em se tornar propício, inicialmente aos olhares do outro, o adulto, e, depois, na cultura, medindo-se em relação aos ideais que lhe são impostos. O que nos remete às origens da obra – e ao próximo livro -, “Inibição, sintoma e angústia”, onde o desamparo dos inícios figura como convocação, como ‘fonte de todos os motivos morais’ do adulto, acionando nele esse ‘valor de compaixão’ para conceder ao recém-nascido um lugar no mundo. 

Costumamos nos centrar no segundo valor, o da condução, destacado por Freud e que diz respeito aos subsídios de constituição da morada, do tempo, ou seja, da linguagem, da nomeação dos movimentos do bebê. A linguagem transforma partes das incitações hipocondríacas, provenientes do estado de desamparo, efetuando um desvio das funções vitais, gerando, pela via regressiva da escuta no adulto – pela sua reverie -, as pulsões, os precursores de referências auto-eróticas, suas representações e suas rotas mnêmicas em ampliação. Entretanto, o estado de desamparo jamais é superado, a não ser na morte, e sua tensão com a linguagem, frente à necessidade de se separar e se constituir como sujeito, acaba erguendo esse universo do ideal cuja origem é imaginária e especular, sendo que o desamparo se reporta à coisa, a um almejar inatingível, que é nomeado por Lacan como o Real. Os ideais são, portanto, uma promessa de amor, inicialmente dos pais, e depois da cultura, e de que em algum momento, cumprindo-as nos tornamos propícios, merecedores de um lugar cativo no mundo. Porém, eles nos tantalizam, nos sabotam, já que sua exigência é infindável, uma vez que se alteram continuamente num mais exigir sem fim… 

Freud pensava que a negativação como destino das pulsões em recalque, dessexualização, identificação, reversão afetiva ou sublimação que se efetuam pelas demandas culturais, desgastam as aquisições da linguagem, do infantil e do prazer, esgarçando a junção pulsional em seu afã construtivo erótico do masoquismo erógeno, revertendo-os em favor do predomínio da pulsão de morte ou à busca de gambiarras para escapar da mesma por diversas vias de narcotização, masoquismo moral, busca da religião, de abrigos fanáticos, etc. Lacan, por outro lado, pensava, auxiliado por uma apreensão monista da pulsão – como de morte e sexual, inteiramente justificável dentro do projeto freudiano -, que o sujeito é capaz de se desvestir das identificações ideais, de se de-subjetivar, de se de-ser, e encontrar ‘novos amores’, talvez através do “sinthome”, assumir o mesmo, ‘faire-avec’

Genial! Sim, no campo da cura! Essa via é importante, mas a destrutividade das exigências culturais e seus mal-estares vêm se confirmando cada vez mais e demonstram a insuficiência do trabalho analítico privado. Elas exigem da psicanálise e dos psicanalistas se situarem em relação ao adoecimento progressivo da cultura. O próprio Lacan contribuiu muito em elucidar, através de seus matemas, sobre o foco de atração do discurso universitário e seu letal derivado, o discurso capitalista.

Quando afirmo, na esteira de Freud, sobre a insuficiência da sala de análise e a necessidade de cuidar da cultura, já que essa não evita senão promove a destrutividade, me refiro à vulnerabilidade humana decorrente do desamparo, e que a psicanálise inventou um instrumento (‘falar tudo que lhe vem à mente’) que restaura a polis, a democracia no regime intersubjetivo, o que tem de ser proporcionado à comunidade sobretudo à população marginalizada social e economicamente, assim como aquela afetada pelas guerras e migrações. O mesmo diz respeito à inserção de minorias políticas, afetadas pelo racismo, dentro de nossas instituições psicanalíticas de modo a restaurar, em parte, os danos e as injustiças históricas com as mesmas. 

Porém, isso não basta. É preciso se voltar ao campo político como tudo que rege nossa cultura. E, nesse sentido, é preciso reformar nossos seminários incluindo neles estudos culturais da contemporaneidade para lidar e compreender os efeitos do capitalismo de vigilância de nossa época monitorada pela informatização e virtualidade regidas pelos algoritmos sofisticados das empresas modernas, que nos embarcam numa espécie de narcotização onipotente danosa, abafando a alma em prol da promessa ilusória de domínio total da vida e da morte. O mesmo diz respeito às ameaças sobre o ambiente e à Terra, desrespeitada pelo capitalismo. Problemas que assombram a história do futuro, retratado no excelente livro de N. Harari com o mesmo título e que em português ganhou o subtítulo de “Homodeus”.

Essas questões e seus rumos quanto aos enquadres da escuta no espaço analítico, assim como de nosso papel na cultura, estão sendo deliberados nas instâncias democráticas de nossa Associação Internacional. O Board da IPA é constituído pelos representantes das três grandes regiões do mundo ocidental, América do Norte, América do Sul e a Europa, cada uma elegendo sete representantes, e a Ásia apenas um. Deliberam, junto a seu presidente, seu vice e tesoureiro – os três eleitos também por todos os membros da IPA – sobre todos os temas e traçam linhas de ação em relação a eles. 

Peço e sugiro que exerçamos o nosso direito de voto, de grande importância para nosso futuro nesse novo e difícil mundo. 

(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores)

Categoria:  Instituições Psicanalíticas 

Palavras-chave: IPA, Formação, Cultura, Responsabilidade do analista

Imagem: Foto de Freud com suas esculturas, peças preferidas de sua coleção de antiguidades egípcias, cretenses e gregas. Um caldo de cultura que unidas aos livros foram fonte de nutrição para ele, no desenvolvimento de suas ideias.

Colega, click no link abaixo para debater o assunto com os leitores da nossa página no Facebook:

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Observatorio Psicoanalítico – OP 373/2023
 
Ensayos sobre acontecimientos sociopolíticos, culturales e institucionales en Brasil y el mundo.
 
Ser responsable como miembro de una asociación psicoanalítica
 
 Daniel Delouya – SBPSP
 
Es sorprendente el desconocimiento que tienen muchos miembros de la IPA sobre el papel y el funcionamiento de la asociación que les acoge. Más aún cuando son conscientes del esfuerzo y la inversión que cada uno realiza para ser miembro de esta asociación. Sin embargo, pocos desconocen el núcleo de lo que constituye la razón de su fundación y que concierne a los principios que guían la formación analítica.
 
Sabemos que esta asociación se inauguró en 1910, y que hace unos cien años se establecieron las reglas de la formación analítica para proteger el psicoanálisis de los charlatanes. Que el alma está regida por el inconsciente, que se accede a él a través del método inaugurado por Freud. Estas son, en resumen, las constataciones que han justificado el establecimiento de un programa de formación analítica y que, sin embargo, no dejan de inquietar, de ser cuestionadas, criticadas y de generar disputas en el seno de cualquier grupo de analistas.
 
¿Cuáles serían las medidas que mejor favorecen la eficacia del acceso al inconsciente en el trabajo analítico?
 
Estas medidas serían de naturaleza empírica para alcanzar un universo de otro orden: la relación entre la sesión de análisis, la disposición de los cuerpos, la frecuencia de los encuentros, etc., y el inconsciente. En otras palabras, se trata, en definitiva, de la relación entre el mundo de la percepción, de los llamados restos diurnos, por un lado, y el universo de representaciones inconscientes que se pretende alcanzar, por otro, poniéndolo al servicio del enriquecimiento del yo. Recurro al modelo inicial extremadamente simplificado que se encuentra en el descubrimiento original de Freud, donde la frecuencia de los encuentros desempeña un papel fundamental, ya que propicia, de forma similar a las condiciones controladas de un laboratorio, entrar en un estado en el que la censura y la vigilia disminuyen, favoreciendo una condición próxima a la del sueño…

Sí, es cierto, pero no toda la verdad, ya que hay otros factores aún más preponderantes que están en cuestión, como las defensas y resistencias de cada uno de los sujetos de la pareja analítica. Otro aspecto, relevante en nuestro tiempo, es en cuanto a la presencia corporal, ya que una llamada telefónica, o en línea, vía cámara o teléfono, pueden ser -y así lo han demostrado en la pandemia- bastante eficaces para este campo de escucha, sin dejar de tener en cuenta la singularidad de la naturaleza psíquica de los sujetos implicados. Estas opciones, con su variabilidad, deben someterse al examen riguroso de la metapsicología como órgano e instrumento de observación clínica. Y no como defensas paranoides de nuestro yo institucional, comprometiendo el trabajo analítico.
 
Prefiero limitarme, aquí, a algunos aspectos esenciales, porque la cuestión principal se refiere a la posibilidad de la escucha como forma de reforma y engendramiento del sujeto, de su cura. Este eje de la escucha se convirtió en el centro de la preocupación de Freud cuando tomó conciencia de las condiciones de vida en la posguerra, cuando sus discípulos se apresuraron a encontrar medios técnicos más cortos y activos de curación, socavando las condiciones necesarias para la escucha. Lo mismo ocurrió en los numerosos intentos posteriores a la Segunda Guerra Mundial, cuando muchos de sus discípulos se embarcaron en diversas opciones, ya fueran conductistas o existencialistas y humanistas, generando numerosas propuestas y escuelas que se alejaron de la escucha psicoanalítica. Estos intentos continúan en nuestros días, baste mencionar las terapias cognitivo-conductuales y las que están en curso, que pretenden hacer uso de técnicas llevadas a cabo por robots y sus metaversos compuestos de sofisticados algoritmos.
 
Consideraré ahora una dimensión que parece crucial para nuestro tema.
 
Me refiero al universo de representaciones inconscientes que se pretende alcanzar en el trabajo analítico. Este se ancla en el universo cultural, su historia y estructura, y que se alía al mundo contemporáneo de la cultura con el lugar que el sujeto ocupa en la comunidad, en el tejido social y en el escenario político. Recuerdo el inmenso esfuerzo que Freud dedicó desde su llamada primera tópica y hasta el final de su obra en cuanto a los efectos de la naturaleza de la cultura, su dinámica y sus impactos en los sujetos que la componen y que actúan en ella. Hoy, en 2023, celebramos, junto con Febrapsi y su próximo congreso, el centenario del libro de Freud “El yo y el ello”. Ya al principio del libro, Freud vuelve a tangenciar el momento inaugural de su “Proyecto de una psicología” de 1895 al afirmar que una parte considerable del Yo es inconsciente pero no reprimida. Si Freud asemeja el territorio del Yo a una especie de cementerio, de investiduras abandonadas, reprimidas, y por tanto, residentes mnémicos fruto de investiduras e identificaciones primarias y sus sustitutos, éstos despiertan, como en el “Proyecto”, para dialogar con sus pares de percepción de la vida de vigilia, al servicio de pensar y juzgar, cumpliendo representaciones, metas de acción para lidiar con la vida cotidiana.

¿Qué sería, entonces, lo no reprimido del Ser? Su postulación subvertiría todas las perspectivas del tratamiento analítico, ya que escaparía a la “colaboración” en la fábrica de sueños, entre percepciones y representaciones movilizadas en el eje de la vía de la escucha, entre paciente y analista. Y, de hecho, lo que es inconsciente y no reprimido puede ser, muy probablemente, reportado a esta nueva acción psíquica, que Freud señala en su ensayo sobre el narcisismo y que corta el yo de los otros, desligándolo, separándolo; es decir, no se trata del acolchado mnémico, sino de la constitución de sus bordes, de sus fronteras. En el artículo de 1914, esta acción se debe al amor ideal de los padres, del niño especular, que se ha perdido a los ojos de sus propios padres y que se intenta recuperar a través del bebé, lo que culmina en el fracaso, en la realidad de una satisfacción plena nunca alcanzable. Este es el régimen imaginario, del ideal, el núcleo del superyó, donde el sujeto se esfuerza por volverse propicio, inicialmente a los ojos del otro, del adulto, y luego en la cultura, midiéndose con los ideales que se le imponen. Lo que nos devuelve a los orígenes de la obra – y al libro siguiente, “Inhibición, síntoma y angustia”, donde el desamparo de los comienzos aparece como una convocatoria, como la “fuente de todos los motivos morales” del adulto, desencadenando en él ese “valor compasivo” de conceder al recién nacido un lugar en el mundo.
 
Solemos centrarnos en el segundo valor, el de la conducción, destacado por Freud y que concierne a los subsidios para la constitución de la morada, del tiempo, es decir, del lenguaje, de la denominación de los movimientos del bebé. El lenguaje transforma partes de las incitaciones hipocondríacas, originadas en el estado de desamparo, efectuando una desviación de las funciones vitales, generando, por la vía regresiva de la escucha en el adulto -a través de su ensueño- las pulsiones, los precursores de las referencias autoeróticas, sus representaciones y sus vías mnémicas en amplificación. Sin embargo, el estado de desamparo nunca es superado, salvo en la muerte, y su tensión con el lenguaje, frente a la necesidad de separarse y constituirse como sujeto, termina por plantear ese universo del ideal cuyo origen es imaginario y especulativo, y el desamparo remite a la cosa, a un anhelo inalcanzable, que es nombrado por Lacan como lo Real. Los ideales son por lo tanto una promesa de amor, inicialmente de los padres, y luego de la cultura, y que en algún momento, cumpliéndolos nos volvemos propicios, merecedores de un lugar cautivo en el mundo. Sin embargo, nos tientan, nos sabotean, ya que su exigencia es infinita, ya que cambian continuamente en un sin fin más exigente…

Freud pensaba que la negación como destino de las pulsiones reprimidas,  la desexualización, la identificación, la reversión afectiva o la sublimación, que se efectúan por exigencias culturales, erosionan las adquisiciones del lenguaje, de la infancia y del placer, deshilachando la unión pulsional en su afán erótico constructivo de masoquismo erógeno, revirtiéndolas a favor del predominio de la pulsión de muerte o a la búsqueda de vías de escape de la misma por diversas vías de narcotización, masoquismo moral, búsqueda de religión, de refugios fanáticos, etc. Lacan, en cambio, pensaba, ayudado por una aprehensión monista de la pulsión -como de muerte y sexual, enteramente justificable dentro del proyecto freudiano-, que el sujeto es capaz de desvestirse de identificaciones ideales, de des-subjetivarse, de des-ser, y de encontrar ‘nuevos amores’, tal vez a través del “sinthome”, para asumir el mismo, ‘faire-avec’.
 
¡Genial! ¡Sí, en el campo de la curación! Este camino es importante, pero la destructividad de las exigencias culturales y sus malestares se confirman cada vez más y demuestran la insuficiencia del trabajo analítico privado. Exigen que el psicoanálisis y los psicoanalistas se sitúen en relación con la enfermedad progresiva de la cultura. El propio Lacan contribuyó mucho a elucidar, a través de sus matemas, el foco de atracción del discurso universitario y de su derivado letal, el discurso capitalista.
 
Cuando hablo, en la estela de Freud, de la insuficiencia de la sesión de análisis y de la necesidad de cuidar la cultura, ya que no previene sino que promueve la destructividad, me refiero a la vulnerabilidad humana derivada del desamparo, y a que el psicoanálisis ha inventado un instrumento (“hablar lo que se nos ocurra”) que restaura la polis, la democracia en el régimen intersubjetivo, que hay que proporcionar a la comunidad especialmente a la población marginada social y económicamente, así como a la afectada por guerras y migraciones. Lo mismo se refiere a la inserción de las minorías políticas, afectadas por el racismo, dentro de nuestras instituciones psicoanalíticas para restaurar, en parte, el daño y las injusticias históricas con ellas.
  
Pero eso no basta. Es necesario acudir al campo político como todo aquello que rige nuestra cultura. Y, en este sentido, es necesario reformar nuestros seminarios incluyendo en ellos estudios culturales de la contemporaneidad para tratar y comprender los efectos del capitalismo de vigilancia de nuestro tiempo vigilado por la informatización y la virtualidad regida por los sofisticados algoritmos de las empresas modernas, que nos embarcan en una especie de narcotización omnipotente nociva, asfixiando el alma en aras de la promesa ilusoria del dominio total de la vida y de la muerte. Lo mismo ocurre con las amenazas sobre el medio ambiente y la Tierra, irrespetados por el capitalismo. Problemas que acechan la historia del futuro, retratados en el excelente libro de N. Harari con el mismo título y que en portugués ganó el subtítulo de “Homodeus”.

Estas cuestiones y su orientación para los encuadres de la escucha en el espacio analítico, así como nuestro papel en la cultura, se están deliberando en los órganos democráticos de nuestra Asociación Internacional. La Junta Directiva de la IPA está formada por representantes de las tres grandes regiones del mundo occidental, América del Norte, América del Sur y Europa, cada una de las cuales elige a siete representantes, mientras que Asia sólo elige a uno. Junto con su presidente, vicepresidente y tesorero -los tres también elegidos por todos los miembros de la IPA- deliberan sobre todos los asuntos y trazan líneas de actuación en relación con ellos.
 
Pido y sugiero que ejerzamos nuestro derecho al voto, de gran importancia para nuestro futuro en este nuevo y difícil mundo.
 
(Los textos publicados son responsabilidad de sus autores)
 
Traducción: Laura de Posadas Veríssimo (APU)
 
 Categoría: Instituciones Psicoanalíticas
 
Palabras clave: IPA, Formación, Cultura, responsabilidad del analista
 
Imagen: Foto de Freud con sus esculturas, piezas predilectas de su colección de antigüedades egipcias, cretenses y griegas.  Un caldo de cultura que junto a los libros fueron fuente de nutrición para él, en el desarrollo de sus ideas.
 
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Tags: Cultura | formação | IPA | Responsabilidade do analista
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