Observatório Psicanalítico – OP 363/2023

Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo

O incrível presidente que encolheu

Augusta Gerchmann  e Cesar Augusto Antunes  (SBPdePA)

Ao vermos as cenas na Praça dos Três Poderes, ocorridas em 08 de janeiro de 2023, rapidamente fomos invadidos pela perplexidade diante de atitudes tão distantes dos princípios humanitários e sociais que deveriam reger o ser em sociedade. Na tentativa de acolher e compreender os processos postos em ação pela barbárie que se desenrolava na capital do Brasil, lembramos um filme da infância, ainda em preto e branco, mais exatamente dos anos 60, “O Incrível homem que encolheu”. A cena relembrada simbolizava muito o que se passava em Brasília: um homem minúsculo, quase microscópico, agarrado a um lápis, tentava evitar se afogar e ser carregado pela correnteza formada pela água de uma simples torneira.  Frustrado pelo seu tamanho e pelas circunstâncias envolvidas, via-se arrastado num oceano infinito, para ele, mas que correspondia, para um observador, ao volume equivalente a pouco mais do que um copo d’água.

Diferentemente do filme, “O Incrível presidente que encolheu” nunca foi muito grande. A mediocridade e a indiferença em relação ao próximo sempre o impediu de crescer e ser capaz de ter alguma empatia com o semelhante. Os que o cercavam, por sua vez, acreditando em suas meias verdades, ou mentiras estrategicamente fabricadas, as reproduziam como eco em sua paixão por Narciso. Mentiras que eram, então, repetidas de forma incessante e do modo como Goebbels apregoava: “repita uma mentira muitas vezes e ela acabará sendo uma verdade”.

Nosso personagem, o pequeno presidente, tinha um traço marcante, era um antepático, ou seja, nem simpático nem antipático, mas apresentava uma proverbial incapacidade de se colocar no lugar do outro. Era um ser onde os poucos recursos mentais faziam dele um predestinado. Estava predestinado a uma vida sem gravidade, invisível e irrelevante. Porém, as rodas da fortuna, um nome imponente e cegos seguidores acabaram por fazê-lo acreditar que seria um novo Messias.  

Neste ponto, podemos refletir que há também messias do caos, como se afigura o nosso personagem.

Uma série de conjunturas conduziram-no – como a um náufrago agarrado a um lápis ou a uma caneta, e uma instintual capacidade de adaptação e sobrevivência – ao destino de ser eleito presidente do país.

Em circunstâncias normais, em um país regido por valores de sociabilidade, cultura e democrático, nosso personagem não teria nenhuma chance, mas eram tempos medíocres, de pessoas medíocres, tempos de influencers, de redes de divulgação de imbecilidades e lugares comuns. Além disso, em mais um golpe de sorte – se é que para o país poderíamos chamar de sorte -, ele sofreu um inexplicável atentado que a grande massa anônima e sem capacidade de pensamento rapidamente tomou como um sinal divino.

Mais do que eleito, foi quase canonizado, era o escolhido, era o “neo” desta matrix conservadora e idiotizada pela mídia. Daquele momento em diante, tornou-se maior do que jamais poderia ter sido, parecia, para tantos, um gigante, apesar dos pés de barro.

Achou-se autorizado, pelas circunstâncias e por uma horda primitiva, a se comportar como suas reações medulares o faziam agir, ou melhor, reagir. Era uma espécie de “pata galvanoscópica”.  Palavrões e ataques misóginos ou homofóbicos faziam parte do seu dia a dia; às vezes isto desaparecia para ceder lugar a um ser que vivia se divertindo andando de moto sem capacete, em oposição aos ditames da lei, ou a passear de jetsky em áreas de preservação ambiental, como se rei fosse.

Quando era instado a ser um estadista, mostrava-se perplexo e desorientado, parecia alguém a pedir que fizessem o favor de tirá-lo daquele lugar. Ser um presidente era alto demais para o seu pequeno tamanho, e isto fez com que retomasse seu tamanho original, e mais do que isto, encolhesse para mais aquém do tamanho que sempre tivera.

Antes do final do seu mandato, fugiu, sumiu, tomou doril, sabe-se lá.

Mas os crentes de sua conduta messiânica ficaram em uma viuvez chorosa, onde, na ausência de seu líder, rezavam para pneus, agarravam-se a para-brisa de caminhões, mandavam mensagens em código morse para extraterrestres, suportavam chuvas e trovoadas, chacotas e descasos, até que a revolta medíocre lançou-os em uma aventura sem volta na história nacional: invadir as sedes dos poderes da república. Nesse contexto, nosso anti-herói saiu do panteão dos líderes da nação para um personagem da história do Brasil, o bobo da corte, sem nenhuma criatividade, inteligência ou competência que não a de comandar a destrutividade em nosso país. Assistimos hoje, como foi demonstrado ao longo de sua gestão, à sua inabilidade e ignorância quanto à compreensão e relevância dos princípios democráticos; seus seguidores, ao invadirem as casas dos três poderes, atacaram obras de arte históricas que simbolizam a cultura de nosso povo. Este gesto ressalta a vitória, por alguns instantes, da barbárie sobre a civilização.

O primitivismo que habita o ser humano foi despertado e encorajado por esse líder sem valores culturais, éticos e estéticos, sobre aqueles que foram crentes ou coniventes com mentiras que lhes pareciam verdades. Não fosse assim, não teriam quebrado e queimado obras tão valiosas, como sabemos ter ocorrido com as obras de Freud, em passado não tão distante e que se repete agora com o acervo artístico do Congresso.

Como defendemos em artigo para a revista da Febrapsi, “somos levados a supor que o ódio é uma expressão primária do aparelho psíquico, ou seja, o ódio é a destrutividade externalizada e ligada ao objeto primário.  O ódio é o mais próximo que se pode chegar do que seria a destrutividade em estado bruto, porque o ódio é ligação com o objeto, é a expressão da frustração inerente a todo desejo, à medida em que o objeto, por mais que dê, não pode dar além de sua própria capacidade que nunca corresponde a expectativa que o outro tem dele”.

Este minúsculo homem deixa a presidência para ocupar aquilo que chamamos de “a lata de lixo da história”, a história dos apequenados pelas suas arrogâncias.

(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores)

Categoria: Política e sociedade

Palavras-chave: Barbárie, Destrutividade, Ódio, Falsidade, Mediocridade

Imagem: Pintura Di Cavalcanti, “As Mulatas” (1962)

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Tags: barbárie | destrutividade | Falsidade | Mediocridade | Ódio
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