Observatório Psicanalítico – OP 355/2022

Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo

Nascimento e morte do herói

Gley P. Costa (SBPdePA)

Escrito pelo polonês Jurek Becker, o romance Jakob, o mentiroso, é considerado uma das obras-primas da literatura sobre o Holocausto. Na contramão da trágica experiência vivida com a família durante o nazismo, numa típica narrativa da tradição judaica, Becker criou uma história bem-humorada e de refinada beleza, cujo personagem se tornou herói porque inventou receber comunicados frequentes do front, segundo os quais os russos estavam se aproximando e, com eles, o dia da libertação do gueto. Embora a história fosse improvável, ele era diariamente induzido pelos companheiros a manter a mentira, com a qual alimentavam a esperança de escapar da morte.

Ao conceber um personagem sem méritos, quase um imbecil, Becker desmascara com rara inteligência e criatividade a verdadeira motivação do surgimento do herói, assim como descortina o seu destino: tornar-se escravo dos anseios do seu criador, sob a pena de cair no esquecimento ou mesmo em desgraça. Por conta disso, os heróis encarnados costumam ter vida curta. Permanecem os heróis da fantasia. 

A noção histórica de herói é essencialmente da mesma natureza do mito: eles nascem juntos nas tragédias através de falaciosas façanhas de salvação frente a um inimigo real ou imaginário, não raro criado com o objetivo de despertar o medo na população de vir a ser subjugada ou destruída. No mundo moderno, Hitler, Stalin e Mussolini não foram os únicos exemplos, e estamos sempre expostos ao surgimento de novos heróis, nem sempre apenas imbecis e, até certo ponto bondosos, como o personagem de Becker, mas dotados de uma mente obstinada, cujas ações revelam uma mente megalômana com arroubos autoritários, típica das personalidades paranoides.

De acordo com esta linha de pensamento, cabe por fim considerar a relação desse modelo de líder com a massa, a qual se baseia num processo de identificação mediante o qual a massa se torna um sintoma do líder, configurando uma psicose coletiva. Estabelecida esta condição, em algum momento pode ocorrer o descontrole da agressão, gerando uma escalada de violência. Lamentavelmente, como disse Freud, “em todas as épocas da humanidade, nunca faltaram loucos que desempenharam grandes papéis” (Thomas Woodrow Wilson: um estudo psicológico 1931).

(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores) 

Categoria:  Política e sociedade

Palavras-chave: Nazismo, Medo, Violência, Política, Psicanálise.

Imagem: Ares, Deus da Guerra.

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Tags: Medo | Nazismo | Política | Psicanálise | violência
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