Observatório Psicanalítico – OP – 331/2022 

Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo 

FEBRAPSI e a Defesa do Estado Democrático de Direito

Hemerson Ari Mendes  (SPPel)

É estranho, no sentido do conceito freudiano, que nossa sociedade precise mobilizar-se para defender a democracia. Na semana que a “Carta aos brasileiros e às brasileiras em defesa do Estado Democrático de Direito” (Faculdade de Direito da USP) ganhou as manchetes e trouxe uma grande mobilização da sociedade civil, cabe ressaltar que há alguns anos a FEBRAPSI está atenta e tem se manifestado em defesa dos pilares da democracia e, por conseguinte, das adequadas condições para o exercício da psicanálise, do pensar … e do viver. 

Há quatro anos, no dia 08/09/2018, após o então candidato à presidência  Jair Bolsonaro sofrer um atentado, escrevemos o manifesto: “Quando a violência ocorre contra qualquer candidato, todos nós somos atingidos.

Temos uma incipiente democracia. Ainda longe do ideal. Mas é o melhor que conseguimos até aqui. Eleições são os pilares que sustentam esse sistema, e uma das maneiras de aperfeiçoá-lo. O atual processo eleitoral é atingido por posições e reações extremadas. Nossos políticos têm abusado de discursos maniqueístas, o que estimula o ódio e seus consequentes desdobramentos. Em algumas situações, parece que o próprio processo democrático é utilizado para fins que não se coadunam com a democracia. (…)

Quem é democrático é contra o discurso violento, assim como também é contra qualquer gesto violento. O democrático é contra a violência e a favor do diálogo. Quando a violência, física ou verbal, ocorre contra qualquer candidato, todos nós somos atingidos e a democracia perde para a barbárie. A FEBRAPSI repudia esse tipo de ataque. Entende que ele retroalimenta a violência e oferece justificativas para novos ataques contra a democracia, seus defensores e até seus detratores.” 

Em outubro do mesmo ano, entre o primeiro e o segundo turno, novo manifesto: “Democracia, sim!” Nele já se evidencia a presença de questionamentos golpistas em relação ao resultado do processo eleitoral: 

“A FEBRAPSI, em tão importante momento, não foge ao seu papel. Ela é Democracia! Sem que isso implique uma negação dos seus problemas e limitações.

Como casa de intelectuais, por meio do Observatório Psicanalítico, a Febrapsi abre espaço para que pontos de vistas sejam defendidos, debatidos, rebatidos, questionados. Isso com as devidas responsabilidades pessoais pelas opiniões emitidas e pelo respeito ao direito de contraditórios. Seria estranho se nesse momento não tivéssemos divergências entre nós.

Cabe a cada um defender suas convicções. Como instituição, defenderemos o sagrado resultado da subjetividade expressa pelos votos de cada um.” 

Em março de 2019, novo manifesto, agora “em relação às comemorações do aniversário do golpe militar de 31 de março de 1964, que iniciou o período de 21 anos de ditadura no Brasil, a FEBRAPSI vem a público manifestar-se em favor da verdade e da democracia.

A FEBRAPSI se solidariza e parabeniza o povo brasileiro por sua incessante luta pela democracia.

Apesar de jovem e de ter sofrido vários ataques e duros golpes, a democracia brasileira vem se fortalecendo. Os brasileiros têm se tornado cada vez mais conscientes de que a soberania tem que ser exercida pelo povo.

É função da psicanálise lutar pela busca e manutenção da verdade e rechaçar qualquer ação contra a humanidade.

Há valores fundamentais numa sociedade que vão além de qualquer posicionamento partidário ou ideológico.  Precisamos continuar lutando, sem descanso, pela liberdade, justiça e igualdade.”

Em maio de 2020, com o progressivo agravamento da situação sanitária, entre outras questões, a declaração de que “A Federação Brasileira de Psicanálise – FEBRAPSI, afinada com os Direitos Humanos, com os princípios e garantias constitucionais que nos regem, vem a público manifestar seu repúdio e preocupação com a gravidade do momento atual, no qual assistimos reiteradas manifestações em prol de um estado totalitário em detrimento do Estado Democrático de Direito.

A vida e a Psicanálise requerem um ambiente de liberdade democrática para que possamos nos sentir existindo com dignidade. Temos o compromisso histórico, ético e social de preservar este ambiente tão duramente conquistado.”

Ao longo dos últimos anos, o Observatório Psicanalítico, através de diversos interlocutores, pensa, debate e problematiza as constantes ameaças à democracia. Em “Antes do veneno do cálice derramar” (OP 264/2021, publicado em 27/08/21) entre outras questões, após descrever a invasão do Capitólio dos correligionários golpistas e comentar o importante posicionamento da Associação Americana de Psicanálise (APsaA), questionou-se qual seria o posicionamento mais adequado da FEBRAPSI frente aos acontecimentos que se insinuam. Freud em resposta à provocação de George Viereck, na qual este último insinua que “a psicanálise desperta em todos aqueles que a praticam o espírito da caridade cristã. Não há nada na vida humana que a psicanálise não nos permita entender. Tout comprendre c’est tout pardonner”, isso antes do mesmo tornar-se o defensor do regime nazista. A resposta enfurecida foi singular: “a psicanálise não apenas nos ensina o que temos que suportar, ela também ensina o que temos que evitar. Ela nos diz o que deve ser eliminado. A tolerância do mal não é, de maneira nenhuma, uma consequência do conhecimento.” 

Tanto nas diretrizes para atual gestão, enviada a todas as federadas, como no discurso de sua posse, fomos categóricos em relação ao nosso posicionamento: “defendemos as premissas estatutárias de uma FEBRAPSI apartidária; mas, também, entendemos que não devemos confundir apartidarismo com a omissão frente a ataques à democracia, aos direitos humanos e à ciência”.  

Não podemos ser arrastados para uma discussão diuturna, ao melhor estilo briga de rua, na qual não somos, nem pretendemos nos especializar. Também não queremos banalizar a importância dos nossos manifestos. Mas este breve histórico mostra que há muito estamos atentos e percebendo as ameaças. 

Entendemos perfeitamente a “Carta aos brasileiros e às brasileiras”, inclusive a designação “em defesa do Estado Democrático de Direito”, que a aponta para todo o sistema, com seus pesos e contrapesos e constitucionais espaços para discordâncias, oposições, questionamentos. Apenas a palavra democracia parece não ser suficiente, haja vista estar conspurcada por peculiares narrativas que paradoxalmente a utilizam para a ameaçar e justificar um movimento golpista.   

A FEBRAPSI seguirá atenta e na posição que historicamente tem construído, coerente com seus posicionamentos históricos.

(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores) 

Categoria: Instituições Psicanalíticas 

Palavras-chave: FEBRAPSI, Democracia, Psicanálise, Processo Eleitoral e Defesa do Estado Democrático de Direito. 

Colega, click no link abaixo para debater o assunto com os leitores da nossa página no Facebook:

https://www.facebook.com/252098498261587/posts/pfbid02VgG7Va5Nek42wkg2irHi1NK3uKLar7yCBRAFDNFT7PhVJtyRwZUpw1g9B4Ecusvol/?d=n

Tags: democracia | FEBRAPSI | Processo Eleitoral e Defesa do Estado Democrático de Direito | Psicanálise
Share This