Observatório Psicanalítico – OP – 318/2022 

Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo

Nise da Silveira e a homenagem do veto!

Hemerson Ari Mendes (SPPel)

O veto presidencial à inscrição de Nise da Silveira no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria é Estranho. Sim, em maiúscula como no conceito apresentado por Freud em sua obra homônima. Existe uma condensação de contraditórios: é um despropósito frente à relevância do trabalho/biografia da homenageada, ao mesmo tempo que coerente com a peculiar lógica de quem vetou; insinua-se que sua história seja dissonante com os ideais do Estado Democrático, numa alusão à sua ligação ao Partido Comunista e, assim, veta-se a inscrição do seu nome no Livro no qual está o ditador que a manteve presa por dezoito meses, após receber a denúncia de que ela tinha livros marxistas. Tudo absurdamente coerente: a homenageada é conhecida, o Livro, desconhecido, passa a ganhar notoriedade após o veto. Muito Estranho! E, como nos ensina o conceito, conhecido.  

A obra de Nise a inscreve na História, provavelmente ela não se sentiria à vontade na companhia de alguns dos “heróis” do  referido Livro: muitos deles  já inscritos – e outros tantos que aguardam na fila – são guerreiros de natureza diferente, suas armas eram, de fato, armas. 

Por mais que seja absolutamente legítima a sua nomeação e uma lástima o maniqueísmo no qual se baseia o veto, é desnecessário defender sua inclusão. A biografia de Nise da Silveira está acima da opinião circunstancial de um governante, nada mais emblemático e significativo do que este veto, que talvez fosse considerado por ela como uma grande homenagem. Afinal, “apesar do veto, amanhã há de ser outro dia”!

Nise utilizou a arte como expressão para as profundezas da alma, oxigenando os porões mantenedores do sofrimento. Aboliu dos “tratamentos” das doenças mentais os instrumentos associados às prisões e à tortura. Lutou pela vida, inclusão e liberdade.

No momento em que chacinas são utilizadas como higienizadoras sociais, banalizadas e, paradoxalmente, legitimadas, o veto, de fato, impõe-se como uma tentativa de negar e autodenunciar a opção pela barbárie. Como nos ensina Shakespeare, em Hamlet, “embora seja loucura, há nela certo método”.

A página do Diário Oficial, que traz a recusa presidencial ao nome de Nise da Silveira como uma de nossas heroínas, deveria ser emoldurada e colocada na entrada do Museu de Imagens do Inconsciente, outra criação da nossa homenageada. Certamente, no futuro, será uma das imagens a ajudar a entender as entranhas de um período muito Estranho.

O veto, repito, embebido na ignorante humanidade do ódio, é a maior homenagem que a biografia de Nise da Silveira poderia receber. Corajosamente, ela sentenciou: “todo mundo tem um pouco de loucura”. Mas, também, ofereceu a solução: “vou lhes fazer um pedido, vivam a imaginação, pois ela é a nossa realidade mais profunda”. No momento, fiquemos com a imaginação…

(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores) 

Categoria: Homenagens 

Palavras-chave: Nise da Silveira, veto, estranho, inconsciente, doenças mentais

Imagem: Nise em exposição no Museu de Imagens do Inconsciente, em 1966. Divulgação/Assessoria de Imprensa do CCBB. Rio de Janeiro. 

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Categoria: Homenagens
Tags: doenças mentais | estranho | inconsciente | Nise da Silveira | veto
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