O Bezerro de Ouro do Ministro
Valton de Miranda Leitão (SPFOR)
É possível analisar um mentiroso?
(Bion)
O Brasil vive um dos momentos mais vergonhosos da sua história com a sangria do dinheiro público no Ministério da Saúde, no Ministério da Educação e no Orçamento da República. O orçamento secreto controlado pelo centrão, o bilionário orçamento da saúde manipulado por militares e agora o também bilionário orçamento da Educação, controlado por pastores evangélicos aparelhados para fins eleitoreiros, usando extraordinárias somas de dinheiro público, exibem uma degradação moral sem precedentes.
A CPI da Covid já tinha escancarado a corrupção governamental no Ministério da Saúde, enquanto o segredo na manipulação orçamentária já é a própria corrupção, mas o desvio de somas milionárias por religiosos é algo chocante. As religiões sempre avocaram para si o privilégio do controle e disseminação da moral social. Evidentemente, não se deve confundir a degradação de alguns pastores evangélicos alojados no MEC com o conjunto dos crentes que não participam nem aprovam tal comportamento.
A minha crítica aqui, portanto, seria a mesma se os atores políticos, obedecendo ordens da Presidência da República, fossem católicos, budistas ou maometanos.
O objetivo precípuo da ideologia bolsonariana de colocar pastores evangélicos à frente do Ministério da Educação é, segundo eles, combater o marxismo cultural que grassaria na pedagogia brasileira e nas universidades, disseminando o ateísmo, as perversões sexuais e a depravação dos costumes. É com essa bandeira do moralismo enviesado que estes “santos homens” palacianos fundariam uma nova ética!!!
Freud, no seu artigo “Moisés e a Religião Monoteísta”, e também sobre “O Moisés de Michelangelo”, mostra como a adoração do bezerro de ouro pelo povo hebreu provoca a ira de Moisés, levando-o a quebrar as tábuas da Lei, significando a ruptura da aliança entre seu povo e Javé (Deus). A teologia da prosperidade, que é um dos ramos do luteranismo, cai na mesma armadilha ao misturar politicagem com ouro (dinheiro), pois as somas desviadas seriam para construir igrejas em municípios previamente escolhidos.
A inquisição católica, que matou milhões de mulheres acusadas de bruxaria e homens de heresia nos séculos XIV e XV, também desenvolveu sua teologia no Malleus Maleficarum, obedecendo à bula papal de Inocencio VIII. Assim, nenhuma teologia protege contra a pulsão de morte que habita o homem. A crença é também examinada por Freud nos livros “O Futuro de uma ilusão” e “Mal-estar na Civilização”, nos quais o criador da psicanálise mostra sua descrença na condição humana para o convívio solidário, pois quando agrupados em coletividades ou nações, dividem-se em grupos narcísicos menores, cada um proclamando sua superioridade moral e intelectual sobre o outro.
As guerras de religião nos séculos XV e XVI não foram menos cruéis do que todos os outros combates já travados pelo homem, desde o seu surgimento na Terra, há um milhão de anos. O terrorista mata o “infiel” acreditando estar identificado com o seu deus, e dessa maneira o princípio bíblico de amarás ao teu próximo como a ti mesmo e não matarás, torna-se palavra morta. O pessimismo de Freud não resulta de um conflito pessoal, mas do exame dos fatos, tanto no psiquismo humano quanto na história do seu desenvolvimento sociológico e antropológico.
A reflexão sobre a cultura levou-o à criação do mito da horda primeva, no qual os filhos matam o pai, comem sua carne e bebem o seu sangue, desenvolvido em “Totem e Tabu”. Essa condição trágica do homem que está sempre fazendo guerras e criando artefatos cada vez mais poderosos de destruição vai também ser tematizada em “Psicologia do Grupo e Análise do Ego”.
O mito de Narciso é outra grande contribuição da mitologia para a compreensão do funcionamento mental humano. A criatura humana presa no narcisismo não pode contemplar com amor o rosto do outro ser humano, pois o espelho que os separa tem dupla face, e assim, a sociedade fraterna ou a paz perpétua jamais podem ser alcançadas. É por este motivo que esta criatura arrogante, conforme a teorização de Bion, está sempre inventando mentiras para acusar seu semelhante.
A guerra político-religiosa, levada a cabo por esta ‘burrice erudita”, mina as fontes do saber e enfraquece a produção do pensamento crítico. Atualmente, a política de extrema direita apossou-se da mentira robotizada e do ódio como instrumentos políticos para atacar o “inimigo”. Dessa maneira, debaixo do guarda-chuva do narcisismo se abriga a paranóia, impedindo que a equação narcisismo versus social-ismo de Bion possa pender para o lado amoroso do binômio.
(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores)
Foto: Escultura “Vaca Magra” (2021) instalada em frente a Bolsa de Valores. Intervenção de cunho social desenvolvida pela artista cearense Márcia Pinheiro.
Colega, click no link abaixo para debater o assunto com os leitores da nossa página no Facebook:
https://www.facebook.com/