Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo.
A EMOÇÃO NO ATO
Vanessa Figueiredo Corrêa (SBPSP e do GEP São José do Rio Preto e Região)
capturar
a emoção
no ato
antes que
a razão
a rapte
(Vanessa F. Corrêa)
Fiquei alegre, igual criança, vendo um monte de gente que eu gosto tratando de temas que me são caros no Congresso da Febrapsi. Fingi até que era presencial e mandei mensagens de WhatsApp para bater um papo com quem tinha mais intimidade, depois das discussões. Faltaram os jantares e os brindes, claro. Também sofri igual criança, quando soube, pela internet, da notícia de que o escritor Jeferson Tenório tinha recebido, no dia anterior, ameaças de morte racistas, e depois, quando soube que ele não participaria mais do Congresso. E em homenagem a ele e a todos os escritores que já tentaram silenciar, senti uma enorme necessidade de escrever.
Na mesa da qual Jeferson participaria, “Observatório Psicanalítico: a escrita na construção do laço social”, Cláudio Eizirick falou que quem escreve deve sobretudo gostar de escrever, e eu, que às vezes gosto de escrever, pensei: para gostar de escrever é preciso ter um interlocutor. É preciso um leitor introjetado a quem se possa agradar ou com quem desejamos brigar, para escrever é preciso não estar órfão.
Este interlocutor interno não é estático, não é fácil: às vezes ele aparece e escrevemos enxurrada de palavras no meio da madrugada, às vezes ele pode ficar anos sem aparecer e ficamos secos. Mas quem tem necessidade de escrever procura o interlocutor o tempo todo, e flerta com ele nas oportunidades mais banais, mas também nas ocasiões importantes em que alguém precisa denunciar e correr riscos. “Escrever é perigoso”, como foi dito pela Beth Mori. Porém é um ato de resistência, uma necessidade, ressaltada pela fala potente e poética da Raya Zonana.
O assunto me remete às discussões em outras mesas: Lúcia Palazzo e Julio Gheller na sessão “diálogo”, ao discutir sobre “psicanálise e política: analista neutro?” retomaram o histórico de silenciamento dentro da psicanálise em relação à política e às questões sociais que perdurou por mais de 20 anos e que ainda está presente, representado pela síntese: “isso não é psicanálise”.
Ambos, Lúcia e Julio, relembraram o grave silenciamento das instituições psicanalíticas sobre a situação do torturador, a serviço da ditadura, Amílcar Lobo, médico tenente da polícia militar, aluno em formação da Rio 1, SPRJ, de 1971 a 1974. O caso foi denunciado pela psicanalista Helena Bresseman Vianna, que sofreu retaliações e relata os detalhes da censura no livro “Não conte a ninguém”, obra hoje pouco divulgada e desconhecida pela maioria dos jovens analistas.
Assim como em outros espaços, nesta mesa se ressaltou a urgência das ações afirmativas de combate ao racismo com a inclusão de negros e indígenas na formação psicanalítica. Também foi destacada a importância do Observatório Psicanalítico (OP) como instrumento para exercício da democracia. Estas falas provocaram Wania Cidade a perguntar no chat por que então usamos tão pouco o espaço do OP para pensarmos as nossas instituições.
Caminhando com a Wania, chego à sala “O Continente”, em que Beth Mori, ao falar sobre “intervenções psicanalíticas grupais: entrelaçamento do Eu e do Outro. Primórdios e Atualidade”, comenta que se as instituições se propusessem a discutir e admitir sobre os funcionamentos grupais intrínsecos, poderiam melhorar muito a qualidade das relações, e com isso, desenvolver com mais fluidez os trabalhos a que se propõem.
Pois então devemos estar atentos aos nossos grupos e seus desdobramentos: ao micro e ao macro, ao papel ativo e importante de cada um dentro de seus ambientes, o que me leva à mesa redonda – “Congresso didático: Identificação, poder e liberdade na instituição psicanalítica” em que ao ser questionada sobre as ações da IPA, Anette Blaya Luz, associando livremente, ofereceu uma imagem interessante: a de que a IPA é como um grande gigante com membros espalhados pelo mundo inteiro e que cada movimento deste gigante é lento, requer trabalho e tempo. Em seguida Dora Tognoli nos lembrou: “nós somos a IPA”, convocando cada um à responsabilidade. Nós votamos em nossas instituições, exercemos a democracia. Temos voz e não podemos nos silenciar.
Gostei de me imaginar como célula do gigantão espalhado pelo planeta, e sigo carreando letrinhas e estendendo a pergunta da Wania Cidade: podemos usar o OP para discutir o que está fora e o que está dentro? Podemos aproveitar esse espaço e falar com responsabilidade do nosso próprio encastelamento, do nosso racismo, da nossa tristeza, da nossa alegria, do nosso medo, da nossa emoção, da nossa irmandade, da nossa admiração, mas também da nossa indignação em relação às nossas instituições e incluir nossos Institutos, Sociedades, a Febrapsi, a Fepal, a IPA, a Psicanálise?
(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores)
Colega, click no link abaixo para debater o assunto com os leitores da nossa página no Facebook: