Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo.
ROBOCOP GAY*
Ian Favero Nathasje (SBPdePA)
Presenciamos recentemente a revolta do jogador de volei Mauricio de Souza com o anúncio de que o filho de Clark Kent e atual Superman John Kent seria bissexual. Em uma nova edição dos quadrinhos que conta sua história, o personagem se apaixona pelo seu amigo e iniciam um relacionamento. Então o jogador postou em seu instagram a foto do beijo entre Superman e outro homem seguido de: “É só um desenho, não é nada demais. Vai nessa que vai ver onde vamos parar”. A postagem rendeu a demissão do jogador do Minas Tênis Clube e o posicionamento de diversos esportistas e famosos contra o jogador, mas também lhe rendeu por volta de 2.000.000 de novos seguidores no instagram.
O mesmo Superman que hoje tem um filho bissexual já traiu sua esposa, foi nazista, ditador e matou pessoas por simples descontrole ou raiva, entretanto nenhum desses feitos causou uma comoção como o primeiro. Talvez o Superman, com sua força sobre-humana, represente algo de uma masculinidade à qual tudo é permitido, sem limites, como os poderes de Clark Kent. E então nós perguntamos: o que faz com que uma série de pessoas se sinta atacada pelos avanços na representatividade ou conquistas de direitos da comunidade LGBTQIA+? O que toca a sexualidade de um herói que revolta mais do que a sua vilanização?
O Brasil vem de uma história recente de conquistas sociais que são constantemente atacadas como “privilégios das minorias”. Na última eleição presidencial, fake news como “mamadeira de piroca” e a famigerada “ideologia de gênero” davam forma ao pavor de que de alguma forma existisse um plano de LGBTQuizar todas as pessoas do universo, um plano digno de vilão de quadrinhos. Também em 2018, o então prefeito do Rio de Janeiro mandou retirar de circulação uma revista em quadrinhoS em que tinha – para o horror de alguns – um beijo gay. Cenas como essa se repetem no Brasil e no mundo. Filmes de super heróis, liderados por mulheres, por exemplo, recebem uma quantidade maior de “hate” online do que os protagonizados por homens.
Mais recentemente, um filme recém-lançado (Eternos), porém já famoso por ser o mais diverso do seu estúdio – com personagens asiáticos, uma personagem portadora de deficiência, maior número de mulheres ocupando papéis principais e um beijo gay – já estava sendo avaliado antes do seu lançamento como o pior filme do MCU (Marvel Cinematic Universe). Isso mesmo quando personagens LGBTQIA+ nos quadrinhos já não são novidade e envolvem nomes importantes das duas maiores editoras (DC e Marvel) entre eles: Homem de Gelo, Hulkling, Wiccano, Estrela Polar, Mulher Maravilha, Arlequina, Hera Venenosa, Deadpool, John Constantine, Lanterna Verde, Loki e agora John Kent etc.
O que essas pessoas parecem sentir é um profundo sentimento de injustiça, um ressentimento, onde um outro diferente (cor, gênero, orientação sexual, etc.) poder viver uma vida (um pouco mais) plena, significa para si um furto, como se este outro lhe tirasse algo que parece completamente seu, nesse caso, a Masculinidade. Talvez a questão é que essa masculinidade não é própria, parece corresponder a identificações e ideais narcísicos de seus pais, avôs, bisavôs e, portanto, um legado a ser protegido a todo custo. Novamente talvez, caso fosse possível uma reflexão, poderia se pensar que beijar outro homem não torna o superman fraco ou menor, mas esse legado de uma masculinidade toda poderosa não parece ser integrado e, portanto, metabolizado, tornado próprio e com possibilidade de ser mexido, refeito, individualizado, atualizado. Isto, que fica não integrado, parece passar de geração em geração com suas regras, dogmas e fragilidades. Tudo que foge a essa masculinidade, que a tensiona, que a torna desconfortável, deslocada, atinge o sujeito, mas também a longa linhagem de pessoas que estão transmitindo um código pré-fabricado de como ser e agir, nunca tornado seu.
Para além do benefício social largamente discutido da representatividade e da possibilidade que jovens LGBTQIA+ possam se reconhecer nesses personagens que nos inspiram, é fundamental que as masculinidades se multipliquem e permitam identificações e pluralidades que vão além da ordem gênero-orientação sexual. As identificações, a serviço da outridade, propiciam a existência de pessoas cada vez mais complexas, interessantes e diversas.
(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores)
*Robocop Gay – Mamonas Assassinas – lançada em outubro de 1995.
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