Observatório Psicanalítico – OP 269/2021

Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo. 

Ao MAMBERTI, com carinho

Márcio Roque (SBPSP) e Flávia Teixeira (atriz, diretora e artista colaboradora da Avessa Grupa, Dual Cena Contemporânea e Grupo Redimunho de Investigação Teatral)

Prólogo

Sérgio Mamberti foi um gigante do teatro brasileiro e uma pessoa imprescindível. Nascido em Santos, teve uma infância bastante especial e moderna para os moldes da época. Sua mãe era professora e seu pai tomava conta de um grande clube cuja programação artística era fantástica. Mamberti teve a oportunidade de receber uma boa educação e o contato com uma diversidade cultural vasta desde sua infância. Ao ler “Sérgio Mamberti — Senhor do meu tempo”, recém-lançado pela Editora Sesc, um livro raro, biográfico e histórico por natureza, percebemos o quanto essas experiências foram determinantes para a trajetória do ator, diretor, autor, artista plástico, político e incansável defensor da educação aliada à cultura e da diversidade. 

I Ato – Um homem de teatro e uma jovem atriz

(Todas as luzes acendem e entra ao fundo do palco um ator de aproximadamente 82 anos; à mesa, jovens atores e atrizes.)

Foi em uma sala de ensaio na antiga casa da Cia Teatro Balagan, uma das tantas sedes de teatros de grupo da cidade de São Paulo que foram fechadas em tempos de ataque e desmonte da cultura, que fizemos os ensaios para a abertura da exposição “Living Theater, Presente”, apresentada posteriormente no SESC Consolação, sob a direção da encenadora/pedagoga Maria Thais. Ali, em uma tradicional leitura de mesa, nós, jovens atores e atrizes, nos encontramos com Sérgio Mamberti e Maria Esmeralda − dois grandes artistas e pilares da história do teatro brasileiro. Enquanto ambos liam os textos, nós trocávamos olhares, admirados com o poder de suas falas e sentindo que o mundo, as estrelas e o tempo paravam para ouvir o soar do que era dito por eles. E assim foram os encontros, atravessados pelas grandes, deliciosas e dolorosas histórias do Serginho — um homem de teatro! Sua doçura, elegância, brilho no olhar e profunda “esperança ativa”, como diz Fernanda Montenegro, transbordavam e nos encorajavam diante dos desafios de sermos artistas nesse país. 

II Ato – A jovem atriz

(Palco vazio, em carne viva, tudo à mostra. Uma luz em resistência sobe revelando uma jovem atriz que, por alguns segundos, olha para a plateia, em silêncio.)

Jovem atriz: Certa vez ouvi dizer que atores e atrizes nunca deveriam morrer… Sempre penso sobre isso, já que morremos e vivemos a cada novo e antigo trabalho, em histórias, personagens e para o próprio teatro. Nosso vínculo é efêmero: por alguns minutos, horas, viajamos pelas mesmas lufadas de vento, nós, aqueles/aquelas que sustentam o edifício teatral, os trabalhadores incansáveis da cultura, os espectadores e o espaço em que habitamos juntes. Por vezes o que fica desse encontro são profundas marcas a depender do processo e da travessia. Quando vemos um ator ou uma atriz em cena, nunca vemos essa pessoa por completo, e em sua grande maioria o que temos, quando estamos lá, é a oportunidade de sermos algo para além de nós mesmos nessa tão doida e ordinária vida. Já vi histórias de artistas que haviam acabado de receber uma ligação sobre a morte do pai, da mãe, minutos antes de entrar em cena e mesmo assim seguiram. Por quê? Que coragem é essa, de onde brota? Há muitas profissões que em pouco tempo nos trazem alguma estabilidade; já a do artista é feita de precipícios e de boas histórias para contar. 

III Ato – Pede-se fechar os olhos

(Uma sala de consultório, poltronas e divã, computadores entre analista e analisante. A luz da tarde entra pela janela da sala varrendo o chão.)

“Bendito seja quem souber dirigir-se a esse homem que se deixou endurecer, de forma a atingi-lo no pequeno núcleo macio da sua sensibilidade, e por aí despertá-lo, tirá-lo da sua apatia, essa grotesca forma de autodestruição a que, por desencanto ou medo, se sujeita, e por aí inquietá-lo e comovê-lo para as lutas comuns da libertação.” (Trecho do texto de Plínio Marcos recitado por Mamberti em seu último espetáculo em vida.)

Analisante: O Sérgio Mamberti morreu. Fui até o velório e quando cheguei lá me dei conta de que quem estava ali na minha frente era o Doutor Victor. Senti que parte da minha infância tinha morrido naquele momento e repentinamente foi como se essa parte tivesse crescido e virado adulta. Como se estivesse no velório do meu pai, o sentimento era esse, só que Tio Victor era um pai diferente, culto e inteligente, que estava sempre lá para socorrer.

Ambos, analista e analisante, compartilham um instante de silêncio em agradecimento.

Epílogo

(Um palco. Ao centro um caixão. Pessoas ao redor.)

Sérgio Mamberti foi velado no único lugar possível para ele: em cima de um palco. Seu corpo ali, oferecido como um banquete totêmico, não foi devorado, mas sim exaltado em uma celebração dionisíaca. Entre os tantos personagens a que deu vida, declarou por mais de uma vez que Tio Victor, o mestre de Nino na aclamada série “Castelo Rá-Tim-Bum”, foi seu maior. Tio Victor foi pai e mestre de uma geração inteira de espectadores, e Serginho, um trabalhador da cultura e inspiração para muitos artistas.

Se, por um lado, o ator se foi, por outro, sua obra e sua luta permanecem marcadas na história da cultura brasileira. De todos os pais possíveis, para muitos, ele foi o pai da horda criativa.

Tocam os 3 sinais, o espetáculo vai começar.

Evoé, Serginho!

(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores) 

Foto: Maurício Nahas

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