Observatório Psicanalítico – OP 244/2021

Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo.  

 

Maconha e controle social da “Loucura”

Luciana Saddi e Maria de Lurdes S. Zemel  (SBPSP)

 

Recentemente publicamos o livro “Maconha: os diversos aspectos, da história ao uso” (Ed. Blucher, org. Luciana Saddi e Maria de Lurdes S. Zemel) com o objetivo de transmitir ao público leigo conhecimento cientifico de qualidade sobre um tema complexo, geralmente debatido com preconceitos, falsas certezas, ignorância e paixões. 

 

Atualmente, observa-se importante mudança em relação à maconha. Descriminalizada em diversos países, tem obtido crescente aprovação para uso recreativo e ou medicinal. A política de guerra às drogas tem se modificado, fracasso e equívoco nessa direção se tornam a cada dia mais evidentes. 

 

Entretanto, o Brasil permanece paralisado no debate da descriminalização da droga e uso medicinal, além de ainda promover internação compulsória de usuários. Tais políticas têm consequências no âmbito prisional, com o aumento exponencial da prisão da população jovem, negra e feminina, e no campo da saúde pública com a internação compulsória, em comunidades terapêuticas religiosas, que drenam boa parte dos orçamentos destinados à saúde mental. É evidente o desmonte das estruturas públicas para atendimento de usuários e o retrocesso nas lutas antimanicomial. 

 

O controle social da “loucura” e do “louco” se torna inseparável da política proibicionista e se renova por meio de formas de encarceramento disfarçadas de tratamento que apregoam, por exemplo, nove meses de trabalhos em comunidades terapêuticas para o “renascimento” do indivíduo. Prisão, manicômio, comunidades terapêuticas religiosas e diferentes formas de sujeição não se distinguem nos objetivos de exclusão e violência quando se trata da população vulnerável brasileira, principalmente, a envolvida com a maconha. 

 

Em “Maconha: os diversos aspectos, da história ao uso” são apresentadas múltiplas faces desse tema em tópicos como vulnerabilidades sociais e individuais, internação por dependência, psicose canábica e questões legais – circunscritos exclusivamente ao uso indevido, afinal, as lutas antimanicomiais são amplas e diversas. 

 

Ao percorrer a história da maconha e uso religioso, são identificadas formas de perseguição e opressão política e social à serviço da dessubjetivação e alienação dos sujeitos.   

 

A maconha está no centro de muitos debates atuais em todo mundo. O desafio enfrentado ao organizar o livro foi escolher os temas e subtemas mais relevantes. Nenhuma droga existe por si; inserida em rede simbólica e em cadeia produtiva, não é simples reconhecer e compreender os diversos elos de determinada ação ou produto. Procurou-se colocar em evidência questões que se apresentam com maior frequência e interesse nos debates e pesquisas sobre a droga: família, adolescência, prevenção, redução de danos, uso terapêutico e economia da droga. 

 

Já na clínica psicanalítica a maconha está presente de diversas formas. Psicanalistas tem interesse em entender como cada indivíduo a utiliza e como interage com a droga. O foco é sempre o sujeito, e os múltiplos aspectos emocionais. Compreender como a maconha é usada permite visão ampla da relação do indivíduo consigo mesmo e com o mundo. Pergunta-se qual é o papel da droga na vida de quem a usa e como usuários e famílias são afetados. A clínica psicanalítica aponta diversas formas de uso da maconha. Justifica-se, portanto, a investigação sem preconceitos dessa relação. 

 

As pesquisas científicas são de difícil entendimento para os não habituados à linguagem dos pesquisadores. Obstáculos à compreensão dos resultados de trabalhos acadêmicos são frequentes, ora pelas expressões utilizadas, termos científicos, linguagem técnica, ora estatísticas, gráficos e a matemática complexa que atrapalham a leitura e fluidez dos artigos; sem contar as frequentes complicações na descrição dos procedimentos adotados. 

 

Os desentendimentos ou superestimação dos resultados é quase sempre o destino natural das pesquisas cientificas quando não mediadas e traduzidas por pesquisadores interessados em informar a sociedade, em fazer a ponte que possibilita o entendimento que ultrapasse a dureza da linguagem cientifica e gere disseminação do conhecimento. Junte-se a essas dificuldades a questão das drogas ilícitas, tema angustiante – e que chega a ser assustador – debate demonizado através da história, permeado por falsas informações e interesses inconfessáveis. O conhecimento cientifico só faz sentido se estiver à disposição da sociedade para debatê-lo e usá-lo da maneira que julgar importante. 

 

O presente livro foi concebido para levar ao leitor conhecimento cientifico e à sociedade o esclarecimento. Informar fração do que se acumulou a respeito de maconha até os dias de hoje, com a finalidade de tornar possível ao leitor desenvolver crítica pessoal sobre o tema, em substituição ao apego às opiniões superficiais e prejulgamentos. 

 

O conhecimento cientifico é construído em partes – raramente no campo das humanidades é possível obter conclusões integrais. São fragmentos, porções da realidade, pedaços do objeto pesquisado que surgem. A complexidade do tema obriga o pensar por partes. Investiga-se aspectos da droga, usuários, sociedade e há inúmeras subdivisões. Seria impossível abranger, detalhadamente, todos os aspectos do objeto de investigação ao mesmo tempo. O conjunto dessas partes, reunidas, permite alguma certeza sobre certos aspectos do problema, mas nem por isso representam a palavra final. O conhecimento não se esgota, no entanto, permite cotejar.

Conferir, relacionar, comparar, contrapor, verificar, explicar, narrar, eis as várias facetas da encomenda (e do resultado) feita aos pesquisadores e estudiosos convidados à contribuir sobre a maconha nesse livro – que se assemelha à roda de conversa, em que cada um apresenta parte da história. 

 

Não se pretendeu esgotar o universo relativo à maconha, mas acreditamos que o livro tenha informação suficiente e segura para o leitor se iniciar, com autonomia, no propósito de conhecimento. 

 

Os capítulos estão organizados em sequência que busca facilitar a compreensão do todo, mas nem por isso, única. Sendo assim, podem ser lidos em conjunto e também separadamente. As informações podem se repetir, mas optou-se por deixar a escolha ao leitor de como começar e o que privilegiar, de acordo com seu interesse e necessidade. Os capítulos são concisos, mas contém síntese de informações recolhidas em décadas de trabalho pelos pesquisadores eleitos. Os mini currículos deles atestam a seriedade e competência com que se dedicam ao tema. 

 

Aqueles que esperam obra prescritiva – a favor ou contra – irão se decepcionar. Não há respostas simples, apenas informações seguras – obtidas pelos renomados pesquisadores em seus campos de atuação – para que o leitor construa visão própria do problema.

 

Lembramos, ainda, que o problema jamais é a droga em si, a maconha – aqui examinada em múltiplas dimensões – ela não existe sozinha. Existe para quem a usa, para quem a condena, existe numa grande rede simbólica tecida por inúmeros interesses e pela história humana. 

 

Portanto, falar em maconha nesse momento significa lutar pelo pensamento cientifico antagônico aos interesses econômicos, ideológicos e religiosos. 

 

Que a leitura seja prazerosa; contemple a curiosidade do leitor e desperte mais interesse pelo conhecimento cientifico. 

 

(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores) 

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Tags: adolescência | família | História | maconha | redução de danos | uso terapêutico
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