Observatório Psicanalítico – OP 225/2021
Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo
Erundina, 16
Leonardo A. Francischelli (SBPdePA)
“Parece que as diferenças nas ideologias e estruturas de poder subjacentes aos sistemas sociais também desempenham um papel crítico na definição de seus efeitos” (Rustin 2020)
Brasil! Mostra tua cara! Pois é … em mês de carnaval, no dia primeiro de fevereiro, o Brasil mostrou uma – a verdadeira? – de suas facetas, na ocasião das eleições para as presidências da Câmara e do Senado federal.
Carnaval vem do latim ‘carnem levare’ que significa abster-se, afastar-se da carne. O Brasil/carne aguça desejos?
Espíritos carnavalescos se abateram sobre nossos congressistas, praticando o verbo em seu sentido oposto. Esse produto que nos pertence desde os tempos imemoriais, temperamos segundo nosso paladar (essa carne nós devoramos, avidamente).
O escrutínio praticado em primeiro de fevereiro marca o futuro da política brasileira. Está conectado, pelo retrovisor, com o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, visto que a metapsicologia política, ou melhor, a ideologia política, foi a mesma que idealizou a destituição de um titular do poder executivo oriundo das urnas E, logo, sob amparo dos preceitos constitucionais.
O futuro desta ação é a definição do sufrágio de 2022. Os senhores da cena política do dia primeiro, desenharam, com letras garrafais, o vencedor das próximas eleições, trazendo em seu bojo fome por ideias totalitárias.
É grave, sob minha ótica, o desmantelamento das chamadas forças progressistas/democráticas, remanescendo força nenhuma, já que extraviou-se a musculatura adquirida, particularmente a do PT, o maior partido brasileiro. Perdeu tanto valor político, em tão pouco tempo, que dificilmente um produto na bolsa de valores derreteria tantos pontos tão rapidamente. Deixou de legado um incontável número de ações positivas, mas seu maior préstimo sempre foi a esperança das grandes mudanças para sanar a desigualdade desumana.
A Via Crucis das alianças discutíveis segue vigente.
ERUNDINA, 16 – uma mulher e 16 votos – ‘a sombra do objeto caiu sobre o eu’. Luiza é uma mulher brasileira, nascida em 1934, no estado da Paraíba. Com apenas dezesseis votos na eleição para a Presidência da Câmara, delineia a sombra do objeto caindo sobre o eu da esperança. Coube-lhe o papel de representar o melancólico da política brasileira. Espelha o funeral de um tipo de política dos chamados partidos da cor vermelha como simbologia de uma posição que luta contra a desigualdade intolerável do nosso país.
Os 302 votos vencedores fizeram uma grande festa sem máscaras, foram honestos; enquanto isso, Luiza Erundina está cada vez mais para Dolores Ibárruri – La Pasionaria. Se não me equivoco, ‘Aprender com a experiência’ é uma sabedoria bioniana… daqui para o futuro, o rubro só será vermelho com os jogadores do Inter.
Rustin lembra Adorno, que, ao desenvolver uma análise do fascínio, ‘via os líderes como produzidos pelas necessidades sociopolíticas e pela transferência coletiva dos seus sectários, e não como a causa principal do comportamento destes’. No entanto, Rustin, autor da frase citada no início desse texto, parece não assinar embaixo dessa conclusão adorniana e se interroga o que uma perspectiva psicanalítica poderia acrescentar à nossa compreensão da conjuntura atual.
Pois bem, Freud, em 1921, escreveu uma resposta correta aos nossos interrogantes sobre o surgimento de líderes messiânicos frente ao mal-estar contemporâneo. Segundo ele,
“[…] o líder da massa continua a ser o temido pai primordial, a massa quer sempre de ser dominada com força irrestrita, tem ânsia extrema de autoridade, ou, nas palavras de Le Bon, sede de submissão. O pai primevo é o ideal da massa, que governa o eu no lugar do ideal do eu”.
Comenta-se que Freud é um pessimista clássico. É o que parece, pela saudade do pai primevo.
“Eu diria até […], que o que percebemos, e que perceberemos cada vez mais, é que o subdesenvolvimento é, muito precisamente, a condição do progresso capitalista”. Estas são palavras de Lacan que produzem dor de cabeça.
Concedo a última palavra a Viñar: “Permito-me a repetir fatos conhecidos, óbvios seguramente, para marcar uma fratura entre a humanização ‘normal’ e a traumática. Esta última acontece no genocídio frio da pobreza extrema ou no genocídio quente da guerra e a exclusão étnica ou religiosa”.
Não cessa a dor de cabeça, contudo acredito possível que as ações políticas, dentro de uma efetiva política republicana, seriam capazes de afastar dos brasileiros essa tamanha desigualdade social, racial, tão infinitamente desumana, ilustrada na sempre rememorada “Ilha das Flores”, conhecida pelo documentário de Jorge Furtado (1989).
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