As rotas da escravidão

Observatório Psicanalítico 42/2018

Ensaios sobre acontecimentos sociais, culturais e políticos do Brasil e do mundo 

 

As rotas da escravidão

Tema do Congresso de Psicanálise de Países de Língua Portuguesa, a ser realizado em Cabo Verde, na África, em novembro de 2018.

Miguel Sayad (SBPRJ)

 

 

Este Congresso será uma grande oportunidade para “estimular o pensamento e derrubar preconceitos” – Ignácio Paim, em seu importante texto publicado no OP, justamente ali onde o “pensamento aliou-se `a barbárie”: o tráfico de escravos negros como política de Estado.

 

Que rotas podemos tomar, ou que a nós, ainda pequenos indefesos tomaram-nos e conduziram-nos `a intolerância, `a discriminação e à violência? Onde, no desenvolvimento libidinal identificatório, encontram-se os marcos, os grãos que indicam o caminho para a chegada ao homem intolerante, violento e escravocrata?

 

Entre a mãe e sua cria, não só entre, mas envolvendo-os, muitos fatores determinam o futuro: o ambiente sócio político da criação dos pais e da criança, e ainda um pouco esquecida nesta equação da constituição da violência contra o estrangeiro e o diferente, estão o fator edípico e a figura do pai.

 

Reparem: toda, quase toda violência, as ações genocidas, o enforçamento da discriminação e do preconceito, sua gênese mesma, advém do pai e de líderes masculinos: de sua ideologia e conduta.

 

A identificação precoce do filho com o pai não é fator a ser negligenciado, e sabemos que de grande relevância nestes processos é a identificação com o agressor.

 

Esses líderes masculinos são os mesmos eus que oprimem e usam as mulheres como suas posses e objetos de gozo e prazer sádico: lideram matança de homens e estupro de mulheres desde tempos imemoriais.

 

Esta conjunção humana pode ser alterada com a evolução da espécie do pensar e do fazer compartilhado com o outro e a Psicanálise pode ter uma função importante nesta mudança de paradigma em ser humano.

 

As condições perversas, as perversões da sexualidade, devem ser reconsideradas `a luz, ou obscuridades, das novas alteridades: áreas de estudo, curiosidade e aprendizado.

 

Na rota do sadismo, do genocídio, da eliminação dos diferentes ou insubmissos, da orgia na matança, o fator implicado diretamente e que deve ser focado é o exemplo do pai: Pai Todo-Poderoso, imagem ideal para o filho, por isso venho insistindo em ter em foco as figuras míticas de Pai onipotente: Deus, Allah, Iahweh, que amparam e talvez mesmo constituam o reforço inconsciente necessário e aceito socialmente, para que o pai sádico, intolerante, violento e matador continue a ser celebrado como herói de nossa cultura ocidental colonialista.

 

Os heróis de minha infância eram machões e matavam índios e negros para tomar suas terras e submeterem-nos à ordem ocidental e todos vibravam e os aplaudiam com grande excitação heroica identificatória erótica.

 

Beth Mori indaga nas conversas do OP: “sobre o que não estamos falando “?

 

Estamos falando muito pouco da figura do pai. E, no entanto, foram os pais idealizados, segundo a imagem de Deus e seus representantes, os senhores do tráfico e da escravidão: aqui incluídos padres e reis, como por exemplo Carlos II da Inglaterra e nobres ingleses, D. Manoel, o Navegador, e Vasco da Gama, grandes exaltados heróis portugueses.

 

Pois sim, “o terrorista é um indivíduo aterrorizado”, como lembrou Cassorla, sim, como crianças aos montes são desde pequeninas aterrorizadas por seus pais, que aterrorizam suas mães desde a gestação de seus filhos. Como, depois, serão e são aterrorizadas populações fracas e indefesas, mães gestantes e seus filhotes, sob o risco de extermínio ou de submissão desidentificatória de suas origens, com perdas de todos os seus bens e posses e mesmo identidades.

 

E como se tornou hábito ter o OP como inspiração constante, um comentário de Miguel Calmon sobre o “Moisés” levou-me a pensar como pode ser difícil suportarmos a falha, básica e estrutural de toda identidade, individual ou de um povo, que neste caso, paradigmático da abertura para o outro, Freud conclui que Moisés era Egípcio!!

 

(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores)

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