Observatório Psicanalítico – OP 227/2021
Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo
A presença de Marlene Araújo
Cláudio Laks Eizirik (SPPA)
Ainda sob o impacto da perda recente de nosso querido colega e amigo Luiz Carlos Mabilde recebemos, no dia 22 de fevereiro, a notícia do falecimento de outra querida amiga e colega, Marlene Silveira Araújo, mais uma brasileira vítima da covid-19.
Nascida em 3 de junho de 1940, em Alagoas, Marlene viveu sua infância e juventude no Recife , tendo se formado em Medicina pela Universidade Federal de Pernambuco. Mesmo morando em Porto Alegre desde os meados dos anos 60, Marlene sempre manteve uma intensa ligação com Recife, onde morava parte de sua grande família e onde, sempre que possível recebia colegas e amigos, na generosa e hospitaleira casa de seus pais. Muitos de nós guardamos belas lembranças desses encontros.
Depois de fazer sua residência médica em Psiquiatria na Clínica Pinel, Marlene casou com Jairo Melo Araújo, assistente social e professor da PUCRS, com quem teve os filhos Gustavo e Tiago e mais recentemente os netos Lorenzo e Martín. Assim como com os filhos, dedicava-se com grande encantamento aos netos. Como filha mais velha, Marlene era uma irmã e tia amorosa, e a vida familiar e as amizades eram alvo de seu cuidado e afetuosa dedicação.
Marlene fez sua formação analítica na Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA), onde se tornou analista didata, tendo contribuído de forma decisiva para a formação de inúmeros novos analistas, que foram seus pacientes, supervisionandos ou alunos. Foi a primeira mulher a presidir a SPPA e a ser Diretora do Instituto de Psicanálise. Com outras colegas, criou o Curso de Formação de Psicanálise da Infância e Adolescência, ao qual se dedicou com muito entusiasmo. Esta formação era um de seus grandes orgulhos, e como toda nova iniciativa, Marlene teve que ser firme com seus colegas para obter o pleno reconhecimento de sua relevância psicanalítica, o que aconteceu como resultado de seu trabalho qualificado, junto com colegas envolvidos no mesmo objetivo.
Desde sua adolescência, Marlene desenvolveu uma clara sensibilidade para as questões sociais de nosso país, que nunca abandonou. Seu trabalho clínico como analista, supervisora e professora não a impediu de participar em outros níveis, e levar sua experiência e seu olhar psicanalítico para o Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência do Hospital de Clínicas de Porto, a Associação de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, e as atividades da FEBRAPSI, da FEPAL e da IPA, através da COCAP, do COWAP e do ING (estimulando, com Fernanda Marinho, o desenvolvimento do Grupo de Estudos Psicanalíticos de Goiânia).
Marlene sempre foi uma pessoa alegre, generosa, agregadora, dotada de uma profunda identidade psicanalítica, e de uma grande capacidade de empatia. Como muitos colegas, do Brasil e de outros países, tive o privilégio de conviver de perto e compartilhar com Marlene as diretorias da SPPA e da FEPAL. Depois de enfrentar algumas situações institucionais difíceis, ela dava um jeito de terminar nossa conversa com uma frase que acabamos usando ao longo dos anos: “Mas, apesar de tudo, estamos indo muito bem! “ E soltava sua gostosa gargalhada.
Mas agora, querida amiga, desta vez, não estamos indo muito bem: sem ti, sem tua presença vital, estimulante, e vivendo uma pandemia descontrolada, sob a administração de um governo criminoso e irresponsável, incapaz e negacionista.
Mas tua presença tão forte nos deixa um legado profundo, através de tua postura analítica, de tua dedicação , de teu senso de justiça e de teu amor aos pacientes, colegas, supervisionandos, amigos e naturalmente tua família.
O legado e a presença de Marlene Silveira Araújo, analista e cidadã, é um estimulo para nunca desistir e resistir sempre.
(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores)
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