A matriz inconsciente da tirania

Observatório Psicanalítico 69/2018

Ensaios sobre acontecimentos sociais, culturais e políticos do Brasil e do mundo.

A matriz inconsciente da tirania

Valton de Miranda Leitão (SPFor)

O mundo vive um momento de convulsão com o avanço da intolerância xenofóbica e o racismo com o medo crescente do futuro. Hobbes disse que o medo é um demônio que se alimenta do medo, e isso se espalha pelo planeta como rastilho de pólvora.

O Brasil vive momentos tenebrosos e os próximos dias serão decisivos para a defesa do processo civilizatório brasileiro. Não se trata somente de defender a democracia, mas de compreender que a linguagem nazi-fascista traz na sua intimidade o discurso inumano, encoberto pela luta contra a corrupção e a defesa da ordem.

Shakespeare, em Rei Lear, mostra o desmoronamento do Estado e a desagregação da consciência social e individual precedidos pelo eclipse da lua. É preciso que o Brasil não se entregue ao eclipse da Razão, pois a única garantia que temos para que tal não aconteça é a defesa intransigente da Constituição de 1988 e do jogo democrático pelo conjunto da população mobilizada nas assembléias intelectuais, nas ruas e nas praças.

Os psicanalistas neste momento não podem se omitir, pois como disse H. Segal o silêncio da IPA, em 1933, facilitou a ascensão do nazismo na Alemanha. A destrutividade inerente à pulsão de morte não pode prevalecer sobre Eros e sua força vinculante amorosa e integradora. 

As crenças atávicas de todos os preconceitos que repousam no inconsciente são ativadas por demagogos como Jânio, Collor e no presente pelo capitão Bolsonaro. É impossível deixar de personalizar, pois o comedimento tem limites, porquanto as evidências não fazem sentido para o irracionalismo. Os paranóicos na exaltação alucinatória não precisam de provas factuais para alimentar suas convicções.

A única garantia que temos de alcançar a paz é lutar por ela sem discriminação de crença ou ideologia, mas contra o obscurantismo que usa o discurso sem discurso, uma fala que não diz e um fazer ameaçador. Essa é a linguagem do ódio que massacrou os judeus no holocausto e parte do povo eslavo, nos Gulags stalinistas. Os oficiais nazistas acreditavam sinceramente que era necessário destruir o “degenerado” povo judeu, e isso era feito como ética da convicção (Ingrao). 

O exemplo brasileiro atual confirma Freud em o Mal Estar na Cultura, pois a civilidade está sendo substituída pela brutalidade. O princípio de realidade parece invadido pelo princípio da maldade, cujo objetivo é fuzilar o inimigo construído no delírio paranóico inconsciente com a colaboração da mídia irresponsável e do mercado sacralizado.

O jogo democrático é substituído por ameaças de toda natureza, enquanto as instituições como o judiciário e o parlamento não cumprem seu papel de defesa da Constituição referendada pelo povo.

Os psicanalistas brasileiros como intelectuais regidos pelo amor à verdade, no sentido mais amplo, não podem ficar indiferentes diante da destrutividade, da intolerância e do ataque escancarado a todas as diferenças. A democracia não precisa de tutela militar ou judiciária, mas de respeito à soberania popular.

(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores).

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