O fuzil e o guarda-chuva

Observatório Psicanalítico 68/2018

Ensaios sobre acontecimentos sociais, culturais e políticos do Brasil e do mundo.

O fuzil e o guarda-chuva

Liana Albernaz de Melo Bastos (SBPRJ)

No dia 17 de setembro, Rodrigo Alexandre da Silva Serrano, 26 anos, negro, garçom, desceu a ladeira do Morro do Chapéu Mangueira, no Rio de Janeiro para esperar a mulher e os filhos com um guarda-chuva preto, um celular, um “canguru” (aquela espécie de suporte para carregar crianças) e as chaves de casa. Eram 19h30. Três tiros da PM mataram Rodrigo. Seu guarda-chuva foi confundido com um fuzil.

Esta tragédia serve como parábola de outra tragédia: a que o Brasil vive neste momento. No dia anterior a este crime, hackers tinham invadido um grupo da internet com dois milhões de mulheres que com a hastag #EleNão posicionava-se contra o candidato à Presidência  que sustenta posições misóginas e racistas. O feitiço virou contra o feiticeiro: a manobra dos hackers viralizou o #EleNâo. As “fraquejadas” mostraram a sua força.

O movimento político das mulheres, supra partidário, expôs  que é do feminino que vem a resistência contra o fascismo. As mulheres – maioria em nosso país – compõem as minorias, os segmentos da população subrepresentados nas instâncias de poder, tal como os negros, os indígenas, os LBGT e a população pobre em geral.

Nos últimos dois anos, o país foi abusado e estuprado. As conquistas de nossa jovem democracia de 30 anos foram desfeitas de forma brutal por um governo cuja legitimidade não é reconhecida. A violência cresceu de modo exponencial banalizando-se. O desamparo e o abandono deixaram os segmentos mais frágeis da população à mercê de propostas que significassem proteção e restabelecimento da autoridade.

É neste terreno que vem proliferando, no Brasil, as ideias fascistas. Da Alemanha nazista ao ressurgimento dos atuais movimentos de intolerância mundo afora, o que estes desamparados clamam é por um pai forte que os proteja: o pai da horda primitiva.

As mulheres sempre souberam que, na horda primitiva, o pai déspota não as protege. Elas são as primeiras a não terem seu valor reconhecido. O autoritarismo não é autoridade na medida em que  não é pactuado por todos em igualdade de oportunidades. Reconhecer a castração – a que estamos todos sujeitos, homens e mulheres – é o feminino que nos iguala e que permite o pacto democrático.

Assim, o #EleNão tira sua força de uma experiência imemorial das mulheres traduzindo-se em linguagem simbólica. Discurso e ação compõem a política e é esta a nossa verdadeira humanidade. (Hanna Arendt)

Precisamos, sim, de amparo mas não de fuzis. 

Precisamos de guarda-chuvas, portados por homens e mulheres, que nos reúnam num movimento solidário e democrático que aponte para dias melhores com um horizonte sem medo e sem tempestades. #EleNão.

(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores).

Tags: despotismo | Genocídio | misoginia | Racismo | violência
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