Observatório Psicanalítico – 103/2019
Ensaios sobre acontecimentos sociais, culturais e políticos do Brasil e do mundo.
21 de abril
Marília Macedo Botinha (SBPMG)
Este ano, o 21 de abril, dia de Tiradentes, nos remete a algo que nos diz respeito: o Congresso Brasileiro de Psicanálise, O Estranho, nas confidências – inconfidências da Conjuração (Inconfidência) Mineira.
Para entender a história daquele momento, fui até os Inconfidentes, que, em sua maioria, eram a própria elite intelectual da época e duas questões sobressaíram: 1) apesar de muitos deles serem pessoas das artes, também possuíam minas de exploração de ouro e outros minerais, assim, teriam grandes prejuízos econômicos com as ordens da Coroa em relação a alta cobrança de impostos. 2) outra questão, seria a história do próprio Tiradentes. Saber um pouco mais sobre esse personagem real da história me encantou, tanto pelo aspecto psíquico, como pelos talentos que detinha. Ele nasceu em uma família de posses, tinha pais e seis irmãos. Porém, aos nove anos, perdeu sua mãe, permanecendo com seu pai e seus irmãos até dois anos mais tarde, quando seu pai também faleceu. A partir daí, a família foi literalmente desmanchada e Joaquim José ficou aos cuidados do seu padrinho, que era dentista. Seu pai faleceu deixando dívidas e ele passou de alguém que possuía família, talvez a segurança de uma casa abastecedora, para um órfão pobre e só.
A partir daí pude perceber alguns movimentos em sua vida: mostrou-se uma pessoa dotada de inteligência diferenciada, foi tornando-se conhecedor de várias áreas, de iniciativa, liderança e sabendo fazer conhecidos. Vemos em suas atitudes, ideias de um idealismo inspirado no Iluminismo e nas ideias de liberdade. Profissionalmente, posso listar várias habilidades, a começar pela mais obvia, ser dentista prático, técnica aprendida com seu tutor padrinho.
Mas Tiradentes foi a própria expressão da compulsão à repetição em suas vivências.
Embora fizesse tudo com habilidade reconhecida, suas investidas não lhe davam lugar de importância: como Alferes, trabalhou 14 anos fazendo segurança nas estradas, capturou malfeitores, era homem de coragem, abriu estradas e tantos feitos mais e nunca recebeu nenhuma promoção. Outro fato interessante foi nunca ter construído uma família. Teve amores, mas não construiu relacionamentos estáveis, nem exclusivos. Em sua vida, encontramos a repetição de construções fracassadas e, ao mesmo tempo, o fato de ele aceitar incumbências de riscos, que ficaram ainda mais evidenciados na causa a que se dedicou, desempenhando o papel de conseguir adeptos.
Mas, repetindo sua história pessoal de perda e desamparo precoces, nos põe de frente para o tema do Estranho. Se pensarmos na força silenciosa e demoníaca da Pulsão de morte, entrevemos sua ação em muitos momentos de sua vida. Embora dotado de uma inteligência multifocal, expunha-se, mostrando suas ideias em qualquer lugar. Sua vida se constituiu por contínuas conquistas e perdas em todas as áreas, reencenando o constante retorno do recalcado e reproduzindo uma busca insana pela morte, que acaba se realizando após sua confissão, no 40º interrogatório, quando, após sete meses preso e incomunicável, nega a culpa de todos e assume-a sozinho.
E o Duplo imerso no estranho, como depreendê-lo dessa narrativa? Ao pensar no Duplo como aquele mecanismo que nega o medo da destruição do Eu, encontro-o em Tiradentes. Por um lado, alguém de moral inquestionável, sendo tão confiável que recebia o soldo dos companheiros, obedecia fielmente às ordens como militar e, por outro lado, tinha algo em si que gritava por justiça, um revolucionário que não se intimidava e pregava seu ideal em todos os lugares. A Duplicidade em Tiradentes, totalmente confiável, totalmente conspirador. Se pensarmos que o Duplo tem sua raiz no desamparo e no medo da destruição, vemos um homem que foge do medo de um desamparo vivido de diversas maneiras e projeta-o no amparo do Idealismo.
Ainda em relação ao duplo é importante pensar nas duas nomeações do movimento: Conjuração ou Inconfidência Mineira. Quando pensamos em Conjuração, estamos levando em conta a união de indivíduos que se movimentam em função de uma mesma causa, que se aplica ao movimento ocorrido em Minas, que visava à independência da coroa e a proclamação da República. Mas, se olharmos com um olhar vindo dos colonizadores portugueses, o termo utilizado será “inconfidência”, que significa, no caso, falta de lealdade à coroa. Assim, o movimento por si só abriga o conceito de Duplo no Estranho, ele abriga a união e a deslealdade em um mesmo objeto, dependendo do lado da moeda que se lança o olhar.
Em Psicanálise, nada é por acaso e, com certeza, não foi sem sentido que o Estranho se aliou às confidências inconfidentes que nos levam direto para o funcionamento psíquico envolto em pulsões de vida e morte, tão visceralmente necessárias à sobrevivência física e psíquica.
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