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SOBRE A REGULAMENTAÇÃO DA PSICANÁLISE – pela preservação da psicanálise baseada na ética e na rigorosa formação de seus profissionais

15 / novembro / 2019

A psicanálise persiste há mais de um século graças a princípios e métodos rigorosos e a um corpo teórico e técnico que tem a proposta de Sigmund Freud como fundamento. Uma regulamentação da psicanálise externa a seu campo geraria um funcionamento contraditório ao surgimento ou formação de um analista.

 

A Federação Brasileira de Psicanálise (FEBRAPSI), fundada em 1967 com a denominação de Associação Brasileira de Psicanálise (ABP), congrega 18 Sociedades e Grupos Psicanalíticos em 10 estados e no Distrito Federal, somando cerca de 2.200 membros das Sociedades e dos Institutos de Psicanálise. Surgiu com a finalidade de estimular o desenvolvimento da Psicanálise no Brasil, de acordo com as normas idealizadas por Sigmund Freud e padronizadas pela Associação Psicanalítica Internacional (IPA), da qual todos os psicanalistas de nossas federadas são membros associados, bem como fizeram sua formação seguindo as regras estabelecidas por ela há mais de 100 anos. A IPA possui cerca de 12 mil membros e está presente nos cinco continentes, em mais 70 instituições distribuídas em dezenas de países.

A FEBRAPSI também é membro fundadora do Movimento Articulação das Entidades Psicanalíticas, que hoje congrega 17 entidades a compartilhar dos pressupostos básicos enunciados por Sigmund Freud sobre as necessidades para a formação e o exercício da Psicanálise.

A FEBRAPSI tem como objetivos proporcionar o intercâmbio e a união entre as Entidades Federadas, promovendo, patrocinando e/ou estimulando atividades científicas e didáticas que favoreçam a comunidade e a relação entre os psicanalistas brasileiros, e estimular a difusão do pensamento psicanalítico.

Nossos psicanalistas em sua imensa maioria são médicos ou psicólogos. Mas também temos membros com outras formações de origem. Eles estão amplamente inseridos na vida acadêmica, com vasta produção científica, nas estruturas de atenção à saúde e atividades junto à comunidade e à vida cultural do país. Participam em eventos científicos nacionais e internacionais, bem como na publicação de trabalhos científicos. Cabe salientar que a própria Federação publica a Revista Brasileira de Psicanálise, pioneira que está entre as mais antigas do país na área, assim como a quase totalidade de suas federadas também possui suas publicações. São revistas reconhecidas por indexadores nacionais e internacionais. Destaque-se ainda a publicação da Associação Psicanalítica Internacional que está indexada ao Medline.

Desde a criação da Psicanálise, a formação de psicanalistas baseia-se em três atividades complementares e indissociáveis: a análise pessoal conduzida por colega comprovadamente experiente e competente, o analista didata; o estudo da teoria durante quatro anos de seminários e grupos de estudos, num total aproximado de 960 horas, e a prática clínica supervisionada, durante 200 a 300 horas, em média. Esse tripé oferece àquele que a busca uma formação baseada em experiência vivida. Nos institutos de formação, ele(a) entra em contato com outros analistas que já passaram ou estão passando pelo processo, desenvolve sua análise pessoal, participa de seminários teóricos e clínicos e tem seu trabalho supervisionado, apresentando trabalhos com temas em Psicanálise que mostrem sua prática clínica, para então receber o título de psicanalista.

A formação de cada psicanalista é um processo permanente e singular, que sempre se amplia no diálogo com os textos clássicos e os atuais, produzidos por colegas, e na experiência pessoal vivenciada com seus analisandos. Um psicanalista não orienta, não aconselha, não diz o que é melhor ou pior para a vida de ninguém. Nem se arroga ao direito de saber o que deva ou não ser feito pelos seus pacientes. Para tanto é fundamental que o psicanalista possa diferenciar o que é seu do que é do outro, ou seja, que não confunda os sofrimentos e alegrias de seus pacientes com os seus próprios sentimentos e pensamentos.

Para isso é essencial que o analista se submeta – ele próprio – a uma psicanálise com um analista mais experiente que lhe permita alcançar o melhor autoconhecimento possível. Este trabalho, conhecido como análise didática ou análise de formação, pode transcorrer por mais de oito anos, com frequência de três a quatro sessões por semana e não raro, anos depois de terminar esse processo, muitos analistas retornam ao divã para uma reanálise. Especialmente este ponto, fundamental para a formação do analista, entende-se impossível de ser regulamentado. Uma tentativa de fazê-lo acarretaria uma desfiguração da própria essência do processo analítico.

Enfatizamos este ponto – a análise pessoal – como o mais importante elemento do chamado tripé da formação. Algo que impossibilita definições e regulamentações sobre este processo. 

Psicanálise não é uma prática de convencimento. Sendo um ofício – e não uma profissão – a Psicanálise não se ajusta aos modelos de profissionalização que recebem algum tipo de certificação ou diploma, expedidos por instituições de ensino ou órgãos reguladores públicos.

Enfim, o surgimento de um psicanalista depende, essencialmente, de sua análise pessoal conduzida nos moldes acima descritos. A Psicanálise não é regulamentada como profissão no Brasil e não o foi até agora porque os parlamentares brasileiros, desde as primeiras tentativas na década de 1970, reconheceram a complexidade do campo psicanalítico e resistiram a qualquer decisão que pudesse desfigurar, e mesmo banalizar, um ofício que lida tão intimamente com o sentir, o pensar e o agir humanos. Os psicanalistas não reclamam nenhuma regulamentação do Estado. A Psicanálise persiste há mais de um século graças a princípios e métodos rigorosos e a um corpo teórico e técnico que tem a proposta de Sigmund Freud como fundamento. Uma regulamentação da Psicanálise externa a seu campo geraria um funcionamento contraditório ao surgimento ou formação de um analista. Dificultaria a operação em vez de melhorar suas condições.

Reconhecemos a dificuldade de enquadrar um processo eminentemente particular, independente e individual como o é a psicanálise num projeto regulatório, coletivo e abrangente, como os propostos de tempos em tempos. 

Hoje mesmo tramitam no Senado Federal dois Projetos de Lei que pretendem a “regulamentação” do ofício da psicanálise, que podem levar a um quadro sério de manipulação e persuasão dirigidas não para o atendimento à saúde mental do brasileiro, mas a interesses não republicanos.

São eles: o PLS 174/2017, que regulamenta o exercício da profissão de terapeuta naturista e, inexplicavelmente, inclui o psicanalista nesta classificação. O projeto está na Comissão de Assuntos Sociais e o relator é o senador Irajá (PSD-TO), que apresenta voto pela rejeição da proposta. E o PLS 101/2018, que regulamenta a profissão de psicanalista. Também se encontra na Comissão de Assuntos Sociais, com relatório apresentado pelo senador Jayme Campos (DEM-MT). Ambos os projetos são de autoria do senador Telmário Mota (PTB-RR).

No presente momento, a FEBRAPSI, alinhada ao Movimento Articulação, tem a posição de que seja retirada do texto do PLS nº 174 a Psicanálise em todas as suas modalidades, e de que o PLS nº 101 seja rejeitado pela Comissão de Assuntos Sociais.                          

A FEBRAPSI se coloca à disposição para o debate desta importante questão e conta com o apoio dos senhores senadores na luta pela preservação de uma psicanálise baseada na ética e na rigorosa formação de seus profissionais.

 

Anette Blaya Luz – Presidente da FEBRAPSI

Hemerson Ari Mendes – Diretor do Conselho Profissional da FEBRAPSI

 

Brasília, 06 de novembro de 2019.

 

Foto: A presidente da FEBRAPSI, Anette Blaya Luz, em visita à Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado, em maio deste ano, conversa com o então assessor parlamentar da FEBRAPSI, Eduardo Balduíno.

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