Considerado o enfant terrible da psicanálise, por sua ousadia em enfrentar questões delicadas no corpo teórico e clínico da mesma, e por sua dedicação ao que fora deixado de lado na obra de Freud, Sándor Ferenczi se destacou como um dos seus discípulos prediletos, bem como seu mais significativo colaborador. Pertencente à primeira geração da psicanálise, foi um dos organizadores e defensores do movimento psicanalítico, tendo sido dele a idéia de que um pequeno grupo de homens pudesse ser analisado por Freud pessoalmente, para depois transmitir a psicanálise em suas cidades de origem. Essa prática acabou por dar origem à análise didática e, mais tarde, à institucionalização da psicanálise, com a fundação da International Psychonalytical Association – IPA, criada por ele a pedido de Freud. Conhecido por ser um analista eminentemente clínico, se ocupou da teoria do espaço analítico e do lugar do analista, distinguindo-se de Freud que tratou, mais especificamente, da estruturação do aparelho psíquico.
Nasceu na Hungria, em 1873, descendente de uma família de judeus poloneses. Cresceu numa atmosfera familiar vinculada à intelectualidade de sua época. Seus pais eram livreiros e juntavam a seu redor grande número de artistas e pensadores. Esse ambiente favoreceu a originalidade e autonomia de seu pensamento, reveladas nas posições subversivas que tomou durante a vida. Desde o início de sua formação como médico neurologista esteve preocupado com a diminuição da dor psíquica, se ocupando de pacientes em estado de grande sofrimento, o que o levou a se aproximar de formas alternativas de cura, tais como o espiritismo e seitas orientais, até seu encontro com a psicanálise.
Sua produção teórica teve início logo após seu contato com Freud em 1908. Dedicou toda sua obra a questionar a psicanálise, procurando ampliar seus limites terapêuticos e, em suas preocupações, privilegiou o tratamento de psicóticos, de pacientes psicossomáticos e casos-limites, sendo que muitas de suas idéias encontram-se na origem da teoria psicanalítica das escolas inglesa e francesa.
Dentre seus interesses teóricos destacam-se: os temas da introjeção e projeção, a ênfase sobre o papel estruturante do objeto externo no desenvolvimento psíquico, a regressão na cura analítica, a importância dos vínculos – relação mãe e bebê, o impacto do trauma infantil na constituição do sujeito, a distinção do trauma, do traumático e do traumatismo, bem como a clivagem corpo e psiquismo. No desenvolvimento das questões técnicas, propôs a necessidade de contato emocional entre analista e analisando para a efetiva realização de um processo de mudança psíquica; ressaltou a importância da empatia e da contratransferência como paradigma técnico, e a defesa da psicanálise para não médicos.
Cada vez mais, a importância de sua obra tem sido reconhecida pela atualidade das questões abordadas, que se revela no debate do tratamento de vítimas de abuso sexual infantil, em sua proposta de integração do biológico com a psicanálise e na investigação de transtornos graves de caráter, estruturas narcisistas e pacientes limítrofes.
Resenha elaborada por Maria Nilza Mendes Campos, do Instituto de Psicanálise Virgínia Leone Bicudo, da Sociedade de Psicanálise de Brasília.