(1910 – 1986)
Rosenfeld contribuiu, através de seus trabalhos clínicos e teóricos, para o desenvolvimento de vários temas da psicanálise, como narcisismo, estados confusionais do pensamento esquizofrênico, fenômeno de despersonalização, técnica da análise da inveja, identificação projetiva e fenômenos psicossomáticos, dentre outros. No entanto, o seu nome está mais ligado à análise de psicóticos. É sabido que ele, com sua grande sensibilidade, ousadia e persistência em procurar sentido na escuta analítica de psicóticos, é um dos pioneiros nesse campo.
Herbert Alexander Rosenfeld nasceu em 1910, na Alemanha, e morreu no dia 30 de novembro de 1986, em Londres, depois de sofrer um acidente vascular cerebral, enquanto coordenava um seminário clínico. Faleceu, portanto, em plena atividade, ainda atendendo grande número de pacientes e ministrando seminários, tanto em Londres quanto no exterior.
Rosenfeld era de uma família judia de classe média. Seu pai imaginava-o seu sucessor nos negócios da família, porém ele interessou-se pela medicina desde a adolescência. Durante seu curso sentiu-se atraído também pelo estudo da psicologia. Na universidade, teve acesso a obras de Freud, Jung e Adler. Formou-se em 1934 e sua tese de graduação teve como título “Ausências múltiplas na infância”.
Com a ascensão de Hitler ao poder, os estudantes de descendência judia eram proibidos de ter acesso direto a pacientes. Em virtude disso, tão logo se formou, emigrou para a Inglaterra. Lá, estuda e faz exames de qualificação da língua inglesa para revalidar seu diploma. Mas, por questões políticas, seu visto é cancelado. Candidata-se, então, ao curso de psicoterapia oferecido pela Tavistok Clinic, onde o visto de permanência ainda era concedido. Aí, inicia o curso e toma conhecimento de um novo grupo que estava se formando. Era o grupo kleiniano. Nesse ínterim, sua esposa inicia análise com Paula Heimann, que pertencia a esse grupo. Ele fica surpreso com a compreensão e insights que sua esposa manifestava a respeito de seus conteúdos mentais, e aplica algumas das idéias discutidas com ela em seus pacientes. Percebe evidentes resultados e constata quão parcos eram seus recursos.
Nesse período Rosenfeld trabalhava em vários hospitais psiquiátricos, procurando escutar e conversar com os pacientes, adotando postura empática e investigativa, mesmo na ausência de um modelo estabelecido de psicoterapia de psicóticos. Destaca, desse período, o contato com três pacientes que exerceram influência considerável em sua carreira. Todos eram esquizofrênicos e o deixaram otimista quanto à possibilidade de tratá-los.
As limitações sentidas durante o trabalho e a proximidade, mesmo enviesada, com a psicanálise, fizeram com que Rosenfeld procurasse Melanie Klein, que acabara de retornar a Londres. Foi aceito como analisando, inscrevendo-se logo em seguida como candidato à formação, no curso oferecido pela Sociedade Psicanalítica Britânica. Nas palavras do próprio Rosenfeld, seu contato com Klein, como terapeuta e pensadora, inaugurou uma nova fase de seu trabalho.
Poucos anos depois, já no Instituto, ele entra novamente em contato com a psicose. Analisa uma paciente que sofria de um estado esquizofrênico com despersonalização. Com insistência, ele consegue a permissão de sua supervisora para continuar com essa paciente como caso clínico para seu relatório.
O êxito conseguido até então com os outros pacientes psicóticos, segundo Rosenfeld, advinham da sua capacidade de estabelecer contato com eles. Porém, no caso dessa paciente, isto era extremamente difícil, pelo bloqueio e negativismo apresentados por ela, tornando a relação transferencial incompreensível para ele. A vivência desse impasse o torna mais atento às suas próprias emoções, bem como às suas reações à paciente.
Passa, então, a examinar sua contratransferência (nessa época – 1944 – ter sentimentos para com o paciente era visto como necessidade de mais análise do analista e, segundo ele, até Melanie Klein tinha muitas dúvidas a respeito da contratransferência). Contudo, sua análise o ajudou a compreender melhor suas reações à paciente e mobilizou áreas que correspondiam aos níveis infantis que a paciente estava atuando. Vivenciou, também, vários mecanismos esquizóides, que o deixavam bloqueado. A partir de toda essa compreensão, pôde entender melhor sua paciente, e esta, por sua vez, pôde entrar cada vez mais em contato e revelar seus sentimentos de forma menos persecutória.
A compreensão e os insights que ele adquiriu ao trabalhar a transferência psicótica proporcionaram-lhe uma base sólida para o desenvolvimento de seu trabalho com outros psicóticos, bem como para transmitir esses conhecimentos. Outras contribuições importantes também surgiram nesse período, como as da própria Klein, de Hanna Segal, Bion e, um pouco mais tarde, Betty Joseph. Porém, essas contribuições vieram logo depois da publicação do artigo de Rosenfeld, de 1947, “Análise de um estado esquizofrênico com despersonalização”. Rosenfeld deixa esse marco, pois como ele mesmo diz, a partir de 1947 cresce o número de analistas que tentam trabalhar com pacientes psicóticos, em vários continentes.
Em 1952, o artigo intitulado “Notas sobre a psicanálise do conflito com o superego num paciente esquizofrênico em fase aguda” é considerado de fundamental importância, pois o autor descreve, pormenorizadamente, método, técnica, controvérsias no manejo clínico de pacientes esquizofrênicos em fase aguda, enfatizando os aspectos mais rígidos e arcaicos do superego. Esse artigo é visto pelo psicanalista Elias Mallet da Rocha Barros, que conhece com profundidade a obra de Rosenfeld, como a base para o desenvolvimento de seus trabalhos posteriores sobre o narcisismo. Mallet considera também que esse artigo é a contribuição mais original de Rosenfeld, e forneceu subsídios para outros artigos importantes, inclusive “Inveja e Gratidão”, de Melanie Klein (1957).
Outro legado importante de Rosenfeld é o seu livro “Impasse e Interpretação”, que estava sendo finalizado quando de sua morte. Nesse livro, entre vários aspectos importantes, ele discute minuciosamente formas de lidar com sintomas psicóticos, visando prevenir o impasse terapêutico. Descreve também os fatores terapêuticos e antiterapêuticos no tratamento psicanalítico de pacientes neuróticos, psicóticos e fronteiriços.
Rosenfeld é um elemento importante da história da psicanálise. Ajudou a consolidar o grupo kleiniano, graças às suas ricas contribuições, através de livros, artigos, conferências, aulas e supervisões, tanto na Inglaterra como nos Estados Unidos, Canadá, França e Alemanha.
Referências bibliográficas
- Barros, Elias Mallet da Rocha – Herbert Alexander Rosenfeld, 1910-1986: uma nota histórica sobre sua contribuição à psicanálise – Boletim Científico – SBPRJ, 1987.
- Rosenfeld, Herbert A. – Impasse e Interpretação – Rio de Janeiro: Imago Editora, 1988 – Nova Biblioteca de Psicanálise.
- Spillius, Elizabeth Bott – Melanie Klein Hoje: Desenvolvimento da Teoria e da Técnica – Rio de Janeiro: Imago Editora, 1991 – Nova Biblioteca de Psicanálise.
- Hinshelwood, R. D. – Dicionário do Pensamento Kleiniano – Porto Alegre: Editora Artes Médicas, 1992.
Resenha elaborada por Sancha Maria Benvindo Lopes, membro associado da Sociedade de Psicanálise de Brasília.