Observatório Psicanalítico – 88/2019
Ensaios sobre acontecimentos sociais, culturais e políticos do Brasil e do mundo.
Uso das redes sociais e narcisismo
Sérgio Kehdy (SBPMG e SPRJ)
As redes sociais são uma realidade e sem qualquer pretensão de explicação antropológica, eu acredito que quando algo se torna um fenômeno de grandes proporções sempre expressa uma necessidade, um preenchimento de faltas. Imagino que essa aderência às redes foi devido a um esvaziamento das relações.
“Mostre-me suas redes que te direis quem és”. Em outra ocasião escrevi essa frase, pois acho que as redes, assim como qualquer coisa, não criam as pessoas. Cada uma se mostra nas redes como são na vida.
O narcisismo e suas transformações são a essência do equilíbrio psíquico e seu desenvolvimento, como todos, é dinâmico e sujeito a variações, embora a estabilidade básica seja constante, o que permite sobreviver aos traumas e feridas. Aqui não cabe qualquer teoria, visto que o espaço é o de um recado sobre questões da atualidade.
As redes, que são várias e cada uma tem uma finalidade, vou diferenciar em redes amplas, tipo Facebook e Instagram, das redes de encontros, tipo tinder e grindr. A mais simples e usada, Whatsapp, engloba todas as características.
As primeiras vieram para suprir os distanciamentos criados pelas sociedades contemporâneas, grandes distancias e sua grande utilidade, além das comerciais e informativas, foi a de propiciar encontros e reencontros, alguns muito significativos. Você “vê” pessoas das quais não tinha quaisquer notícias e passa a conhecer outras recém apresentadas, aumenta seus contatos e faz interações interessantes. Nessas, as questões narcísicas “normais” são até certo ponto satisfeitas, pois as reconhecem suas postagens, comentam seus feitos e acabam por trazer sensação de prazer. As pessoas sem patologias narcísicas funcionam assim e claro, através desses contatos podem e chegam a encontros verdadeiros. Parte boa dessas redes. As de relacionamentos são um pouco mais complicadas, pois são pontes para encontros reais e que funcionam para aproximarem pessoas, alguns dão certo.
As dificuldades narcísicas aparecem com clareza nas redes, tanto como possibilidade exibicionista, postam retratos e trocam os perfis frequentemente e sempre buscam elogios e confirmações de suas “belezas”.
Sabemos que as dificuldades narcísicas, integração frágil de self, precisam de respostas todo o tempo, sendo uma das explicações das compulsões, pois a necessidade de se manter integrado faz com que busquem o tempo todo essas respostas. Creio que essa coisa incessante de whatsapp possa ser assim explicada. Responde-se e solicita-se todo tempo e de modo geral as respostas são positivas, pois vêm de alguém que também está na mesma situação. Imagino que se busca com essas atitudes objetos responsivos que devem ter sido insuficientes. Dizendo de outra forma, as redes facilitam a idealização dos objetos e inclusive, as falhas nas respostas são recebidas como agressões e propiciam cortes nos vínculos, pois parece ser o reino da “maravilha”, quando vem o não costuma ser muito mal recebido.
Concluindo, sem concluir nunca e realçando a limitação dessa comunicação, gostaria de afirmar que as redes sociais são irreversíveis, são uteis e vieram porque ocupam uma falta causada pelas mudanças da contemporaneidade, e a grande característica é que expressam o que as pessoas são e suas formas variadas de funcionarem na vida.
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