Observatório Psicanalítico – 136/2020
Observatório Psicanalítico – 136/2020
Ensaios sobre acontecimentos sociais, culturais e políticos do Brasil e do mundo.
Tensão guerreira e responsabilidade do líder
Valton de Miranda Leitão (SPFOR)
Aconteceu, dias atrás, um fato lamentável que pode mudar o curso da história mundial. Donald Trump, mistura de paranoia e insensatez governamental, presidente dos EUA, ordenou o assassinato de Qasem Soleimani, herói e símbolo da revolução iraniana. A conflagrada geopolítica internacional tenta agora evitar o descarrilhamento que pode levar à terceira guerra mundial.
O historiador grego Tucídides, em 430 a.C., disse: a guerra do Peloponeso aconteceu em virtude da grande ascensão de Atenas e o medo de Esparta, deflagrando o conflito. Os EUA, potência em declínio, estão temerosos em relação à China e à Rússia, em busca de um pretexto para detonar seu histórico belicismo. Além disso, diante da proximidade de um período eleitoral, vemos que, com frequência, o governante de plantão tem acionado o sentimento ufanista predominante da cultura norte-americana através do estímulo ao conflito bélico. Trump enfrenta, ainda, o processo de impeachment conduzido pelo Partido Democrata.
Em vários momentos da história dos governos norte-americanos são inventadas narrativas para acender o estopim guerreiro, como no Golfo Pérsico e no Iraque, com a célebre mentira das armas químicas. Essas falsificações tornaram-se a regra que conduz a geopolítica ocidental comandada pelo império norte-americano. A esperança do mundo é que o Irã se mantenha nos atos retaliatórios, coisa que será, de qualquer modo, terrível. O aumento do preço do petróleo vai impactar todos os países, inclusive o Brasil, com sua estúpida política exterior. A esperança do povo brasileiro é que o sindicato do crime e da psicopatia instalados no país possa ter alguma prudência, conforme estão recomendando os grandes líderes internacionais.
Neste momento de polarização em todos os níveis, seja da cultura, da política, dos interesses geopolíticos e até familiares, a figura do líder assume uma condição fundamental. Sartre afirmava que a angústia do Ser trágico pode submergir o homem no vazio do nada. Freud caracterizou o mal-estar como impotência da libido para se manifestar, inclusive como sublimação, abrindo caminho para a destrutividade da pulsão de morte. Marx afirmava que a pauperização e a miséria, consequentes ao domínio exclusivo do Capital, eram o motor de todas as crises que levavam à guerra. Os três gigantes do pensamento mostraram, por diferentes caminhos, que os líderes jogam papel importantíssimo quando as coletividades estão dominadas pela paixão.
Os grupos humanos, nessas circunstâncias, desprezam o conhecimento da realidade e passam a funcionar naquilo que Bion chamou de –K. Isso abre caminho para lideranças fetichistas como Hitler, Mussolini, Salazar e Stalin, menosprezando a Razão como instrumento de compreensão política.
Os líderes que oscilam entre paixão e razão vão se ajustar ao processo de dominação, burocratização ou domínio carismático de parcelas da população ou de todo um povo. A mitificação por alguns setores populacionais de certas lideranças carismáticas torna a moral, instrumentalizada pela mídia, perigoso instrumento político. Nessas condições, conceitos como limpeza, purificação e purgação, próprios do funcionamento paranoico, entram na composição dos argumentos para humilhar, torturar e até matar.
A república teocrática do Irã tem na figura suprema do Aiatolá Ali Khamenei, aquilo que Marx Weber chamou de liderança tradicional, marcada pela fé religiosa.
A teorização weberiana coloca três tipos básicos de soberania ou dominação: burocrática, tradicional e carismática. Destarte, essas formas cambiáveis de liderança sempre estão entre o carisma e a racionalidade. O carisma pode ter função positiva ou negativa, conforme o líder seja mais ou menos paranoico e perverso, pois, na perspectiva que desenvolvi em alguns trabalhos, a concepção ética da paranoia pode ou não confundir-se com religião. É por esta razão que o conceito de ética política, mais do que em outros domínios culturais, é muito controverso, sendo seu uso melhor estabelecido por Weber, quando fala de ética da responsabilidade e da convicção.
Nesse sentido, a responsabilidade está ligada a decisões racionais, enquanto a convicção se orienta pela fé. O poder sob o domínio de lideranças orientadas exageradamente pela ética da convicção pode se tornar perigoso instrumento bélico. Decorre disso que a decisão tomada pelo presidente norte-americano de assassinar a liderança mais popular do Irã é uma ação terrorista de Estado.
Portanto, conforme a reflexão acima desenvolvida, apoiar tal medida significa alinhar-se com a perversão e a paranoia do governante que utiliza o poder de forma aberrante e principalmente antidemocrática.
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