Observatório Psicanalítico 36/2017
Ensaios sobre acontecimentos sociais, culturais e políticos do Brasil e do mundo
Suicídio e homicídio na universidade
Roosevelt Cassorla (SBPSP e GEPCampinas)
Psicanalistas somos artesãos e trabalhamos microscopicamente com fatos clínicos que se manifestam no campo analítico. Frente a um suicídio, como o do reitor da UFSC, somos levados a pensar – com pena e indignação – em hipotéticos fatores subjacentes, cuja validação será impossível. Os indícios revelam situação altamente traumática. Frente a dores insuportáveis o ato suicida se impõe como forma de escape e protesto. Os colegas sabem que a Universidade foi invadida e o reitor preso e humilhado. Nada que exigisse atos desse tipo.
O psicanalista gostaria de escrever mais sobre o assunto. Fica para outra vez. Logo percebe que o episódio não é único. Há uma repetição. Invasão de salas de aula na Universidade do Pará, acusações a professores da UFRS, condução coercitiva e acusações aos dirigentes da UFMG, situações parecidas em outras universidades. De repente descobrimos que a corrupção se encontra…. nas Universidades !!!
Como Professor Titular, por concurso público (o título, que não costumo usar, é importante neste momento), de uma Universidade Pública (UNICAMP), com décadas de convívio no meio universitário, posso afirmar que a corrupção endêmica NÃO se encontra na Universidade Pública. Todos sabemos onde ela está.
Não é preciso repetir que é a Universidade Pública, com tradição de pensamento livre, de debate criativo, de investigação ética, de interação com a sociedade mais ampla, o locus privilegiado do exercício da cidadania. Isso é impossível nas instituições privadas ou mesmo confessionais.
Sabe-se que a imensa ampliação das Instituições de Ensino Privadas, geralmente de baixo nível, com ações altamente valorizadas nas bolsas de valores, têm sido bancadas com dinheiro público. Somente podemos imaginar as formas como conseguem isenções de impostos, verbas governamentais e outras benesses. Seus alunos fazem parte da população que o governo sustenta com bolsas de estudo, dinheiro que enriquece as instituições e que contribui para a formação de indivíduos sem pensamento crítico suficiente. Enfim, instituições incrivelmente mantidas – em grande parte – pelo dinheiro público.
A privatização tem sido tomada como a solução para a “ineficiência” do serviço público. Nós, que estudamos em escolas públicas, que frequentamos e trabalhamos em Universidades Públicas, sabemos do esforço, da seriedade, do compromisso com a Sociedade e a firme intenção de que ela se beneficie da investigação, ensino e assistência. São as Universidades Públicas que têm buscado a inclusão dos menos favorecidos, implementando formas criativas, como os sistemas de cotas, os cursinhos preparatórios, o preparo intra-universitário. Experiências de sucesso, que conheço de perto. Esses alunos não se diferenciam, no decorrer dos cursos, dos demais e por vezes os superam, desfazendo a ideia de que somente os mais favorecidos podem aproveitar as Universidades de primeira linha.
Não há dúvidas de que se vem tentando, já faz tempo, o desmonte dessas instituições. Seu homicídio. A Educação, em todos os níveis, vem sendo atacada, ainda que se resista heroicamente. Há fortes indícios de que governos vão efetuar Parcerias Público Privadas (!) para as escolas estaduais. Vou pular a questão curricular, onde se ataca o ensino laico (convênio com o Vaticano, influência da bancada “evangélica” – que, aliás, já tem uma numerosa formação de “psicanalistas”) e o pensar crítico (escola ‘sem partido’, proibição de discutir sexualidade, indução sutil ao racismo e fanatismo).
De tempos em tempos surge a falácia da cobrança de anuidades pela Universidade Pública. Agora se aproveita um documento do Banco Mundial nessa direção. Debater essas propostas, em uma forma democrática, não será negado pelas Universidades. Essa discussão, no entanto, nunca é proposta, porque se sabe que os argumentos serão rapidamente desfeitos. E as segundas intenções correm o risco de serem descobertas.
Tudo indica que privatizar a Universidade é um dos objetivos escondidos. O mesmo ocorre com a pesquisa em outras Instituições Públicas, com a Saúde, os presídios e, no futuro, poderá ocorrer com a própria Justiça. Primeiro se lhes cortam os recursos, em seguida são consideradas ineficientes, agora se mostra que são “corruptas”. O pensamento simplista é “comprado” pela população, alvo de campanhas propagandísticas insidiosas. A “solução” simplista, também. O Grande Irmão, de “1984”, insiste, como as pulsões destrutivas.
A questão é eliminar o livre pensar, o questionamento criativo, a investigação ética, a ampliação do universo simbólico, a oposição ao autoritarismo e ao dogmatismo. O resultado será o lucro, a manipulação do pensar, o pragmatismo não ético, a verdadeira corrupção que comprará “leis” vantajosas ou meios de não as obedecer. E isso ocorre quando a cidadania se aliena ou é alienada pela falsa informação e estímulo ao pensar.
Como psicanalistas e cidadãos temos que continuar alertas para as consequências deste momento triste de nossa história. Aqui e em outros países, onde o desrespeito aos direitos humanos e à alteridade, o ataque ao pensamento, o fanatismo, a violência e a desumanização vêm se alastrando. Temos que continuar estimulando o debate. O Observatório tem sido um dos lugares propícios para isso, mas temos que ir além.
(Nesta semana foram presos os dirigentes de uma instituição privada que, em convênio com a Prefeitura de Campinas, dirigia o Hospital Municipal Ouro Verde. Corrupção na escolha, desvio de dinheiro, licitações dirigidas e tudo o que já sabemos. Um bom exemplo de como uma “privatização” sutil termina. Veja mais detalhes na internet).
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