Observatório Psicanalítico – 80/2018
Sobre João de Deus
Roosevelt Cassorla (GEPCampinas)
A adoração do Phallus (pênis ereto) percorre toda a história de humanidade e a encontramos nas mitologias. Trata-se de uma equação simbólica com o Sol, que por sua visibilidade foi um dos primeiros Deuses. O Sol dá a luz e a vida. Intuitivamente se sabia que o Sol fertilizava a terra de onde vinha a alimentação. A adoração ao Phallus deve ter ocorrido ao mesmo tempo. A Fertilidade, a Vida, dependem dele. O sêmen é a semente. A mulher é a terra, o receptáculo do sêmen. Imagino que, aos poucos, a mulher passa a ter importância como quem estimula a ereção, mas essa importância é denegada. Em algum momento surgem as Deusas do amor e a prostituição sagrada. A questão da fertilid ade está sempre presente.
Adorar é prostrar-se, curvar-se em direção à terra. Quem adora reconhece o objeto de adoração como seu senhor, será seu servo e o obedecerá. Para nós, psicanalistas, adoração é uma submissão total ao objeto idealizado. O Sol, o Phallus, o Sacerdote, representante de Deus. A adoração é a mesma que um bebê frente a sua bela e fascinante mãe, de quem ela depende. É a adoração do casal parental, agente da fertilidade, de quem se nasceu. A perplexidade frente aos mistérios do que ocorre “no quarto dos pais” estimula tanto idealização como perseguição. A adoração implica não apenas em submissão total, mas há que louvar, pedir, implorar, benesses e perdão pelos pecados (todos somos pecadores, pois temos ciúmes pela exclusão e inveja pela capacidade de dar luz). Haverá que fazer sacrifícios (Isaac dá o próprio filho), fazer jejum, sofrer, morrer por Deus (para encontra-lo no “outro mundo”).
É fácil projetar esse Deus nos poderosos. Executivos e executivas que seduzem seus subalternos, governantes e ditadores. Todos os ditadores (Khadafi tinha uma guarda pessoal constituída somente por mulheres, que o serviam sexualmente). Sacerdotes.. Psicanalistas conhecemos bem o poder da transferência erótica e da transferência erotizada. Todo homem (e mulher) poderosos são vivenciados como sedutores irresistíveis, principalmente por pessoas carentes, com vazios internos, que precisam desesperadamente de Deuses que os valorizem e os protejam. O Fanático se entrega ao Fanatizador pelo qual se apaixona, em forma sexualmente sutil ou manifesta. A submissão é total. Quem se lembra do filme “Pasqualino Sete Belezas” que, cadavérico, mantinha relações sexuais com sua carcereira, em um campo de concentração ? Ou a Síndrome de Estocolmo em que o sequestrado ou torturado se apaixona sexualmente por seu torturador ?
Portanto, a associação entre sexo, religião e sacerdócio, sempre existiu. Seu uso religioso ou mundano depende de vários fatores. As denúncias contra João de Deus vieram em sequência a um movimento mundial (cujo auge o MeToo) que já havia denunciado vários monges tibetanos budistas, que viviam cercados por jovens mulheres e atraiam pessoas da Europa e EUA. E, também, aos escândalos sexuais na Igreja Católica. Nada de novo, mas não se podia denunciar pois a vítima acabaria se transformando em culpada(o). O espaço para a cidadania vem se ampliando mas há que ficar alerta para a retomada mundial do fundamentalismo fanático.
Sabemos que o poder corrompe. E há quem não perceba a corrupção, hipnotizado pela sedução de um Phallus idealizado a quem há de, prazerosamente, submeter-se. Não podemos condenar ninguém até que seja considerado culpado. Injustiças ocorrem quando o populacho se excita com a sexualidade alheia. Projetam-se no outro (o mau) aquilo que é recalcado ou cindido. Em situações similares à de João de Deus, pouquíssimas pessoas denunciam. Muitas mulheres (e talvez homens) se sentem orgulhosas de serem escolhidas. Durante o sexo são “purificadas” com o sêmen divino.
Este assunto é sério, mas um pouco de humor politicamente incorreto, me lembrou uma velha piada sobre um Argentino (narcísico, evidentemente). Na Argentina seria um brasileiro, que fala que “o maior do mundo” está no Brasil. Era uma relação sexual e a mulher geme de prazer, gritando ‘Dios mio, Dios mio”. O Argentino lhe diz: “Gracias, Susana, pero puedes llamarme Juan.
(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores).