Observatório Psicanalítico 07/2017
Ensaios sobre acontecimentos sociais, culturais e políticos do Brasil e do mundo.
Psicologia do ódio
Sergio Nick (SBPRJ)
Na minha infância e pré-adolescência, Alá me remetia a Éden… ao Jardim das Delícias, tal a alegria que tinha ao ir brincar no Jardim de Alah, praça carioca aonde todos acorriam para momentos de lazer. Era um espaço multiétnico e multissocial, uma vez que o Leblon abrigava todas as classes sociais, desde os ricos da orla praiana até os que viviam na favela Praia do Pinto, de triste memória.
Hoje, há os que odeiam Alá e os muçulmanos, como a colocar em sua conta os desmandos que terroristas vêm cometendo mundo afora. É de se notar que parte do mundo ocidental segue em sua dificuldade de enxergar muito além de seus quintais, haja vista a enorme cobertura dada aos episódios ocorridos recentemente em Londres, enquanto os maiores atentados ocorrem no próprio Oriente Médio. Disso decorre parte de minha reflexão, que mira uma redenção desse Alá que está na mente dos terroristas, bem como demonstrar a necessidade de se repensar não só o mundo, mas também o que ocorre ao nosso redor.
Não é desconhecido o ódio gerado por atitudes de desprezo, desleixo e maus-tratos a pessoas de toda e qualquer classe social, etnia ou religião. Winnicott, psicanalista inglês que estudou o assunto em “Privação e delinquência”, já apontava que muito do comportamento delinquente nascia de situações de privação na infância. Anne Alvarez, outra estudiosa do assunto, relacionou o comportamento psicopático ou antissocial a situações de intenso abandono e maus-tratos, mostrando como psicanalistas poderiam reverter este quadro infantil desde que dispostos a se encontrarem com a violência profundamente enraizada nessas crianças.
Ao erigir Alá como aquele a quem se tributa toda a violência causada ao outro, os terroristas nada mais fazem do que justificar o seu ódio como um ato de amor a uma figura idealizada, mecanismo psicológico já bem estudado desde os escritos ditos “sociológicos” de Freud. Diante de um trauma psíquico de grande monta, o narcisismo do sujeito é duramente atingido, ensejando um vale-tudo na busca de uma saída.
Estudioso da fúria narcísica, Kohut apontava para a enorme dor psíquica gerada por necessidades frustradas e a reação descontrolada e irracional dela decorrente. Em meu trabalho como assistente técnico em processos que correm em varas de família, acompanho a dor de ex-cônjuges e suas reações, muitas vezes impensadas e com enorme consequências na vida dos filhos. Ali, vemos pessoas de todas as classes justificarem atos claramente danosos aos filhos, como a alienação parental, sem que atinem, seja para a lei que a condena, seja para os clamores de filhos e parentes mais lúcidos. Faz-se de tudo em nome de quaisquer deuses ou ideologias, uma vez que ao frustrado por uma separação falta muitas vezes a capacidade para pensar e ser razoável, gerando conflitos que muitas vezes se arrastam por anos no Judiciário.
A nós, enquanto capazes de tirocínio, cabe combater todo tipo de desigualdades, injustiças e desmandos, sempre tendo em mente que o mal causado hoje pode voltar sob a forma de uma violência irracional.
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