Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo
Sódepois 47
Março/2024
O mês de março, para nós mulheres, não é somente um mês a mais do Calendário Anual. Mas tempo de pensar sobre a luta pelos nossos direitos, celebrados internacionalmente no dia 8.
Em 1910, Clara Zetkin (professora, jornalista e política marxista alemã, uma das fundadoras e dirigentes do Socorro Vermelho Internacional) propôs, na Il Conferência Internacional da Mulher Socialista em Copenhague, um dia internacional dedicado à reivindicação dos direitos das mulheres com o objetivo de unificar uma data para celebrar a solidariedade internacional na luta de objetivos comuns. A deflagração da greve das tecelãs de São Petersburgo, que impulsionou a Revolução Russa, no dia 8 de março de 1917, fez com que esta data fosse consagrada como o Dia Internacional das Mulheres. Relembrar e comemorar esta data é uma estratégia para impedir que seu caráter emancipatório e sua potência revolucionária sejam esvaziados e transformados apenas em produtos pelo capitalismo. O dia 8 de março, portanto, foi e sempre será um dia de luta feminista! (@boitempo)
Nosso cotidiano contemporâneo tem demonstrado que nós, mulheres, ainda estamos longe de ter uma vida sem sermos importunadas, desautorizadas, agredidas, assediadas, violentadas, estupradas e até mortas por muitos homens, simplesmente pelo fato de sermos mulheres.
No Brasil, após 6 anos do crime, a Polícia Federal respondeu à pergunta: “Quem matou Marielle?” Foram presos, no dia 24 de março os acusados como responsáveis pelo assassinato da vereadora do Rio de Janeiro e do motorista Anderson Gomes, ocorrido no dia 14 de março de 2018. O motivo? A atuação da vereadora contra grilagem de terras em áreas de milícia na Zona Oeste do Rio, reduto eleitoral dos irmãos Brazão. Assim, Marielle (e o PSOL) estaria atrapalhando os interesses políticos e financeiros deles. O delegado, ex-chefe da Polícia Civil do estado do Rio de Janeiro, Rivaldo Barbosa, compõe o trio que é acusado de ordenar, planejar e executar o crime. Além de ajudar a arquitetar o crime é considerado o “sabotador” da investigação da apuração do homicídio, comprometendo as investigações e obstruindo a justiça com a promessa de impunidade aos mandantes em troca de uma boa fortuna e assim, prejudicando o resultado do inquérito. A relação entre crime, polícia e política se evidencia nessa matança. O estado dentro do crime: as delegacias, as chefias de polícia são loteadas, vendidas e, portanto, trabalham para políticos, em vez de trabalharem para a sociedade, de acordo com jornalista César Tralli.
Mas não é somente na política que “os homens parecem não soltar as mãos de outro homem”. Segundo entrevista do jornalista e apresentador da SportTV, André Rizek à jornalista Natuza Neri, no podcast “O Assunto”, a violência de gênero também comparece em atletas de alta performance, como o futebol.
Neste mês de março, eventos praticados por homens do futebol brasileiro contra mulheres ocuparam as notícias e as mídias sociais. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o ex-jogador Robinho, condenado na Itália em 2013 a nove anos de prisão por estupro coletivo de uma jovem albanesa, deverá cumprir a pena em nosso país. Nas plataformas de áudio é possível encontrar “Os grampos de Robinho” que comprovam os detalhes sórdidos do crime, contados na voz dos principais envolvidos. Em outro caso envolvendo astro do futebol, a instância mais alta da Justiça de Barcelona autorizou a liberdade provisória do ex-jogador Daniel Alves, condenado a quatro anos e meio de prisão pelo estupro de uma mulher, sob fiança de 1 milhão de euros, enquanto aguarda a sentença definitiva. Para evitar fuga, os passaportes foram recolhidos pela justiça do país. No Brasil, que não extradita brasileiros, o MRE Ministério das Relações Exteriores expediu nota aos consulados brasileiros na Espanha proibindo a concessão de novo passaporte, caso seja solicitado por Daniel.
Mas isso não é novo nos esportes. Em 1987, na Suíça, um abuso sexual de uma menina de 13 anos, envolveu 4 jogadores do Grêmio. Na semana passada, na Argentina, jogadores do Clube Vélez foram presos por abuso sexual. Na Inglaterra, o jogador Antony é acusado pela namorada de violência doméstica, como também o número 1 do tênis brasileiro Thiago Wild foi acusado de ter agredido fisicamente e humilhado psicologicamente ex-namorada, com quem esteve num relacionamento estável de 1 ano e 8 meses. Para André Rizek, o esporte é reflexo da sociedade brasileira afinal uma a cada três mulheres relatam terem sido agredidas sexualmente. Essa pesquisa, realizada recentemente no país, revelou que apenas 14% das atletas se sentem seguras para denunciar os casos de abuso moral e sexual vivenciados.
De fato, no dia a dia, mulheres são importunadas por homens: uma nutricionista ao deixar seu trabalho sofreu infortúnio sexual na saída de um elevador em Fortaleza. Israel Leal Bandeira passou a mão nas nádegas dela e, covardemente, se escondeu para não ser visto por ela. A assediada reagiu, chamando-o de louco. Indignada, e encorajada pelas amigas, fez denúncias nas redes sociais. Embora o crime tenha acontecido no dia 15 de fevereiro, as imagens capturadas pelas câmeras de segurança do prédio só ganharam destaque neste mês de março.
No OP, em função de certa dimensão simbólica, os ensaios psicanalíticos, ao olharem para os eventos sociopolíticos, culturais e institucionais, vêm ocupando, nos últimos 7 anos, um lugar na estrutura de nossa psicanálise brasileira: o de problematizar repetições que traumatizam. Para o filósofo Gilles Deleuze, o acontecimento tem uma relação com uma atribuição de sentidos na estrutura, considerando a estrutura como repetição em série. A repetição como diferença é o acontecimento que nos atravessa produzindo uma transformação no sentido daquilo que costumávamos, até então, interpretar. Como exemplo, citamos o dia 1º de dezembro de 1955, no estado de Alabama, nos EEUU, quando Rosa Parks, uma mulher, costureira, negra, durante uma viagem de ônibus se recusou a ceder o lugar a um homem branco. Ao se negar a sentar “no lugar devido”, Rosa produziu um acontecimento. No país, naquela época, os primeiros assentos eram reservados para os passageiros brancos. Até então, homens e mulheres, brancos e negros, ocupavam os assentos conforme o status-quo indicativo do sentido de uma divisão em castas, de raça e de gênero, uma divisão segregacionista nos Estados Unidos. No momento em que ela rompe com isso, se produz um acontecimento. É justamente o sentido que é dado para essa divisão de posições dentro da estrutura, no caso, de um transporte público que passa a ser questionável, algo novo acontece.
No OP, o assassinato do homem negro George Floyd por policiais brancos, também nos EEUU, se transformou num acontecimento, no plano de sentido, como no restante do mundo. Criamos a série “Vidas Negras Importam” devido ao alto número de ensaios produzidos pelos colegas psicanalistas. Desta forma, o OP, como dispositivo, segue contribuindo para que nossas instituições psicanalíticas passem a pensar sobre o racismo como parte de sua estrutura.
Na transição do mês de fevereiro para março recebemos o ensaio escrito pela Comissão Ubuntu (SBPdePA), “Racismo à brasileira: Mais do mesmo em Porto Alegre/fevereiro de 2024” (OP 474/2024), o primeiro ensaio publicado no início de março. Nesse, os autores analisam o evento praticado pela polícia da cidade que, ao chegar na cena de um crime – tentativa de esfaqueamento de um motoboy negro por um idoso branco incomodado por um agrupamento de entregadores que aguardam chamadas de clientes -, prende imediatamente o motoqueiro de pele negra, transformando o algoz em vítima. As práticas racistas, além de serem naturalizadas, passaram a ser o retrato da “letalidade da pulsão de morte, associada aos interesses políticos e econômicos de governos pautados pela necropolítica.”
O OP, como um espaço de elaboração de psicanalistas sobre os acontecimentos que nos atravessam não poderia se “comportar” de outra maneira, neste mês de março. Os demais ensaios recebidos durante o mês pautaram os diversos assuntos que dizem respeito à condição da mulher em nossa contemporaneidade. O que nos chamou atenção foi que a maioria dos ensaios publicados foram contribuições espontâneas de psicanalistas mulheres.
Como nos disse Carolina Freitas (SBPdePA) em seu comentário no grupo de e-mails do OP, as colegas-ensaístas “estão representando um coro de voz feminina abafada e desqualificada em nossa cultura. A cada texto, foram crescendo, dentro de mim, um entusiasmo e uma alegria pela importância dos temas trazidos. A relevância de seus pensares desacomodou, desconstruiu e está construindo, letra a letra, um sério registro das barbáries sofridas por todas nós, até os dias de hoje. São palavras que estão escrevendo um novo capítulo dessa história.”
Assim, a reativação anual do 8 de março aqui no Observatório Psicanalítico é a produção de memórias, mas também uma revivificação daquilo que significa a luta feminista, composta de muitos acontecimentos que a marcaram como luta pelos direitos das mulheres. Essa entrada majoritária das mulheres na posição de fala é um efeito desses acontecimentos que transforma a estrutura. São falas singulares que produzem então uma transformação no sentido da realidade tal como era colocada. É a estrutura que determina quem vai falar e quem vai escutar (Foucault). Uma transformação estrutural, portanto, mais do que como um acontecimento?
Vamos aos ensaios.
Lina Schlachter (SPFOR), em “Filhos da Vulva” (OP 475/2024) nos apresenta a história fictícia de Dona Ceres para retratar os inúmeros crimes direcionados às mulheres: feminicídio, estupro, assédio, criminalização de abortos, além de outros tantos. A autora exemplifica com sua ficção que o humor rebelde nos mostra que é possível fugir das agruras da vida e, pela transgressão, sermos capazes de criar (Freud). “Apesar das diferentes interpretações do que foi visto sob a saia de Babi, uma verdade é inquestionável: sua vulva estava à mostra. E qual a razão de tantos risos a partir da visão de uma vulva, essa parte obscena do corpo feminino que carrega a insuportável verdade de ser a origem da humanidade? A verdade da vulva é avessa ao dogmatismo. Ela mostra algo na superfície, mas encobre uma profundidade. Ela não se desvela facilmente. Ela traz enigmas, incertezas, paradoxos. Ela carrega em si uma perspectiva sobre a humanidade que, longe de ser explicada em certezas, seria possivelmente mais contemplada por uma ideia de vir a ser.”
O OP 476/2024, “Para a mulher que aborta, repouso”, escrito por Gizela Turkiewicz (SBPSP), nos informa sobre a situação do direito ao aborto em vários lugares do mundo. E, no dia 8 de março deste ano, a França se tornou o primeiro país a promulgar o direito em uma Constituição. “O acontecimento é simbólico (…) por se passar em um momento em que o direito das mulheres à liberdade de escolha está ameaçado (…) com o avanço do conservadorismo e da extrema direita”. Para a autora, “a decisão que incide sobre o corpo, o futuro e a subjetividade da mulher seguem nas mãos de um sistema social, político e moral majoritariamente ocupado por homens brancos heterossexuais. Se o desígnio do próprio corpo de uma parcela que compõe mais da metade da população está submetido a uma estrutura de dominação onde a mulher não pode ter voz e poder de decisão, os valores democráticos estão ameaçados. Uma vez mais (e todos os dias), o corpo da mulher é visto como objeto de decisão de outros sem levar em conta a subjetividade que habita estes corpos.”
No OP 477/2024, “Mulheres interrompidas: os caminhos para a sobrevivência feminina no Brasil”, Kátia Barbosa Macêdo (SBPG) nos lembra
que “o Brasil tem uma herança de patriarcado de mais de quatro séculos, sobre a qual o Estado patrimonialista e o machismo estrutural se assentaram e, nesse cenário, a mulher, por longo tempo, foi tida como objeto e uma quase propriedade de pais, maridos e filhos.” Kátia reflete sobre a entrada da mulher no mercado do trabalho, desde a primeira metade do século XX, e a luta de seus direitos com lentas e tardias conquistas. Desde a sobrecarga que são expostas pela dupla ou tripla jornada do trabalho como as condições precarizadas que são expostas, afetando a saúde física, psíquica e financeiramente das mulheres até às diversas formas de violência como o assédio moral e sexual que são submetidas no mundo do trabalho.
No ensaio “As mulheres e a psicanálise” (OP 478/2024), Cláudio Laks Eizirik (SPPA), reflete a relação das mulheres com as instituições psicanalíticas, o enfrentamento no pleno exercício da cidadania e a posse integral da identidade e do próprio corpo da mulher. Cláudio traça um percurso sobre a presença das mulheres na vida de Freud, em sua obra, na criação da psicanálise, nas análises de suas pacientes (sendo que muitas se tornaram analistas), amizades e na questão da feminilidade. Claudio enfatiza que, posteriormente à Freud, existe uma forte presença feminina no trabalho como analistas e na vida institucional da psicanálise francesa, na América do Norte e na psicanálise latino-americana. Concluiu identificando as relevantes contribuições criativas das mulheres na COWAP, pela IPA, e de nosso OP, pela Febrapsi. Agradecemos ao Cláudio pelo seu reconhecimento.
No OP 479/2024, “Somos as netas de todas as bruxas que não puderam ser queimadas!”, Alícia Killner (da APA, Associação Psicanalítica da Argentina) nos conta sobre o dia 8 de março em seu país, como um dia de mobilização em massa: “Os lenços verdes que as mulheres balançaram substituíram os lenços brancos das Mães da Plaza de Mayo, ambos os movimentos femininos foram épicos e generosamente preencheram a lacuna entre as gerações. E é verdade que a luta das mulheres vai além do direito ao aborto, além do direito de não serem assassinadas ou brutalmente punidas por seus parceiros ou ex-parceiros.” Alícia também reflete sobre a exaustão que nós mulheres somos submetidas aos cuidados de tantos outros (pais, marido, filhos, netos) e ao trabalho com a busca de dinheiro, além de seu reconhecimento profissional. E nossa colega conclui: “Somos analistas e, como mulheres, defendemos direitos, mas, como analistas, fazemos com que cada uma, no famoso caso a caso, faça um trabalho que leve a mulher para além da demanda de construção de um conhecimento sobre si mesma, o que pode ser sua saída de qualquer fantasma masoquista falsamente instalado e incutido.”
“Da vulva ao óvulo ou a Fábula da Galinha dos ovos de ouro”, OP 480/2024, Renata Viola Vives (SBPdePA) pensa e escreve sobre o tema da reprodução assistida, com a postergação do tempo da maternidade – pelo desejo de viver outras experiências e a entrada no mercado de trabalho, nos primeiros vinte anos da vida adulta – e o avanço na ciência médica das tecnologias reprodutivas, através do congelamento de óvulos. Para a autora “o que está em jogo não é a tecnologia e as possibilidades de auxiliar pessoas, mas a utilização da mesma, que novamente coloca a mulher e seu corpo em cena, não como protagonista, mas como um bem.”
No ensaio “Algumas considerações sobre o feminicídio” (OP 481/2024), Sandra Paraíso Sampaio (SPRPE) reflete sobre o aumento significativo do feminicídio na atualidade, inserido nas dinâmicas de controle e poder do patriarcado. “Os crimes acontecem quando essa mulher denuncia a castração que esse homem deposita nela, na tentativa de perpetuar sua fantasia fálica. Ao realizar o convite para que a mulher permaneça submetida, ele espera apenas que ela permaneça sustentando a questão falocêntrica. O ódio destrutivo atinge seu ápice quando a mulher ousa deixar esse convite levando o homem a romper com o pacto narcísico, devolvendo-lhe o lugar de castrado. Para ele o terror é ficar submetido à mulher, exacerbando fantasias e defesas paranoicas de que ela assumirá o fallus perdido, portanto, o ataque é uma espécie de legítima defesa, muito embora seja uma dessas defesas narcísicas”.
No OP 482/2024, intitulado “Da tinta no papel à construção da feminilidade: escritas à mão!”, Morgana Mengue Saft Tarragó (SBPdePA), associa o processo de escrita como ato criativo que exige um recolhimento narcísico com o feminino, constitutivo do psiquismo. “Masculino e feminino se inscrevem no sujeito, nenhuma subjetividade está dada desde o início, mas entre o que se inscreve e o que é escrito, podemos aí, neste ponto de convergência, fazer algum paralelo de similaridade com a construção do feminino? Feminino pela capacidade, sustentada pela condição passiva de suportar e mesmo desfrutar da espera, bem como, de entregar ao mundo o fruto do seu ventre/psiquismo, para que este conquiste vida própria?”
No OP 483/2024, em “Mil lágrimas de culpa e o milagre da redenção”, Gabriela Seben (SBPdePA) pergunta: “Por que nós, mulheres, estaremos para sempre fadadas à culpa?” E complementa: “Acrescente umas pitadas de sal a mais a este infortúnio se esta mulher for, também, uma mãe.” A vida contemporânea induz a mulher a “um ideal inalcançável” devido ao mundo competitivo do trabalho, as exigências do cuidado doméstico, da família, fazendo com que a mulher entre numa fantasia de poder de que sem ela nada acontece. A autora, ao referir-se a Freud (1912), nos lembra que “a culpa se articula não somente às ações realizadas, mas à fantasia de realiza-las. Dito de forma simplificada, é a expressão da ambivalência e do antagonismo entre as pulsões, e decorre da renúncia à satisfação pulsional exigida pelo Supereu. Na culpa neurótica, o Supereu pune o Eu, não necessariamente por realizar concretamente um desejo, mas pela própria fantasia de realizá-lo.”
Em “Juntos para sempre”, OP 484/2024, de Sylvain Levy (SPBsb), inicia seu ensaio declarando sua constatação que a maioria dos homens, que sempre contribuem no OP, seja na produção de ensaios ou em seus comentários aos textos publicados, estavam pouco presentes nesses temas relacionados diretamente às mulheres. Para ele, esse não “é um tema para ser privilegiado e pensado como exclusivista da mulher, é de todos, segregados ou não”.
O último ensaio do mês é o de Vanessa Corrêa (SBPSP). Em “Vou confessar uma infâmia”, OP 485/2024, a colega nos conta que quando criança, era levada pelo seu pai, para ver “brigas de galo”. Dessa lembrança infantil, Vanessa pensa, poeticamente, sobre essa rinha. “Uma imagem cruel dos galos presos em uma arena de madeira, armados com esporas de metal, lutando até a morte, apenas para o deleite sádico de um bando de homens. Homens socialmente oprimidos e impotentes, marginalizados, trabalhadores como meu pai em profissões sacrificantes que só suportavam por causa do álcool, da religião e dessa violência que se elaborava testemunhando a morte em locais como aquele.” A autora ainda nos declara: “Eu não sei se aprendi mais sobre vida e morte, guerra, amor e ódio, paixão, sadismo, violência com Freud ou se nessas competições sangrentas.” Dos estudos, da biblioteca e da faculdade de medicina chega na psicanálise e se dá conta que as disputas de poder não são tão diferentes das brigas de galos. Para ela “talvez cansE mais é ter que explicar reiteradamente que a luta feminina não se dá no ringue, e que quando uma mulher morre ensanguentada, não queremos que outra ocupe seu lugar. A causa feminina não segue o modelo da rinha de galos, pelo contrário é luta por proteção, cuidado, liberdade, sororidade. As mulheres querem saber se seus filhos estão bem cuidados quando saem para trabalhar, querem rede de apoio quando se sentem ameaçadas em uma balada ou quando temem pela própria vida ao desejarem sair de um relacionamento abusivo. Não querem uma guerra estéril só para ver sangue.”
Ainda no mês de março, publicamos nas plataformas de podcasts, o 6º episódio “Sonhos na contemporaneidade: entre a neurociência e a psicanálise”, da 4ª temporada em curso sobre o “Sexual na Pólis”. Para dialogar com o psicanalista Pedro Coli (SBPSP), convidamos o neurocientista Sidarta Ribeiro. Sabemos que o significado dos sonhos sempre intrigou a humanidade, ao passo que foi descredenciado ou combatido em determinadas épocas e culturas. Freud criticou a posição médica vigente de seus contemporâneos, evidenciando a rigidez científica que impossibilitava alcançar o significado psicológico de um sonho. Freud mergulhou em suas próprias lembranças oníricas e de seus pacientes e, em 1895, escreveu “O sonho da injeção de Irma”, quando concluiu que o sonho é uma realização de desejo.
No Instagram, como #tbt, publicamos o ensaio 47/2018, de Wania Cidade, “Mulher negra existe!”. Esse texto versa sobre o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes. “Eu só queria acreditar que um dia vão parar de nos matar” diz o poema citado por Wania.
Para concluir o editorial deste mês, retomamos o comentário de Carolina Freitas sobre a importância da condição de testemunhos na elaboração dos nossos traumas singulares e coletivos, como fazemos no OP.
Assim, como curadoras do Observatório Psicanalítico, consideramos que o fato de termos mais submissões de ensaios de psicanalistas mulheres do que de homens, neste mês de março, representa um acontecimento que pode nos ajudar a transformar o sentido do nosso fazer dialógico entre membros de nossa comunidade psicanalítica. No sentido de perceber, também, a dimensão de gênero como uma dimensão importante na vida institucional. No sentido, também, de salientarmos que existem, dentro dessa estrutura, lugares permeados de poder que são ocupados por certos sujeitos e outros não. Dessa forma, esse sentido deve ser considerado como um acontecimento, pois ao priorizarmos o “8 de março”, neste mês, atuamos como propulsoras do incorporal (como diziam os estoicos) das mulheres analisando a contemporaneidade, na discussão de gênero na psicanálise dentro do OP!
Agradecemos também à Carolina, pela indicação do trecho do livro de Cristina Fallarás (jornalista espanhola que sofreu assédio no trabalho e resolveu denunciar, além de criar o movimento #Cuéntarlo), “Ahora contamos nosotras”:
“Se trataba de la importancia del testimonio. De cómo el testimonio, la primera persona, és el único camino para combatir el silencio. És decir, cuando se impone el silencio se hurta a memoria colectiva, sea del asesinato, de la violencia, de la repressión o de cualquier otro dolor”.
Um forte abraço da equipe de curadoria,
Beth Mori (SPBsb), Ana Valeska Maia (SPFOR), Gabriela Seben (SBPdePA), Giuliana Chiapin (SBPdePA), Gizela Turkiewicz (SBPSP), Helena Cunha Di Ciero (SBPSP), Lina Schlachter (SPFOR) e Vanessa Corrêa (SBPSP)
(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores)
Imagem: Mulheres tecelãs grevistas em 8 de março de 1917.
Categoria: Editorial
Palavras-chave: Editorial, Observatório Psicanalítico, 8 de março, luta e direitos das mulheres
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