Observatório Psicanalítico OP-Editorial fevereiro/2025 

Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo

Sódepois 58

Fevereiro/2025

“Não vou deixar, não vou deixar porque eu sei cantar, e sei de alguns que sabem mais… muito mais” entoou Caetano Veloso após tomar conhecimento do resultado das eleições brasileiras para presidente em 2018. Na época, Caetano estava preocupado com o crescimento da extrema direita e salientava a arte como forma de combate e resistência à submissão e à opressão. 

No início de fevereiro desse ano, o presidente Luis Inácio Lula da Silva alertou que as democracias estão perdendo espaço para o extremismo. Dentre os recentes acontecimentos, podemos citar a política do recém-empossado presidente americano Donald Trump, o melhor resultado nas urnas da extrema direita alemã desde a Segunda Grande Guerra, e o aumento da popularidade do ultraconservadorismo entre jovens, especialmente homens. 

Diante disso, o que fazer? No Observatório Psicanalítico, psicanalistas escreveram textos que poderiam se unir ao Caetano Veloso em seu protesto de “não vou deixar”. 

Gizela Turkiewicz (SBPSP) escreveu o ensaio “Ainda estamos aqui: o cinema brasileiro em clima de copa do mundo” (OP 561/2025), que destacou que uma das relevâncias do filme dirigido por Walter Salles é apresentar “para as novas gerações os acontecimentos de um passado recente que não pode ser esquecido. Nós, que ainda estamos aqui, vivendo num país dividido, onde uma parte da população e dos governantes exalta a ditadura militar e nega seus crimes, sentimos mesmo que já ganhamos muito com ‘Ainda estou aqui’”. Gizela também declarou seu anseio de que o filme “possa dizer algo a respeito dos perigos dos extremismos, ainda que apenas para quem se dispõe a ver e ouvir.” 

Expressando sua preocupação com os discursos de ódio, Monica Vorchheimer (APdeBA, Associação Psicanalítica de Buenos Aires) escreveu o ensaio “Sem eufemismos” (OP 559/2025).  No texto, ela nos alertou dos riscos de ecos do macrocosmo brotarem em nossos micromundos psicanalíticos e citou uma situação vivida com seus colegas latino-americanos do Board da IPA. Ela lembrou que “como psicanalistas, sabemos que é no pequeno gesto, naquela sequência mínima, no detalhe mais ínfimo, que é possível encontrar significações que movem a agulha.” O texto provocou muitas reações, entre elas destacamos os desejos de Gabriela Goldstein (APA, Associação Psicanalítica Argentina) de que o movimento psicanalítico possa ajudar a “construir pontes entre as diferenças para que resultem em criatividade com a riqueza da diversidade, e possamos sair da dicotomia abissal que desafia tanto a natureza em perigo quanto a cultura atual, com os sofrimentos inquietantes”. Nós, da curadoria do OP, também nos unimos aos votos da Gabriela. 

Já no OP  558/2025, Silvana Barros (SPFOR), em seu ensaio “Por que devemos falar de Édouard Louis”, ressaltou a importância do trabalho do jovem escritor francês que “utiliza a escrita de si como dispositivo para denunciar as múltiplas opressões pelas quais passam grupos sociais devido a aspectos como gênero, raça, classe, sexualidade.” A psicanalista concluiu a sua escrita afirmando que “diante de discursos violentos e retrógrados, escritores como Édouard Louis podem dar voz a muitos jovens que se sentem desconectados das polaridades tradicionais de direita e esquerda, que sentem receio de entrar em contato com hostilidades, e que se alienam”.

Eliane de Andrade (SPRJ) nos estimulou a assistir ao filme “As cores e Amores de Lore” (560/2025), de Jorge Bodanzky. Em seu texto, intitulado “A filha de Adelheid Lucy Koch”, Eliane de Andrade realçou a trajetória de Eleonore (Lore), filha de Adelheid Koch, uma das pioneiras da psicanálise no Brasil. Ela descreveu que “o sotaque alemão e o alto desejo de ser uma mulher livre no pós-guerra em terras tupiniquins (…), com a sensível narrativa das escolhas que teve que fazer para seguir realizando-se na sua pintura, nos emociona e comove.” No fim de seu ensaio, a autora exclamou: “Lore, que pena não a ter conhecido em vida!” Comentários que seguiram o seu ensaio destacaram “a entrega por inteiro de uma mulher à sua verdade artística” (Ana Valeska Maia Magalhães, SPFOR) e salientaram que o trabalho de Lore é uma “ode à liberdade feminina” (Luiz Meyer, SBPSP / SPBsb).

Por fim, não poderíamos deixar de mencionar uma longa conversa que surgiu informalmente em nosso Observatório Psicanalítico e que tem, entre outros aspectos, refletido sobre como ideologias sociopolíticas afetam nossos micromundos psicanalíticos, mais especificamente as formações psicanalíticas. A partir de um texto intitulado “Passeios no vasto campo” de Avelino F. M. Neto (SPBsb), iniciou-se uma discussão acerca da análise didática. Por que um analista efetivo tem ou pode ter funções didáticas e um analista associado não? O que torna um analista capaz de treinar um analista em formação? Há alguma diferença entre a análise de um membro em formação e a análise de outras pessoas? Quanto uma instituição pode interferir na análise do analista em formação? Quais os possíveis efeitos da análise de um analista em formação ser atrelada ao Instituto?  Essas têm sido algumas das questões que surgiram. 

Lembramos que, na Associação Psicanalítica Internacional (IPA), temos três modelos de formação que partilham uma estrutura tripartite básica (análise, supervisão, e seminários teóricos e clínicos), mas que divergem em alguns pontos, como, por exemplo, a análise pessoal. Enquanto os Modelos Uruguaio e Eitingon têm a exigência de que a análise seja feita por um analista didata da mesma instituição onde ocorre o treinamento, e durante o período da formação, para o Modelo Francês não existe “análise de treinamento”. A análise ocorre inteiramente, ou principalmente, antes da admissão à formação, e permite-se que ela seja feita por qualquer analista da IPA.

Aqui no OP continuamos apostando em um movimento psicanalítico que mantém os princípios que devem ser defendidos e preservados, mas que também é poroso às questões de nossa época e, portanto, aberto a mudanças. Só assim acreditamos que a psicanálise (ou melhor, as psicanálises) poderá resistir e continuar a ocupar as nossas ruas. 

Desejamos a vocês um bom carnaval. 

Beth Mori (SPBsb), Ana Valeska Maia (SPFOR), Gabriela Seben (SBPDEPA), Giuliana Chiapin (SBPDEPA), Lina Schlachter (SPFOR), Vanessa Corrêa (SBPSP). 

(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores) 

Imagem: foto de Documentário sobre os Doces Bárbaros e o movimento cultural dos anos 60.

Categoria temática: Editorial 

Palavras-chave: Editorial, Extremismos políticos, Arte, Psicanálise institucional, Análise de treinamento

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Categoria: Editoriais
Tags: Análise de treinamento | arte | editorial | Extremismos políticos | Psicanálise institucional
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