
Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do mundo
Colegas,
No dia de hoje, marcado pela grande mobilização nacional convocando a população brasileira a dar um basta ao feminicídio, o Observatório Psicanalítico publica uma série especial de ensaios escritos por colegas homens da FEBRAPSI/FEPAL/IPA.
São textos que interrogam a formação da masculinidade, os pactos silenciosos entre homens, as marcas culturais que atravessam o desejo e a violência, e a responsabilidade ética que cada um de nós carrega no enfrentamento desse sofrimento que é coletivo.
Publicaremos ao longo do dia, em sequência, os textos que já chegaram para compor um coro — múltiplo, implicado e corajoso — de homens psicanalistas tomando a palavra diante do acontecimento. E a ideia é seguir na publicação dos textos que chegarem ao longo da semana. Aguardamos seu texto. É só enviá-lo para o e-mail da curadoria do OP: [email protected]
Que estes textos possam ampliar a reflexão, convocar outros homens à fala e sustentar o compromisso da psicanálise com a vida, a democracia e a dignidade das mulheres
Curadoria do Observatório Psicanalítico – FEBRAPSI
_____________________________________________________________________________
O desaparecimento do sexo masculino
Mariano Horenstein – APC (Associação Psicanalítica de Córdoba)
I
Houve uma época em que tudo era mais ou menos claro. Os galãs de Hollywood seduziam mulheres à direita e à esquerda; Ernest Hemingway caçava elefantes na África, escrevia sobre suas paixões: boxe, touradas e guerra; e Norman Mailer publicou um romance chamado Os durões não dançam.
Duvido que fosse fácil encontrar um editor para eles hoje em dia.
Da mesma forma, antes não haveria ninguém que publicasse um ensaio como o de Rebecca Solnit, que ironicamente intitulou: Os homens me explicam coisas.
Devo dizer que, há algum tempo, são as mulheres que me explicam coisas. As autoras que leio, as analistas que ouço e também as três mulheres com quem vivo, duas delas pertencentes a outra geração acostumada a não levar a sério nada do que o senso comum — não por acaso se trata de um substantivo masculino — coagulou por séculos como verdadeiro, sem sequer pensar nisso.
O Zeitgeist invadiu nossos consultórios e residências.
Hoje é possível ouvir as vozes dos relegados da história, e os homens sempre estivemos no centro da história: narrando-a, por um lado, e sendo sujeitos de suas façanhas, por outro. Então era necessário reescrever a história a partir do lugar dos vencidos (Benjamin), os excluídos dos relatos oficiais. Podemos nos perguntar: onde ficaram os homens de outrora, aqueles protótipos viris como Hemingway ou Mailer? Esses estereótipos nos quais Hollywood nos ensinou a acreditar e que nos faziam pensar em um mundo mais ordenado, com papéis claros. Um mundo que acabou quando descobrimos que o galã que enamorava nossas mães ou avós, Rock Hudson, era homossexual.
É claro que uma coisa é a identificação e outra é a escolha do objeto, e a virilidade não está em conflito com uma escolha homossexual. Mas todo um modelo prototípico de homem, ao estilo de Ernest Hemingway, explodiu junto com o tiro de espingarda que se disparou em sua cabeça.
A partir daí, nunca mais conseguimos encontrar a virilidade nesse tipo de atributos imaginários… muito menos em nossa época, que já não é a sólida modernidade de Sigmund Freud, mas também não é a líquida pós-modernidade de Zigmunt Bauman, e sim aquilo que Marx vislumbrou quando escreveu que “tudo o que é sólido se desmancha no ar”, ou seja, uma ultramodernidade gasosa.
II
Freud pensava que o continente obscuro era o feminino, e que o masculino não oferecia nenhum mistério. O que uma mulher quer? O que é uma mulher? São perguntas — uma freudiana, a outra lacaniana — já clássicas na psicanálise. Ninguém parece se interessar pelo que é um homem, e menos ainda pelo que ele quer. Talvez porque se presuma que todos os homens querem a mesma coisa, isso. Em contrapartida, das mulheres, de cada uma das mulheres, porque resistem saudavelmente à coletivização, infinitamente mais sutis e sofisticadas, não cabe ensaiar nenhuma resposta pré-digerida, prontinha para usar.
Foi Lacan quem ofereceu às mulheres um gozo próprio, além do fálico: ali onde os machos da espécie pareciam todos comparáveis, cortados pela mesma tesoura, a mulher gozava de uma singularidade irredutível.
Poderíamos nos aproximar da masculinidade a partir do operador teórico princeps, o conhecido falo, em seu triplo registro — imaginário, simbólico, real — e a dinâmica do ser e do ter. Nada de novo sob o sol aqui.
Sendo este um significante único, a aparência de tê-lo nos colocava em um caminho que parecia resolvido. A mulher, por outro lado, confrontada com as vicissitudes de ser mulher, era muito mais misteriosa. A verdade é que ninguém era nem tinha totalmente, porque ninguém nunca realmente tem nem é, pois se trata apenas de álibis para suportar a Castração. Mas há consequências teóricas dos postulados freudianos que, aos ouvidos das feministas de hoje, em uma escuta talvez um pouco apressada, beiram a misoginia.
Tanto o ser quanto o ter são, de alguma forma, mascaradas: inventamos aparências, as encarnamos para funcionar social e familiarmente, e sobretudo no encontro com o(s) outro(s) sexo(s), mas o que está em jogo, em última instância, é um vazio: uma falta constitutiva. Por mais pretensões que possa ter esse significante privilegiado — o falo, digamos, correndo o risco de insistir hoje com um palavrão —, este é menos o pênis do que a possibilidade de sua ausência.
Todos os sexos têm que se virar como podem com a Castração, e isso não é algo simples.
A primazia do falo nos levava a pensar a masculinidade em relação à feminilidade (ou aquela referência e comparação irritante: o ativo versus o passivo, fálico versus castrado). Melanie Klein deu credenciais diferentes à feminilidade, é claro. E Lacan complicou o tema ao introduzir diferentes categorias de gozo e as fórmulas da sexuação que nos levam mais longe, felizmente: a pensar a feminilidade e a masculinidade como campos, posições que qualquer pessoa pode ocupar, independentemente do seu sexo.
A partir dessa grade teórica, a masculinidade é definida por oposição. A quê? À feminilidade. Às vezes por oposição horrorizada, outras, por oposição idealizadora da feminilidade.
O bom destes tempos é que podemos nos afastar dessa matriz e pensar a masculinidade por oposição a um leque de posicionamentos sexuais.
E isso só é possível a partir da crítica feminista ou dos teóricos queer. Sem esse trabalho árduo, progressivo e encarnado — pois não foi uma esgrima intelectual, mas uma luta em que se colocou o corpo — ninguém questionaria o que é ser um homem da espécie.
III
Vivemos tempos interessantes. Interessantes porque nos permitimos questionar tudo. Interessantes também no sentido da velha maldição chinesa. Às vezes, se compararmos as mudanças vertiginosas das últimas décadas, o que a tecnologia é capaz de oferecer aos corpos, as novas vozes que conseguiram se fazer ouvir, parece que vivemos em uma distopia.
E aqui vem o título que escolhi, que devo a Alain Badiou: “Se fizermos um pouco de ficção científica, talvez possamos simplesmente prever o desaparecimento do sexo masculino”. Resolvido pelo capitalismo, o problema da reprodução, com um banco de esperma infinito e, aconteceria à nossa espécie o que ocorre… “entre as abelhas ou as formigas, a humanidade não seria mais composta apenas por mulheres”.
IV
A noção de gênero, enquanto performativa, deve muito aos trabalhos de Judith Butler, que debate com Julia Kristeva. Não seria capaz de me aprofundar na sutileza de seus raciocínios, mas permitam-me contar uma anedota. A psicanálise funciona como uma espécie de narrativa oral onde o anedótico ocupa um lugar central. Então, aqui vai a anedota: Tive a oportunidade de entrevistar Julia Kristeva, basicamente sobre feminilidade e feminismos. Conversávamos sentados à mesa, diante de uma fotografia de seu marido, Phillippe Sollers, um dândi, enfant terrible da cultura francesa, mulherengo inveterado. Depois de duas horas, quando eu estava de saída, ela me disse para ficar, que Philippe — a quem eu havia entrevistado há algum tempo — viria para tomarmos uma taça de champanhe. E foi aí que assisti a uma pequena revelação, pois a grande psicanalista, a intelectual feminista, segura de si e dona de suas palavras, no auge de seu reconhecimento, mudou, e se transformou de repente em uma esposa submissa, atenta a acender as velas, a colocar um copo de uísque nas mãos do marido, que se jogava na poltrona assim que chegava, a nos oferecer algo para comer e — quase, quase — deixar a conversa nas mãos dos homens. Depois de um tempo, com champanhe, eu já não sabia bem do que estávamos falando em uma linguagem irreproduzível e Julia, enquanto deixava seu marido se gabar, o provocava, o consentia, e ambos demonstravam uma cumplicidade comovente, amadurecida por mais de meio século juntos. Eles cultivavam — contra todos os estereótipos — “o matrimônio como uma das belas artes”.
Sollers — em sintonia com Badiou — escreveu que a sexualidade masculina não está bem, porque foi despojada pela técnica de sua função reprodutiva. Estamos nos aproximando também do útero artificial — dizia ele —, mas as mulheres ainda conservam o privilégio da gravidez.
No Ocidente, para um homem, o privilégio de ser o agente da reprodução já não é o mesmo. E então, pergunta Sollers, ele sim: o que é um homem? Uma reserva de esperma. “Só isso, e com sorte”.
É claro que, enquanto pai — aquilo a que chamamos função paterna —, um homem é outra coisa, e a paternidade não pode ser identificada com alguns espermatozoides, mas a virilidade… do que se trata?
O que resta — para Sollers — é um personagem um tanto patético, preso aos seus componentes tribais, identitários, básicos, sem funções econômicas, políticas ou sexuais fundamentais (tudo isso pode ser substituído); com a exceção, talvez, de um certo dandismo um tanto anacrônico, como o herói dos recordes, a inteligência anormal, um certo estilo de feminilidade animal ou o monge…
V
Na psicanálise, não devemos nos guiar pelo que se vê, mas pelo que se ouve, e alguém com genética XY poderia perfeitamente falar a partir de um lugar feminino e vice-versa. As fórmulas que Lacan cunhou para pensar a sexuação nos permitem esse tipo de geolocalização genérica.
Mas o que se oferece à vista também não é algo desprezível, e a noção de semblante acaba sendo fundamental.
Às vezes, é preciso ver uma pessoa trans para entender a feminilidade. Alguém que desejou se tornar mulher é obrigado a compreender o que distingue uma mulher, algo que uma pessoa nascida mulher não precisa fazer tão imperativamente.
Isso pode se estender, no sentido contrário, àqueles que tiveram que se travestir por um motivo ou outro, de homens? A lendária papisa Joana, a rainha-faraó Hatshepsut, George Sand ou Barbra Streisand, a protagonista de Yentl… Nesses casos, a causa foi pragmática, fazer um bypass as exclusões de gênero: alcançar um cargo vedado às mulheres, estudar, governar, publicar são razões que justificam a busca. Essa busca também não se esforçava em apreender nenhuma quinta essência do masculino.
O conceito de semblante é uma noção com má fama, associada ao engano, à ilusão, ao artifício… se não fosse que nós, analistas, sabemos bem que algo do artifício nos constitui e tem efeitos. Praticamos uma profissão em que o ficcional ocupa um lugar fundamental, basta ver as ficções que contamos para viver, ou a maneira como a própria história é reescrita em uma análise.
Buscar em qualquer atributo uma certa “essência” da masculinidade seria enganoso, não é uma palavra compatível com a psicanálise. Nem mesmo apelar para a “identidade” é possível, e prefiro pensar em termos de identificações, camadas de identificações que mostram no final, como em uma cebola, um vazio. Convém pensar as masculinidades como uma constelação de identificações possíveis.
Lidamos com posições, com lugares e com essas ficções chamadas semblantes, feitas de um tecido imaginário e simbólico, por meio dos quais enfrentamos a vida.
E é óbvio que os semblantes da masculinidade mudaram com o tempo.
Não é raro ver supostos modelos de virilidade reunidos entre si, fazendo piadas sem graça e afirmando-se, enquanto homens, apenas pela proximidade de outro homem. Ao mesmo tempo, mais de um homem andrógino consegue efeitos de sedução invejáveis, assumindo o desafio de se encontrar com o enigma do outro sexo, aquele que muitos supostos “machos” se preocupam em manter à distância… Como entre os gregos, encontramos o ápice da masculinidade em figuras que fazem da segregação do feminino um sinal de identidade. A própria figura de Don Juan tem suas nuances… Não é por muitas conquistas que se sustenta uma virilidade que precisa da conquista para se afirmar…
Mas então, de onde ela se sustenta? Se é que se sustenta… Cem anos atrás, a psicanalista francesa Joan Rivière escreveu um artigo chamado “A feminilidade como máscara”. Hoje, em tempos de desconstrução, podemos pensar na “masculinidade como máscara”?
Tudo o que é sólido, incluindo o que é ser homem, se desvanece no ar… O que torna este tempo um tempo de oportunidades.
Assim como uma pessoa que se veste de mulher leva ao extremo o teatro da identidade e destila assim gotas de feminilidade em estado puro, deixei-me interpelar por um homem trans para pensar sobre o que é a masculinidade. Seu nome é Paul B. Preciado, um desertor da feminilidade — o B., decide ele, deve ser um resquício visível disso — que escolheu contestar a lógica binária da diferença. Mas, ao mesmo tempo, tornar-se um homem. Não da maneira como os jovens, ainda mais em contextos primitivos, se tornavam homens, por meio de um ritual de passagem. Paul B. Preciado decide se tornar homem a partir da ingestão e ritualizada de testosterona e de um redesenho de sua arquitetura física e mental. Esse intruso, um estrangeiro absoluto em terras normalizadas, dono de uma coragem notável — uma virtude tradicionalmente masculina — e de uma sensibilidade e escrita requintadas, também me explica coisas. Os homens trans me explicam coisas.
E me permitem ver de outra forma as centenas de corpos de mulheres assassinadas penduradas em pontes no sul do México. Ou a lógica naturalizada do estupro. Ou o fundo de opressão que se encontra por trás de muitas façanhas masculinas, essa competição fálica que parece ter definido a masculinidade desde sempre. Essas imagens cruéis, e muitas outras, deveriam estar presentes — como o B. no nome de Preciado — sempre que falamos desses assuntos, para não nos esquecermos.
Eu vivo em um país onde há uma legislação avançada. Eu exerço uma profissão onde as mulheres têm cidadania há muito tempo em todos os níveis, e pertenço a uma classe onde a distribuição do poder é um pouco mais equitativa. Digo isso porque acredito que devemos evitar tanto o fundamentalismo bobo que nos leva a repetir slogans teóricos de forma acrítica, quanto uma correção política complacente, em sintonia com os tempos. Ambas as posições impedem o trabalho do pensamento.
Esse trabalho, pelo menos para mim, pelo menos até agora, não me levou a contestar a diferença — além de sua encarnação anatômica ou linguística, que não me parece o mais importante —, mas, em todo caso, a reposicioná-la, a torná-la mais complexa, a pluralizá-la.
Sem perder a nuance que o inconsciente dá às nossas escolhas, onde nunca somos totalmente donos da nossa própria casa, a escolha do sexo também é — como a escolha da neurose — permeável aos desígnios do Outro que nos precede e fala através de nós. Se autores lúcidos como Preciado nos trouxeram até aqui, para questionar nossas premissas, não é para voltar às épocas pré-freudianas, as de um sujeito supostamente autônomo, autóctone e voluntarista, renegado de sua própria divisão e da estrangeiridade que habita cada um.
VI
Se quero ser honesto, o ponto em que me encontro é apenas uma estadia preliminar em um caminho em “desconstrução”. Não apenas da masculinidade, mas de algumas premissas sobre as quais repousa a construção teórica da psicanálise. Posso continuar sendo psicanalista, confiando tanto em sua singularidade — como a teoria da mente mais complexa e adequada para explicar a subjetividade — quanto em sua eficácia libertadora? Acredito que sim, e espero poder explicar isso.
Mas aprendi que talvez a anatomia, ao contrário do que Freud pensava, não seja o destino. Tendo a pensar que talvez haja mais verdade na frase original, atribuída a Napoleão, na qual Freud se baseou: a geografia é o destino. E talvez devêssemos nos empenhar em desenvolver cada vez mais uma geografia psicanalítica.
Uma geografia que amplie o leque de experiências e inconsistências para ver o que resta da masculinidade quando ela é despojada dos lugares-comuns. Na Índia, por exemplo, há figuras prototípicas da masculinidade que têm traços corporais e maneiras que seriam claramente definidos como femininos no Ocidente. No Irã, o Estado reconhece o transexualismo e até paga pelas cirurgias de mudança de sexo. Mas não por amplidão de visão, pelo contrário: para os aiatolás, em uma leitura religiosa — e nós, psicanalistas, devemos ter muito cuidado com as leituras religiosas —, trata-se de corrigir algo que está errado e que questiona o binarismo e a heterossexualidade inquestionáveis. Então, o mesmo Estado que persegue ferozmente a homossexualidade, ou que pensa que uma mulher deve estar sob a tutela de seu pai, marido ou irmão, tolera e acompanha como poucos a causa transexual…
Nada é simples nem claro, e vivemos uma profunda mutação que atravessa tudo.
Progressivamente, fui perdendo toda a certeza, fui assumindo cada vez mais uma certa intemperança. Se o gênero e suas identidades questionam certos padrões analíticos, este mesmo pode – e deve – ser desconstruído. A ideia de diferença organizou o pensamento psicanalítico no último século. Essa diferença, ancorada na diferença sexual, pode passar do anatômico para o ontológico, ou pode incluir em si a alusão genealógica, como faz minha amiga, a filósofa Diana Sperling, ao adicionar um h mudo no meio e inventar o neologismo difherencia, onde a herança, nosso lugar em uma genealogia, encontra seu lugar. Ora, essa mesma ideia de diferença que ordena tanto nossos debates teóricos quanto nossas conversas clínicas ou nossas intervenções ao ouvido de nossos analisantes está em disputa, como o gênero.
A psicanálise é uma variedade do pensamento crítico, uma fábrica de livres-pensadores. Mal podemos promover isso naqueles que se deitam em nossos divãs, se não o fizermos com nossa disciplina, que às vezes pode atrasar.
Diante de muitos questionamentos contemporâneos, sentimos como se a pedra angular do edifício teórico que nos protege fosse removida. E aí surgem dois reflexos: ou nos alistarmos prontamente nas fileiras do pensamento politicamente correto, ou contestarmos mecanicamente o que nos contesta, reagindo reforçando o que, se o questionamento continuasse, ameaçaria derrubar o edifício sobre nossas cabeças.
Mas se algo minha análise, minha formação e minha prática de mais de trinta anos me deram foi confiança. Não em mim, nem mesmo nas teorias nas quais me apoio, mas no inconsciente. E no dispositivo analítico, que acredito operar além do modo que temos, conjunturalmente, de pensar o que nele acontece. Por isso, Lacan dizia que uma prática não precisa ser advertida para ser eficaz. É por isso que todos conhecemos efeitos analíticos surpreendentes, mesmo em análises conduzidas com viseiras. É por isso que Freud conseguiu, de alguma forma, avançar em sua análise com alguém tão bizarro como o otorrinolaringologista Wilhelm Fliess.
Nós, analistas, nos achamos mais importantes do que somos para levar a bom termo uma cura e, assim como o inconsciente fala através de nós – como se fôssemos apenas médiuns–, a análise funciona através do dispositivo analítico. Basta não obstruir seu desempenho. E assim podemos nos permitir questionar nossas premissas teóricas e, ao mesmo tempo, continuar sendo uma espécie de guia para os perplexos.
Esse é o nome da principal obra de Maimônides, o médico judeu do sultão Saladino. A psicanálise me dá a impressão, e com isso concluo, de que pode continuar sendo, questionando-se, esse dispositivo que inquieta e acalma, que nos permite orientar-nos na escuridão, que promete alguma referência, mesmo onde toda referência parece ter se perdido.
(*) Anos atrás, convidado pela APM para ir ao México, participei de um encontro sobre “O gênero na linha de fogo”. Lá, onde os feminicídios haviam crescido exponencialmente, debatemos – em uma mesa de homens (!) – sobre “masculinidades”. Talvez seja oportuno hoje, quando é urgente refletir sobre esses temas no Brasil, em um continente, o nosso, onde o machismo ainda prevalece na cultura.
Palavras-chave: homem, poder, masculinidade, violência
Imagem: “Flores no Corpo” (Série Silueta) de Ana Mendieta
Categoria: Política e Sociedade; Cultura
Nota da Curadoria: O Observatório Psicanalítico é um espaço institucional da Federação Brasileira de Psicanálise (FEBRAPSI), dedicado à escuta da pluralidade e à livre expressão do pensamento de psicanalistas. Ao submeter textos, os autores declaram a originalidade de sua produção, o respeito à legislação vigente e o compromisso com a ética e a civilidade no debate público e científico. Assim, os ensaios são de responsabilidade exclusiva de seus autores, o que não implica endosso ou concordância por parte do OP e da FEBRAPSI.
Os ensaios são postados no Facebook. Clique no link abaixo para debater o assunto com os leitores da nossa página:
https://www.facebook.com/
No Instagram: @observatorio_psicanalitico
Se você é membro da FEBRAPSI/FEPAL/IPA e se interessa pela articulação da psicanálise com a cultura, inscreva-se no grupo de e-mails do OP para receber nossas publicações. Envie uma mensagem para: [email protected]
———————————————————————————————————-—-
A seguir, o texto escrito originalmente em espanhol
Observatorio Psicoanalítico – OP 638/2025
Ensayos sobre acontecimientos sociopolíticos, culturales e institucionales en Brasil y en el Mundo
La desaparición del sexo masculino (*)
Mariano Horenstein – APC
I
Había una época donde todo estaba más o menos claro. Los galanes de Hollywood seducían mujeres a diestra y siniestra; Ernst Hemingway cazaba elefantes en África, escribía sobre sus pasiones: el boxeo, las corridas de toros y la guerra; y Norman Mailer publicaba una novela llamada Los tipos duros no bailan.
Dudo que les hubiera sido sencillo encontrar editor hoy en día.
Del mismo modo, antes no hubiera habido quien publicara un ensayo como el de Rebecca Solnit, que con ironía tituló: Los hombres me explican cosas.
Debo decir que, de un tiempo a esta parte, son las mujeres quienes me explican cosas a mí. Las autoras a quienes leo, las analizantes a quienes escucho y también las tres mujeres con quienes vivo, dos de ellas pertenecientes a otra generación acostumbrada a no tomarse en serio nada de lo que el sentido común ‒no por casualidad se trata de un sustantivo de género masculino‒ coaguló por centurias como verdadero sin siquiera pensarlo.
El Zeitgeist se metió de prepo en nuestros consultorios y domicilios.
Hoy se pueden escuchar las voces de los relegados de la historia, y los hombres siempre estuvimos en el centro de la historia: narrándola, por lo pronto, y sujetos de sus hazañas, por otro. Entonces hacía falta reescribir la historia desde el lugar de los vencidos (Benjamin), los excluidos de los relatos oficiales. Podemos preguntarnos, ¿dónde han quedado los hombres de antaño, esos prototipos viriles como los Hemingway o los Mailer? Esos estereotipos en los que Hollywood nos enseñó a creer y que nos hacían pensar en un mundo más ordenado, con roles claros. Un mundo que se terminó cuando nos enteramos de que el galán que enamoraba a nuestras madres o abuelas, Rock Hudson, era homosexual.
Por supuesto, una cosa es la identificación y otra la elección de objeto, y la virilidad no está reñida con una elección homosexual. Pero todo un modelo prototípico de hombre, al estilo de Ernst Hemingway, estallaba junto al tiro de escopeta que se descerrajó en la cabeza.
A partir de ahí, nunca más pudimos encontrar la virilidad en ese tipo de atributos imaginarios… menos aún en nuestra época, que ya no es la sólida modernidad de Sigmund Freud, pero tampoco la líquida postmodernidad de Zigmunt Bauman, sino eso que Marx entrevió cuando escribió que “todo lo sólido se desvanece en el aire”, es decir, una ultramodernidad gaseosa.
II
Freud pensaba que el continente oscuro era el femenino, y el masculino no ofrecía ningún misterio. ¿Qué quiere una mujer? ¿Qué es una mujer? Son preguntas ‒freudiana una, lacaniana la otra‒ ya clásicas en psicoanálisis. Nadie parece interesarse en qué es un hombre, y menos en qué quiere. Quizás porque se asume que todo hombre quiere lo mismo, eso. En cambio, de las mujeres, de cada una de las mujeres, porque se resisten saludablemente a la colectivización, infinitamente más sutiles y sofisticadas, no cabe ensayar ninguna respuesta predigerida, pret a porter.
Fue Lacan quien les ofreció a las mujeres un goce propio, más allá del fálico: allí donde los machos de la especie parecían todos comparables, cortados por la misma tijera, la mujer gozaba de una singularidad irreductible.
Nos podríamos aproximar a la masculinidad desde el operador teórico princeps, el consabido falo, en su triple registro ‒imaginario, simbólico, real‒ y la dinámica del ser y del tener. Nada nuevo bajo el sol aquí.
Al ser este un único significante, el semblante de tenerlo nos ubicaba en una vía que parecía resuelta. La mujer, en cambio, enfrentada a los avatares del serlo, resultaba mucho más misteriosa. Lo cierto es que nadie lo era ni lo tenía del todo, porque nadie nunca verdaderamente lo tiene ni lo es, pues se trata apenas de coartadas para soportar la Castración. Pero hay consecuencias teóricas de los postulados freudianos que, a oídos de las feministas de hoy, en una escucha quizás algo apresurada, bordearían la misoginia.
Tanto el ser como el tener son de alguna manera mascaradas: nos inventamos semblantes, los encarnamos para funcionar social y familiarmente, y sobre todo en el encuentro con el/los otro/s sexo/s, pero lo que hay en juego, en última instancia, es un hueco: una falta constitutiva. Por muchas pretensiones que pueda tener ese significante privilegiado ‒el falo, digamos, a riesgo de insistir hoy con una mala palabra‒, este es menos el pene que la posibilidad de su ausencia.
Todos los sexos tenemos que arreglárnoslas como podemos con la Castración, y no es algo sencillo.
La primacía del falo nos llevaba a pensar la masculinidad en relación con la femineidad (o esa enojosa referencia y comparación: la de lo activo versus lo pasivo, fálico vs. castrado). Melanie Klein le dio cartas credenciales distintas a la femineidad, claro. Y Lacan complejizó el tema al introducir distintas categorías de goce y las fórmulas de la sexuación que nos llevan más lejos, por suerte: a pensar la femineidad y la masculinidad como campos, posiciones que puede ocupar cualquiera, independientemente de su sexo.
Desde esta grilla teórica, la masculinidad se define por oposición. ¿A qué? A la femineidad. A veces por oposición horrorizada, otras, por oposición idealizadora de la femineidad.
Lo bueno de estos tiempos es que podemos corrernos de esa matriz y pensar la masculinidad por oposición a un abanico de posicionamientos sexuales.
Y eso solo es posible a partir de la crítica feminista o de los teóricos queer. Sin ese trabajo arduo, progresivo y encarnado ‒pues no ha sido una esgrima intelectual, sino una lucha en donde se ha puesto el cuerpo‒ nadie cuestionaría qué es ser un varón de la especie.
III
Vivimos tiempos interesantes. Interesantes porque nos permitimos cuestionar todo. Interesantes, también, en el sentido de la vieja maldición china. Por momentos, si comparamos los cambios vertiginosos de las últimas décadas, lo que la tecnología es capaz de ofrecer a los cuerpos, las nuevas voces que han logrado hacerse oír, pareciera que vivimos en una distopía.
Y aquí viene el título que elegí, que debo a Alain Badiou: “Si se hace un poco de ciencia ficción, tal vez muy simplemente se podría prever la desaparición del sexo masculino”. Resuelto por el capitalismo, el problema de la reproducción, con un infinito banco de esperma, sucedería a nuestra especie lo que ocurre… “entre las abejas o las hormigas, la humanidad ya no estaría compuesta más que de mujeres”.
IV
La noción de género, en tanto performativo, debe mucho a los trabajos de Judith Butler, quien debate con Julia Kristeva. No sería capaz de adentrarme en la sutileza de sus razonamientos, pero permítanme contar una anécdota. El psicoanálisis funciona como una suerte de narrativa oral donde lo anecdótico ocupa un lugar central. Entonces, aquí va la anécdota:
Tuve la posibilidad de entrevistar a Julia Kristeva, básicamente en torno a la femineidad y los feminismos. Conversábamos sentados a una mesa, frente a una fotografía de su marido, Phillippe Sollers, un dandi, enfant terrible de la cultura francesa, mujeriego a más no poder. Al cabo de dos horas, y por irme, me dice que me quede, que vendrá Philippe ‒a quien había entrevistado tiempo atrás‒ para que tomemos un champagne. Y fue ahí que asistí a una pequeña revelación, pues la gran psicoanalista, la intelectual feminista, segura de sí y dueña de sus palabras, en la cumbre de su reconocimiento, mutó, y se convirtió de pronto en una esposa sumisa, atenta a prender los veladores, a poner un vaso de whisky en manos de su marido, que se despanzurraba en su sillón al apenas llegar, a ofrecernos algo de comer y ‒casi, casi‒ dejar la conversación en manos de los hombres. Al rato, champagne mediante, ya no sabía bien de qué hablábamos en un entre lenguas irreproducible y Julia, mientras dejaba alardear a su marido, lo provocaba, lo consentía, y mostraban ambos una complicidad enternecedora, macerada por más de medio siglo juntos. Cultivaban ‒contra todo estereotipo‒ “el matrimonio como una de las bellas artes”.
Sollers ‒a tono con Badiou‒ escribió que la sexualidad masculina no anda bien, porque ha sido despojada por la técnica de su función reproductora. Nos estamos acercando también al útero artificial ‒decía‒, pero las mujeres aún conservan el privilegio del embarazo.
En Occidente, para un hombre, el privilegio de ser el agente de la reproducción ya no es el mismo. Y entonces, se pregunta Sollers, él sí: ¿qué es un hombre? Una reserva de esperma. “Solo eso, y con suerte”.
Está claro que, en tanto padre ‒eso que llamamos función paterna‒, un hombre es otra cosa, y la paternidad no puede identificarse con unos cuantos espermatozoides, pero la virilidad… ¿de qué se trata?
Lo que resta ‒para Sollers‒ es un personaje un tanto patético, atado a sus componentes de tribu, identitarios, básicos, sin funciones económicas, políticas o sexuales clave (todo eso puede reemplazarse); con la excepción, quizá, de cierto dandismo un tanto anacrónico, como el héroe de los récords, la inteligencia anormal, cierto estilo de femineidad animal o el monje…
V
En psicoanálisis no deberíamos guiarnos por lo que se ve, sino por lo que se escucha, y alguien con genética XY podría perfectamente hablar desde un lugar femenino y viceversa. Las fórmulas que Lacan acuñó para pensar la sexuación nos permiten esa especie de geolocalización genérica.
Pero lo que se ofrece a la vista tampoco es algo despreciable, y la noción de semblante acaba resultando clave.
A veces es preciso ver a una persona trans para entender la femineidad. Alguien que ha deseado devenir mujer está obligado a aprehender lo que distingue a una mujer, algo que una persona nacida mujer no precisa hacer tan imperiosamente.
¿Puede extenderse esto, en sentido contrario, a quienes han debido travestirse por un motivo u otro, de hombres? La legendaria papisa Juana, la reina-faraón Hatshepsut, George Sand o Barbra Streisand, la protagonista de Yentl… En estos casos, la causa fue pragmática, hacer un bypass a las exclusiones de género: alcanzar un cargo vedado a las mujeres, estudiar, gobernar, publicar son razones que justifican la búsqueda. Tampoco esa búsqueda se afanaba en aprehender ninguna quintaesencia de lo masculino.
El concepto de semblante es una noción con mala fama, asociada al engaño, a ilusión, al artificio… si no fuera que los analistas sabemos bien que algo del artificio nos constituye y tiene efectos. Practicamos un oficio donde lo ficcional ocupa un lugar clave, basta ver las ficciones que nos contamos para vivir, o el modo en que la propia historia se reescribe en un análisis.
Buscar en cualquier atributo cierta “esencia” de la masculinidad sería engañoso, no es una palabra compatible con el psicoanálisis. Ni siquiera apelar a la “identidad” es posible, y prefiero pensar en términos de identificaciones, capas de identificaciones que muestran al final, como en una cebolla, un vacío. Conviene pensar las masculinidades como una constelación de identificaciones posibles.
Lidiamos con posiciones, con lugares, y con esas ficciones llamadas semblantes, hechos de una estofa imaginaria y simbólica, mediante los cuales afrontamos la vida.
Y es obvio que los semblantes de la masculinidad han cambiado con los tiempos.
No es raro ver supuestos modelos de virilidad reunidos entre ellos, haciendo bromas ya sin gracia y afirmados, en tanto varones, apenas por la cercanía de otro varón. Al mismo tiempo, más de un varón andrógino logra efectos de seducción envidiables asumiendo el desafío de encontrarse con el enigma del Otro sexo, ese que muchos supuestos “machos” se cuidan de mantener a distancia…Como entre los griegos, encontramos el acmé de la masculinidad en figuras que hacen de la segregación de lo femenino una seña de identidad. La misma figura del Don Juan tiene sus bemoles… No por muchas conquistas se sostiene una virilidad que precise de la conquista para afirmarse…
Pero entonces, ¿de dónde se sostiene? Si es que se sostiene… Cien años atrás, la psicoanalista francesa Joan Rivière escribía un artículo llamado “La femineidad como mascarada”. Hoy, en tiempos de deconstrucción, ¿podemos pensar la “masculinidad como mascarada”?
Todo lo sólido, incluido qué es ser varón, se desvanece en el aire… Lo que convierte a este tiempo en tiempo de oportunidades.
Así como una persona que se trasviste de mujer lleva al extremo el teatro de la identidad y destila así gotas de femineidad en estado puro, me he dejado interpelar por un hombre trans para pensar de qué se trata en la masculinidad. Su nombre es Paul B. Preciado, un tránsfuga de la femineidad ‒la B., decide, ha de ser un resto visible de ello‒ que eligió impugnar la lógica binaria de la diferencia. Pero a la vez convertirse en un hombre. No al modo en que los jóvenes, más aún en contextos primitivos, se convertían en hombres, a través de un ritual de pasaje. Paul B. Preciado decide convertirse en hombre a partir de la ingesta ritualizada de testosterona y un rediseño de su arquitectura física y mental. Este intruso, extranjero absoluto en tierras normalizadas, dueño de un coraje notable ‒una virtud tradicionalmente masculina‒ y una sensibilidad y escritura exquisitas, también me explica cosas. Los hombres trans me explican cosas.
Y me permite ver de otro modo los cientos de cuerpos de mujeres asesinadas colgando de los puentes en el sur de México. O la lógica naturalizada de la violación. O el fondo de opresión que se encuentra tras muchas hazañas masculinas, esa competencia fálica que pareciera haber definido a la masculinidad desde siempre. Estas postales crueles, y muchas más, deberían estar presentes ‒como la B. en el nombre de Preciado‒ cada vez que hablamos de estos temas, para no olvidarnos.
Vivo en un país donde hay una legislación de avanzada. Practico un oficio donde las mujeres tienen carta de ciudadanía hace tiempo en todos los planos, y pertenezco a una clase donde el reparto del poder es algo más equitativo. Digo esto porque creo que debemos evitar tanto el fundamentalismo bobo que nos lleva a repetir consignas teóricas de modo acrítico, como una corrección política complaciente, a tono con los tiempos. Ambas posiciones detienen el trabajo del pensamiento.
Ese trabajo, al menos para mí, al menos hasta ahora, no me ha llevado a impugnar la diferencia ‒más allá de su encarnación anatómica o lenguajera, que no me parece lo más importante‒ sino, en todo caso, a resituarla, a complejizarla, a pluralizarla.
Sin perder el matiz que le da el inconsciente a nuestras elecciones, donde nunca somos del todo dueños en nuestra propia casa, la elección de sexo es también ‒como la elección de neurosis‒ permeable a los designios del Otro que nos antecede y habla a través nuestro. Si autores lúcidos como Preciado nos han traído hasta aquí, para poner en cuestión nuestros presupuestos, no es para volver a épocas prefreudianas, las de un sujeto pretendidamente autónomo, autóctono y voluntarista, renegado de su propia división, y de la extranjería que a cada uno habita.
VI
Si quiero ser honesto, el punto donde estoy es apenas una estancia preliminar en un camino en “deconstrucción”. No apenas de la masculinidad, sino de algunos presupuestos sobre los cuales descansa el edificio teórico del psicoanálisis. ¿Puedo seguir siendo psicoanalista, confiar tanto en su singularidad ‒en tanto la teoría de la mente más compleja y ajustada para dar cuenta de la subjetividad‒ como en su eficacia liberadora? Creo que sí, y espero poder dar cuenta de ello.
Pero he aprendido que quizás la anatomía, contra lo que Freud pensara, no sea el destino. Tiendo a pensar que quizás haya más verdad en la frase originaria, atribuida a Napoleón, en la que Freud se basó: la geografía sí es el destino. Y quizás debamos empeñarnos en desarrollar más y más una geografía psicoanalítica.
Una geografía que amplíe el abanico de experiencias e inconsistencias para ver qué resta de la masculinidad cuando se la ha despojado de los lugares comunes. En la India, por ejemplo, hay figuras prototípicas de la masculinidad que tienen rasgos corporales y maneras que serían claramente definidos como femeninos en Occidente. En Irán, el Estado reconoce el transexualismo, e incluso paga por las cirugías de cambio de sexo. Pero no por amplitud de miras, sino, por lo contrario: para los ayatolás, en una lectura religiosa ‒y los psicoanalistas deberíamos cuidarnos mucho de las lecturas religiosas‒ se trata de corregir algo que está errado y que cuestiona el binarismo y la heterosexualidad incuestionables. Entonces el mismo Estado que persigue ferozmente la homosexualidad, o que piensa que una mujer debe estar a cargo de su padre, de su marido o de su hermano, tolera y acompaña como pocos la causa transexual…
Nada es simple ni claro, y vivimos una profunda mutación que todo lo atraviesa.
Progresivamente, he ido perdiendo toda certeza, he ido asumiendo más y más cierta intemperie. Si el género y sus identidades cuestionan ciertos patrones analíticos, este mismo puede ‒y debe‒ deconstruirse. La idea de diferencia ha organizado el pensamiento psicoanalítico en el último siglo. Esa diferencia, anclada a la diferencia sexual, puede virar de lo anatómico a lo ontológico, o puede incluir en sí la alusión genealógica, como hace mi amiga, la filósofa Diana Sperling al añadir una h muda al medio e inventar el neologismo difherencia, donde la herencia, nuestro lugar en una genealogía, encuentra sitio. Ahora bien, esa misma idea de diferencia que ordena tanto nuestros debates teóricos como nuestras conversaciones clínicas o nuestras intervenciones al oído de nuestros analizantes, está en disputa, como el género.
El psicoanálisis es una variedad del pensamiento crítico, una fábrica de librepensadores. Mal podemos propiciar eso en quienes se recuestan en nuestros divanes, si no lo hiciéramos con nuestra disciplina, que por momentos puede atrasar.
Frente a muchos cuestionamientos contemporáneos, sentimos como si se quitara la piedra angular del edificio teórico que nos ampara. Y ahí aparecen dos reflejos: o alistarnos prontamente en las huestes del pensamiento políticamente correcto, o impugnar mecánicamente lo que nos impugna, reaccionar apuntalando lo que, si prosiguiera el cuestionamiento, amenazaría con derrumbar el edificio sobre nuestras cabezas.
Pero si algo me ha dado mi análisis, mi formación y mi práctica de más de treinta años es confianza. No en mí, ni siquiera en las teorías en las que me amparo, sino en el inconsciente. Y en el dispositivo analítico, que creo que opera más allá del modo que tengamos, coyunturalmente, de pensar lo que sucede en él. Por eso, Lacan decía que una práctica no precisa estar advertida para ser eficaz. Por eso, todos conocemos efectos analíticos asombrosos aun en análisis conducidos con anteojeras. Por eso, Freud pudo de algún modo avanzar en su análisis con alguien tan bizarro como el otorrinolaringólogo Wilhelm Fliess.
Los analistas nos creemos más importantes de lo que somos para llevar a buen puerto una cura, y así como el inconsciente habla a través nuestro ‒como si apenas fuéramos médiums–, el análisis funciona a través del dispositivo analítico. Basta no obstaculizar su desempeño. Y así podemos permitirnos cuestionar nuestros presupuestos teóricos y al mismo tiempo seguir siendo una suerte de guía de perplejos.
Ese es el nombre de la principal obra de Maimónides, el médico judío del sultán Saladino. El psicoanálisis me da la impresión y, con esto termino, puede seguir siendo, cuestionándose, ese dispositivo que inquieta y apacigua, que permite orientarnos en la oscuridad, que promete alguna referencia, aun allí donde toda referencia pareciera haberse perdido.
(*) Años atrás, invitado por la APM a México, participé de un encuentro sobre “El género en la línea de fuego”. Allí, donde los feminicidios habían crecido exponencialmente, debatimos -en una mesa de hombres (!)- sobre “masculinidades”. Quizás pueda ser oportuno hoy, cuando urge pensar estos temas en Brasil, en un continente, el nuestro, donde el machismo aun prevalece en la cultura.
Palabras clave: entrevista-arte-libro- psicoanálisis
Imagem: “Flores en el Cuerpo” (Serie Silueta) de Ana Mendieta
Categoría: Politica y Sociedad
Nota de la Curaduría: El Observatorio Psicoanalítico es un espacio institucional de la Federación Brasileña de Psicoanálisis dedicado a la escucha de la pluralidad y a la libre expresión del pensamiento de los psicoanalistas. Al enviar sus textos, los autores declaran la originalidad de su producción, el respeto a la legislación vigente y el compromiso con la ética y la civilidad en el debate público y científico. Así, los ensayos son de responsabilidad exclusiva de sus autores, lo cual no implica respaldo ni concordancia por parte del OP ni de la Febrapsi.
Los ensayos se publican en Facebook. Haz clic en el enlace abajo para debatir el tema con los lectores de nuestra página:
https://www.facebook.com/
Nuestra página en Instagram es @observatorio_psicanalitico
Y para quienes son miembros de FEBRAPSI / FEPAL / IPA y se interesan por la articulación del psicoanálisis con la cultura, inscríbanse en el grupo de correos del OP para recibir nuestras publicaciones. Envía un mensaje a [email protected]
