Observatório Psicanalítico OP 616/2025

Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do mundo

O Método Marlow: Estudos indisciplinares em psicanálise

Leopold Nosek – SBPSP

Sempre me incomodou a tentação de transformar a psicanálise em um corpo doutrinário rígido. Prefiro pensá-la como uma arte em movimento, mais próxima da instalação e da performance do que de uma disciplina com fronteiras definidas. Cada análise se dá como uma montagem provisória, um espaço habitado por dois, onde se experimenta a precariedade do bernardo-eremita, que precisa trocar de concha para continuar vivendo. Essa é a condição radical do analista: exposto, em trânsito, sempre em busca de uma nova morada simbólica.

Ao organizar O Método Marlow: Estudos Indisciplinares em Psicanálise, não pensei em um livro unitário, mas em uma constelação de fragmentos: artigos, conferências, entrevistas que, lidos em conjunto, formam algo como uma deriva. Não ofereço um sistema, mas lampejos. Não pretendo encerrar debates, mas multiplicar inquietações.

O nome Marlow, narrador de Joseph Conrad, me acompanha há muito tempo. Sua travessia não se guia por mapas definitivos, mas pelo desejo de compreender o que se mostra à medida que se caminha. A psicanálise, para mim, é isso: uma travessia sem garantias, sustentada pelo assombro e pela curiosidade.

A clínica, assim concebida, não é apenas técnica. Ela exige a função poética do sonhar. Sem o trabalho onírico da vigília, seríamos condenados à repetição de platitudes. O sonho é a matriz de toda criação teórica: permite que desejo e proibição coexistam, deformados e reconciliados, abrindo passagem para que a vida prossiga. Penso muitas vezes que até mesmo nossas teorias mais racionais — de Ptolomeu às figuras helicoidais do DNA — são inseparáveis de sua dimensão poética. A psicanálise, que nasceu do sonho, não poderia ser diferente.

Outra dimensão essencial é o modo como nos atravessam as ideologias. Tal como as análises, elas nunca terminam: se transformam em novas contradições, novas crenças. Minha trajetória se fez entre ditaduras e redemocratizações, ruínas de ideologias tradicionais e emergências tecnológicas. A psicanálise só sobrevive quando se deixa afetar por esses contextos, quando reconhece que não pode se isolar da história.

Digo muitas vezes que o artista oferece suas vísceras à apropriação da humanidade. O analista não se exime dessa tarefa: também ele precisa expor, sustentar e transformar fragmentos de si em matéria simbólica compartilhada. O que nos une é a criação de barreiras oníricas, permeáveis, que permitem o intercâmbio entre interior e exterior, entre a singularidade e o mundo.

Este livro, portanto, não se destina apenas aos psicanalistas. Ele pede cumplicidade de qualquer leitor disposto a se deixar afetar pela imaginação e pela cultura. A psicanálise que me interessa não é erudita nem sistemática: é uma prática de vida, uma forma de habitar o assombro.

Se há um método em O Método Marlow, ele é indisciplinado. E se há uma certeza que me acompanha, é a de que a psicanálise — como a arte e como o sonho — não pode prescindir da invenção.

O livro, publicado pela editora Perspectiva, será lançando no dia 04 de outubro, na Livraria da Vila do Shopping Pátio Higienópolis, em São Paulo. Fica aqui o convite. Será um prazer receber os amigos.

Palavras-chave: Psicanálise, Arte, Travessia, Assombro, Curiosidade

Imagem: capa do livro “O método

Marlow: estudos indisciplinares em psicanálise@, editora Perspectiva.

Categoria: Cultura; Instituição Psicanalítica 

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Tags: arte | Assombro | Curiosidade | Psicanálise | Travessia
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