Observatório Psicanalítico OP 615/2025

Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do mundo

Suicídio ainda é uma das principais causas de morte no Brasil e no mundo

Helena Daltro Pontual (SBPSP)

O suicídio continua sendo uma das principais causas de morte em todo o mundo, de acordo com as últimas estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS). A cada ano, mais de 700 mil pessoas cometem suicídio no mundo — uma em cada 100 mortes —, número mais alto do que as mortes em decorrência do HIV, malária, câncer de mama ou ainda de guerras e homicídios. No Brasil, o suicídio é a segunda principal causa de mortes de adolescentes de 15 a 19 anos e a quarta principal entre jovens de 20 a 29 anos, segundo o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde. Em 2021, ocorreram 15.507 suicídios no país — equivalente a uma morte a cada 34 minutos —, dos quais 77,8% foram de homens, especialmente idosos.

No contexto global, o Brasil ocupa o 155º lugar entre as taxas de suicídio de 214 países, segundo o estudo Global Burden of Disease, de 2019, mas há um crescimento desses índices a partir de 2014, com incremento de 3,2% ao ano. Entre os países e regiões com as taxas mais altas de suicídio estão Groenlândia (América do Norte), Lesoto (África), Quiribáti (Oceania) e Guiana (América do Sul). Segundo a OMS, dados de 2019 apontam que as taxas de suicídio da África (11,2 por 100 mil), Europa (10,5 por 100 mil) e Sudeste Asiático (10,2 por 100 mil) foram maiores do que a média global (9,0 por 100 mil). Nas Américas, as taxas de suicídio são altas e aumentaram 17% de 2000 a 2019.

O suicídio emerge de uma complexa interação de determinantes que abrangem aspectos psíquicos, biológicos, sociais, econômicos e culturais. A história de suicídio na família e o acesso a meios de alta letalidade, como armas de fogo e venenos tóxicos, também são fatores de risco significativos.

Adicionalmente, experiências de vida estressantes, morte de entes queridos, doenças graves, divórcio, violência doméstica, crises financeiras e migração forçada podem servir de gatilho para o ato suicida de algumas pessoas. A OMS estima que, para cada morte por suicídio, há vinte tentativas e, em média, cinco a seis pessoas próximas sofrem com consequências emocionais, sociais e econômicas.

Estudos médicos e epidemiológicos publicados pelo Ministério da Saúde apontam que até 90% das pessoas que cometeram suicídio apresentavam algum tipo de transtorno mental diagnosticável, sendo os mais prevalentes os transtornos afetivos e por abuso de substâncias. Estimativas globais indicam que mulheres apresentam maior prevalência de ansiedade e depressão, enquanto homens têm maior prevalência de transtornos por abuso de substâncias, transtornos de personalidade, déficit de atenção e hiperatividade. Nesse sentido, destacam-se a maior agressividade e a impulsividade no sexo masculino, aumentando o risco de consumação do suicídio. Os homens também têm baixa adesão a tratamentos para transtornos mentais, o que agrava seu sofrimento e aumenta o risco de tirar a própria vida.

Por esse motivo, o suicídio pode ser compreendido como um indicador do bem-estar ou do mal-estar psicossocial de uma população. Pesquisa nacional sobre saúde mental e sentimentos na vida adulta, feita em 2025 pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) com 711 pessoas, revelou que mais da metade dos participantes teve ideação suicida em algum momento, com maior ou menor frequência; 69,9% disseram ter recebido diagnóstico de algum transtorno mental, como depressão, transtorno bipolar e ansiedade. Outros 11,4% disseram não ter diagnóstico, mas acreditam ter algum transtorno emocional; e 80,5% revelaram ter insônia e problemas para dormir.

Nos estados, as maiores taxas de suicídio em 2021 (ver tabela) foram registradas no Rio Grande do Sul (12,37), Piauí (11,83), Mato Grosso do Sul (11,76), Roraima (11,56), Santa Catarina (11,21) e Tocantins (11,11). Na evolução das taxas de suicídio nas regiões entre 2010 e 2021, os maiores percentuais foram registrados no Norte (56,6%) e Nordeste (54,9%). Nesse mesmo período, os maiores incrementos percentuais ocorreram no Pará (72%), Bahia (70,7%), Goiás (69,6%), Paraná (69%), Piauí (67,6%), Pernambuco (67%), Alagoas (65,4%) e Rio de Janeiro (64,8%). Este último também apresentou maior incremento nas taxas entre 2019, último ano pré-pandemia, e 2021, com aumento de 54%.

O que nos diz a Psicanálise

As pessoas podem se matar ou procurar a morte de forma consciente ou inconsciente. Todos os seres humanos têm impulsos nomeados de pulsões de vida e pulsões de morte. As primeiras levam ao crescimento, desenvolvimento, reprodução, ampliação da capacidade de pensar, sentir e viver. Já as pulsões de morte lutam pelo retorno a um estado de inércia, atacando a capacidade da pessoa de lidar com as adversidades da vida, desvitalizando suas relações consigo mesma e com o mundo. As duas pulsões andam (ou não) amalgamadas, numa interação conflituosa entre Eros, que impulsiona a criação, o prazer e a união, e Tânatos, que tende à autodestruição, estagnação e retorno ao inorgânico. Essa fusão não é um simples equilíbrio, mas um jogo dinâmico constante de luta e integração entre forças opostas, moldando a psique humana e influenciando comportamentos complexos como o suicídio, a autossabotagem e a capacidade de superação.

Nota-se, na maioria dos suicidas, a coexistência ambivalente entre desejos e atitudes antagônicas, que levam o sujeito a um impasse, traduzindo sua indecisão frente à vida. Ele “deseja” morrer e, simultaneamente, quer ser resgatado ou salvo. Atos estereotipados de tomar psicotrópicos e telefonar em seguida para conhecidos solicitando ajuda expressam ambas as faces desse ato.[1]

O psicanalista Roosevelt Cassorla, reconhecidamente um dos maiores estudiosos do suicídio, nos diz que o suicida não procura a morte (porque não sabe o que é a morte), mas está em busca de outra vida fantasiada em sua mente, que busca, em última instância, escapar de um sofrimento insuportável. A busca dessa “outra vida”, de forma inconsciente, ocorre num mundo paradisíaco, onde não existe sofrimento e todas as necessidades são satisfeitas. A vida se dará ao lado de uma figura divina protetora, como um reencontro com o objeto primário — mãe —, com a vida intrauterina, como um parto ao contrário.[2]

Tal fantasia nos remete à ideia de nirvana, termo que Freud utilizou para descrever a pulsão de morte, cujo objetivo é trocar a inquietação da vida pela estabilidade do estado inorgânico. Os suicídios coletivos, como o ocorrido a mando de Jim Jones, na Guiana, e de outros grupos e seitas, mostram a força dessa fantasia. O psicanalista André Green concebe a destrutividade da pulsão de morte como uma dimensão essencial do psiquismo e um problema central para a psicanálise. Para Fernando Urribarri, psicanalista argentino e amigo de Green, que prefaciou um de seus livros,[3] a pulsão de morte, segundo Green, não existe em um estado de atividade permanente, mas se instala na sequência de uma série de frustrações, vividas em silêncio ou em ruidosa agitação.

Cassorla nos diz que o ato suicida é altamente agressivo também em relação aos sobreviventes. Na fantasia do suicida, as pessoas próximas, ou a sociedade, são acusadas por não terem suprido suas supostas necessidades, por não o compreenderem, por maltratá-lo ou injustiçá-lo. A frustração imposta pela realidade é potencializada pela projeção de aspectos persecutórios que alimentam essas fantasias. “Antes do ato, o suicida como que ‘vê’ a culpa e o sofrimento dos seus supostos algozes, não considerando que estará morto. Nessa situação, o suicida não está propriamente em busca da morte, mas de vingança”.

O futuro suicida, num claro pedido de ajuda, comunica, muitas vezes, suas fantasias sobre morrer ou matar-se. Uma tentativa de suicídio não bem-sucedida é um pedido desesperado de ajuda. O suicida que consegue praticar o ato provoca imenso sofrimento nos familiares, que poderão se culpar por não terem percebido o problema, por não o terem compreendido. Eles se sentem responsáveis e há possibilidade de ocorrer um luto patológico, devido ao alto grau de sofrimento. Cassorla adverte, no entanto, que a família e outras pessoas próximas ao suicida não podem ser onipotentes e oniscientes, e que nem sempre é possível para eles prever o ato e tomar medidas adequadas. “Não raro, o próprio paciente, futuro suicida, provocou os sentimentos de desesperança e rejeição que seu ambiente tem por ele”.

Para o psicanalista, na maioria das vezes, quem acredita estar efetuando o ato suicida de livre-arbítrio está enganado. “Quase sempre, essa pessoa está sob a influência de conflitos inconscientes, e, se eles forem descobertos, ela será capaz de encontrar outras saídas para seus problemas”.[4]

Referências 

[1] Bertolote, J. M., Mello-Santos, C., & Botega, N. J. (2010). Detecção do risco de suicídio nos serviços de emergência psiquiátrica. Revista Brasileira de Psiquiatria, 32.

[2] Cassorla, Roosevelt. Estudos sobre o suicídio: psicanálise e saúde mental. São Paulo: Blucher, 2021.

[3] Green, André. Por que as pulsões de destruição e de morte? São Paulo: Blucher, 2022.

[4] Cassorla ressalta que há casos excepcionais não incluídos nessa última análise, como greves de fome com finalidade política e o chamado suicídio assistido por médicos, já adotado em alguns países, quando a pessoa tem doença grave e decide morrer.

Palavras-chave: suicídio, pulsão de morte, sofrimento, agressividade, Tânatos

Imagem: O suicida, pintura de Édouard Manet (c. 1877–1881)

Categoria: Política e Sociedade

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Tags: agressividade | pulsão de morte | sofrimento | suicídio | Tânatos
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